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Artigo de Liliana Vaz de Carvalho
Mulher. Mãe. Médica Veterinária. Exerce funções na Câmara Municipal de Braga.
O Síndrome de Noé é vulgarmente conhecido como o acumulador de animais e é uma variante da Síndrome de Diógenes e a pessoa acumula em casa um número desmesurado de animais domésticos (os gatos são os mais afetados), sem dar a eles a mínima atenção e o devido cuidado.
Os acumuladores compartilham quatro características em comum:
- Ausência de padrões mínimos de higiene;
- Incapacidade de reconhecer os transtornos aos animais;
- Obsessão por acumular mais;
- Negação dos problemas.
A pessoa também mostra incapacidade de mostrar afeto, relacionar-se e conviver com outras pessoas, preferindo a companhia animal. Causa às vezes nos animais um grande sofrimento devido ao enclausuramento e condições de vidas impostas a fim de não perdê-los ou deixá-los escapar.
O animal é sentido como seguro, amigo e confiável. Vários fatores estão envolvidos:
– Perturbações da personalidade;
– Acontecimentos ansiogénicos;
– Experiências traumáticas (abuso e negligência na infância, experiências disfuncionais de apego precoce, abandono parental, luto patológico ou perda de um adulto com quem havia uma forte ligação).
Mesmo que esta patologia tenha sido identificada em pessoas com sentimentos de solidão intensos, isolamento extremo e ausência de laços sociais e/ou familiares, é comum a coexistência desse síndrome com outros transtornos mentais que poderiam explicar esse comportamento de acumulação:
- Existência de uma acumulação excessiva e patológica de animais por parte de uma pessoa;
- Incapacidade para cuidar adequadamente dos animais e cobrir as necessidades básicas dos mesmos;
- Condições anti-higiênicas e de insalubridade em casa da pessoa que implicam um risco para ela mesma e, em alguns casos, para os vizinhos;
- A negociação do problema é outro dos sintomas de síndrome de Noé. A pessoa é incapaz de notar o estado no qual os animais se encontram (desnutrição, doenças e até mesmo morte) assim como da própria casa;
- A pessoa vê-se a ela mesma como salvadora dos animais, devido à alteração e distorção da perceção que coexiste com esse síndrome;
- Presença de comportamentos agressivos se alguém tentar confrontar a situação ou entrar na casa em questão;
- Costuma acumular uma única espécie, mas também foram reportados casos nos quais convivia mais de um tipo de animal;
- Na maioria dos casos, os animais são recolhidos da rua;
- Os casos de síndrome de Noé ou doença de obsessão pelos animais costumam ser denunciados pelos vizinhos ou serviços sociais;
- Em alguns casos, a pessoa com esta patologia tem menores ou pessoas idosas a seu cargo, das quais também não é capaz de cuidar;
- Normalmente, perante o diagnóstico de um caso de síndrome de Noé ou doença de obsessão por animais, intervém-se legalmente com a retirada de animais.
No entanto, e apesar de todo o conhecimento da base psicológica subjacente, em muitos casos não é oferecida atenção psicológica à pessoa que sofre desse problema de acumulação. Atualmente, e em conclusão, não existe um protocolo de intervenção psicológica perante esse perfil de patologia:
- A síndrome de Noé costuma coexistir e ser consequência de outra patologia mental. Por isso, é necessária uma avaliação exaustiva do caso para definir uma intervenção adaptada às necessidades e problemas específicos da pessoa;
- Inicialmente, é necessária a psico-educação ou explicação da síndrome que afeta a pessoa, fomentando a consciência sobre ele, o entendimento do mesmo e das suas causas e sintomas;
- Pode ser aplicada terapia cognitivo-comportamental na qual se usam técnicas de exposição com prevenção de resposta (poder expôr-se aos animais sem a necessidade de acumulá-los), treinamento em técnicas de respiração e relaxamento para a exposição e restruturação cognitiva, pela qual se geram pensamentos e crenças mais racionais e objetivas sobre a realidade;
- Outro ponto útil é o que é centrado na motivação, pela qual se estimula a organização e restruturação do lar e rotinas diárias, fomentando a ordem e a estabilidade quotidianas;
- Também é necessária a educação em hábitos saudáveis, de autocuidado e de higiene para prevenir recaídas e gerar um estilo de vida benéfico para a pessoa;
- Treinamento em habilidades sociais para que a pessoa possa começar a socializar com pessoas e estabelecer laços sociais que previnam o isolamento da pessoa e a necessidade de busca de afeto na acumulação de animais. As técnicas de fomento da autoestima e o autoconceito também são úteis para fomentar a eficácia do treinamento em habilidades sociais, propiciando ainda segurança em ambientes de socialização;
- Outros modelos destacam as semelhanças entre os comportamentos aditivos e a síndrome de Noé, pelo que será necessário trabalhar o controle de impulsos através da técnica de tolerância ao mal-estar da terapia dialético-comportamental;
- Além de tudo o que foi mencionado, ao coexistir normalmente com outros transtornos mentais e ser consequência dos mesmos, a síndrome de Noé exige uma intervenção psicológica específica e dirigida à patologia mental que a pessoa apresenta.
Atualmente o Estado não controla os ambientes de acumulação de cães e gatos, visto que muitos desses locais são erroneamente denominamos de “abrigos de protetores independentes” e com localização desconhecida em muitos casos. Só através de situações de denúncia as autoridades com competência atuam e intervêm. No concelho de Braga tendo em conta a Síndrome de Noé e outros problemas associados a animais e sua detenção e atuação perante eles está prevista a criação de um Observatório de Saúde Pública Municipal que irá contar com diversas entidades de Saúde Pública, por Uma Só Saúde.