UMinho abre Mestrado em Sociologia do Género e da Sexualidade

Entrevista com a professora Ana Maria Brandão
Foto: Paulo Jorge Magalhães / O MINHO

O Departamento de Sociologia da Universidade do Minho abre em outubro um novo mestrado, intitulado Sociologia do Género e da Sexualidade. Em entrevista a O MINHO, a professora Ana Maria Brandão diz que vem consolidar a investigação na área e diversificar a oferta formativa. Sobre a recente polémica em torno do ensino do tema nas escolas da Hungria, a docente sublinha que aquele “não é exatamente o país que gostaria que Portugal tomasse como referência – neste e noutros assuntos”. Ana Maria Brandão tem “dificuldade em perceber como é que a defesa da igualdade de direitos, oportunidades e deveres, o respeito pela identidade da pessoa e/ou pela forma como quer viver os seus afetos, a sua sexualidade e a sua vida podem ser ‘nocivos’ a uma qualquer sociedade”. “A diversidade é uma mais-valia”, assegura.

O que é o Mestrado em Sociologia do Género e da Sexualidade? Apesar de o tema ser atual, pergunto qual a razão da sua criação? Quando começa e com quantos alunos?

A ideia de criação deste mestrado começou a tomar forma em 2017-2018. Três razões fundamentais estiveram na sua base: por um lado, nas últimas décadas, tem havido um crescimento do interesse e da investigação produzida nestes domínios, incluindo o trabalho de investigadores/as e docentes da Universidade do Minho; por outro lado, tem havido uma procura crescente de formação nestes domínios por parte de estudantes dos vários ciclos de estudos e também de profissionais externos/as à academia; finalmente, o Departamento de Sociologia da Universidade do Minho pretendia diversificar a sua oferta formativa e captar novos públicos. A criação deste mestrado oferecia, portanto, uma oportunidade de projeção e consolidação da investigação desenvolvida nestas áreas, uma resposta às necessidades de estudantes e profissionais e uma oportunidade de captação de novos públicos por parte da Universidade. A primeira edição do mestrado terá início no próximo ano letivo (2021/22), estando previstas 20 vagas.

Discriminação

Ana Maria Brandão. Foto: DR

Em Portugal parece ainda haver discriminação com base no género e na orientação sexual. Em que é que o Mestrado pode contribuir para a erradicação ou atenuação do problema? Há necessidade de formar pessoas nestas áreas?

Os estudos realizados em Portugal e/ou sobre o caso português mostram que quer a igualdade de género, quer a não-discriminação em função da identidade de género e da orientação sexual estão longe de ser dados adquiridos. Persistem formas múltiplas de desigualdade e também de discriminação, muitas vezes não evidentes, não explícitas, não reconhecidas. Os conteúdos a ministrar neste mestrado visam fornecer instrumentos que permitam pensar um conjunto de fenómenos ligados aos domínios do género e da sexualidade de modo a que, a partir da aquisição e consolidação de conhecimentos se possa pensar tanto estratégias de investigação, como de intervenção. Por isso, prevê que, no final do primeiro ano de formação, os/as estudantes possam decidir a via de mobilização de conhecimentos mais ajustada à sua situação (formativa, profissional) e aos seus objetivos de carreira, que poderá assumir a forma de um estágio, de um projeto de diagnóstico e/ou intervenção ou um projeto de investigação. Neste sentido, sim, pretende-se formar pessoas qualificadas para intervir nestes domínios e para contribuírem, de forma informada e sustentada, para a eliminação da desigualdade de género e da discriminação em função da identidade de género e da orientação sexual. Considerando os pedidos que cada vez mais frequentemente nos chegam de apoio, consultoria, formação, assim como os objetivos enunciados na Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não-Discriminação – Portugal + Igual (ENIND), eu diria que sim, é importante formar mais pessoas nestas áreas.

Caminho a percorrer

Foi criada uma Estratégia Nacional para a Igualdade e Não Discriminação. Tem funcionado bem?

Sim, tem, embora ainda haja caminho a percorrer e o mero facto de um organismo possuir um plano para a igualdade, por si só, não é suficiente porque há questões que se situam a montante das organizações e que têm a ver com o contexto sociocultural e económico mais vasto. Em particular, um dos maiores obstáculos à igualdade de género em termos de emprego e carreira, por exemplo, são as dificuldades de conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional, especialmente lesivas para as mulheres, que continuam a assegurar a maior parte do trabalho não pago (cuidado com os/as filhos/as e outros dependentes, tarefas domésticas, etc.). A lei e os instrumentos de política pública são importantes, mas não têm resultados imediatos. É preciso mudar as formas de pensar e isto é, provavelmente, o mais difícil, ainda que se venham registando mudanças importantes.

Sobre a aplicação da ENIND, pode consultar os dados, para o caso dos municípios aqui e os baçanços globais das ações desenvolvidas aqui.

Lacunas nas escolas

Ana Maria Brandão. Foto: DR

O que se pode fazer nas empresas, na administração pública, nas escolas para minimizar a discriminação?

Há muita coisa que se pode fazer e que se está a tentar fazer, mas a sua pergunta é extremamente vasta, portanto, cingir-me-ei a algumas apreciações sobre o caso das escolas. Continuamos a ter muitas lacunas a este nível e estes temas são, muitas vezes, tratados de forma descontínua, inconsistente e muito dependente da boa vontade dos docentes, que nem sempre têm a preparação necessária. Os/as jovens continuam a apresentar frequentemente representações estereotipadas do género e da sexualidade que, depois, resultam na aceitação e na normalização de comportamentos lesivos dos direitos de qualquer pessoa. Os números da violência no namoro ou os casos de assédio moral entre jovens são exemplificativos disso mesmo (pode consultar aqui os dados: https://www.cig.gov.pt/area-portal-da-violencia/violencia-no-namoro/documentacao/). E os/as jovens são s gerações futuras, portanto, se queremos que a situação mude, a escola é um dos contextos onde é fundamental intervir, mas não é o único.

Hungria: diversidade é mais-valia

Ana Maria Brandão. Foto: DR

Há dias, a Hungria proibiu a ‘propaganda’ de género nas escolas. E há pais que são contra a abordagem do tema no ensino e outras pessoas que entendem ser propaganda a favor da homossexualidade. O que se lhe oferece dizer?

Em primeiro lugar, direi que a Hungria não é exatamente o país que eu gostaria que Portugal tomasse como referência – neste e noutros assuntos. Estamos a falar de um regime dificilmente classificável como democrático, onde vigora um governo populista que, como vários outros governos populistas, contemporâneos ou entretanto historicamente desaparecidos, têm uma certa tendência para escolher determinadas categorias sociais como instrumento de “distração” da opinião pública e como “bode expiatório” de problemas que não conseguem, ou não querem, resolver internamente. Saliento, igualmente, que informar e fazer propaganda são coisas diferentes e só não percebe isto quem não quer. Dito isto, o Estado português é signatário de vários acordos e membro de organizações supra-estatais que têm inscritos, nas suas missões, os propósitos da promoção da igualdade de género e da não-discriminação em função da identidade de género e da orientação sexual. Respondendo de forma mais direta à sua pergunta, confesso que tenho dificuldade em perceber como é que a defesa da igualdade de direitos, oportunidades e deveres, o respeito pela identidade da pessoa e/ou pela forma como quer viver os seus afetos, a sua sexualidade e a sua vida podem ser “nocivos” a uma qualquer sociedade. Ainda não encontrei argumentos ou dados coerentes e consistentes que o demonstrem.

Mas existem muitos argumentos e dados empíricos que mostram o inverso, isto é, que a diversidade é uma mais-valia, que a desigualdade e a discriminação representam um desperdício de recursos e potencial humano e económico e que o respeito pelos/as outros/as é condição do respeito que queremos obter deles/as. Em geral, esse tipo de discurso parte do desconhecimento – factual ou intencional – do que se defende quando se defende aqueles princípios. Referindo-me especificamente à homossexualidade, não é porque se fala sobre ela na escola – ou em qualquer outro local, já agora – que as crianças e adolescentes vão passar a ser homossexuais, mas, falando-se nela, podemos evitar o sofrimento, a vitimização e mesmo a morte prematura de muitos jovens. Creio que isto devia ser argumento suficiente. Se quiser ver alguns dados interessantes sobre o que acaba de afirmar, sugiro este clip.

Respeito pelo outro

Outra vertente do problema, com desenvolvimentos recentes é o do assédio nos locais de trabalho. Como se pode combatê-lo?

Pois, começando, precisamente, por ensinar às crianças e aos/às adolescentes – que serão os/as adultos/as do futuro – princípios básicos de respeito pelo Outro, independentemente do seu género e da sua orientação sexual. É na forma como entendemos o género e o desequilíbrio de poder que está na base das relações sociais de género que residem as razões do assédio. E aqui se inclui não só o assédio sexual, mas também o moral. Portanto, voltamos à mesma questão: a do respeito pelo Outro. Se formos capazes de nos ver uns/umas aos/às outros/as como seres humanos igualmente dignos de respeito, teremos, seguramente, menos problemas como este. Nada disto invalida, evidentemente, que haja mecanismos legais de proteção e denúncia de situações de assédio ou que a justiça atue no sentido de as punir, mas a prevenção deve estar sempre no horizonte. E também não se deve limitar às gerações mais jovens.

 
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