Um ano depois, a AIMA é consensual nas críticas de advogados, imigrantes e especialistas

Agência para a Integração, Migrações e Asilo
Foto: Lusa

A Agência para a Integração, Migrações e Asilo comemora um ano de existência na terça-feira, um período marcado por polémicas, alterações de competências e críticas, que incluem imigrantes, advogados e especialistas.

Criada pelo governo PS, na sequência da prolongada extinção do Serviço de Estrangeiros, após a morte de um cidadão ucraniano às mãos de agentes, a AIMA perdeu muitos elementos para a Polícia Judiciária e para o Instituto de Registos e Notariado (IRN), herdou 350 mil processos de regularização – que passaram para 400 mil no final de 2023 -, abriu concursos de contratação e ficou atolada nos pedidos, cinco mil por mês.

O objetivo anunciado para a criação da AIMA foi separar a questão policial da questão administrativa relativa aos imigrantes, procurando responder de forma mais humanista aos pedidos feitos.

A gestão das fronteiras continuava nas mãos da PSP e, no final do ano, a organização teve a sua primeira crise, com muitos requerentes de asilo a dormirem no próprio aeroporto pela falta de resposta dos serviços da AIMA.

Após as eleições legislativas, o novo governo PSD/CDS anunciou intenções de alterar a lei, acabando com as manifestações de interesse, um recurso jurídico que permitia a um estrangeiro com visto de turismo requerer a regularização, desde que tivesse 12 meses de descontos, e propondo a passagem para a PSP da gestão dos processos de retorno, que ainda está a ser apreciada.

Em agosto, o governo colocou Pedro Portugal Gaspar como presidente da AIMA, substituindo o dirigente nomeado pelo PS, Luís Goes Pinheiro, que foi liderar uma estrutura de missão responsável pela regularização dos processos pendentes, no espaço de ano. 

Este era o mecanismo mais utilizado pelos imigrantes para pedirem a regularização, criando uma sobrecarga no sistema.

A falta de resposta dos serviços levou milhares de imigrantes a forçarem judicialmente a AIMA a dar resposta, com um volume de processos administrativos de intimação nos tribunais de tal ordem que levou o ministério da Justiça a criar uma equipa específica. 

Em paralelo, o governo alargou o visto de mobilidade CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), sinalizando a prioridade aos cidadãos lusófonos, e prometeu o reforço dos consulados por causa dos vistos de trabalho, algo que ainda não foi feito.

O fim abrupto das manifestações de interesse gerou polémica e o parlamento aprovou um período transitório para quem já tivesse o tempo devido de descontos mas não tivesse iniciado o processo formal. 

Contudo, ainda estão por resolver os casos de pessoas que já têm descontos feitos, embora insuficientes, ou os que chegaram com visto de turista e estão a trabalhar de facto, um limbo para o qual as associações de imigrantes alertam.

Flora Silva, da Olho Vivo, lamenta o “esquecimento desumano” a que milhares de imigrantes foram votados, mas confia que o parlamento faça o governo recuar e reponha uma “solução semelhante à manifestação de interesse que permita a regularização de quem cá trabalha”.

O fim do SEF foi precipitado pela morte de Ihor Homeniuk e o advogado da família, José Gaspar Schwalbach, que é especialista em imigração também faz um balanço negativo da atividade da AIMA, pelos problemas na transferência das competências administrativas, que “veio confundir os imigrantes e dificultar os processos de renovação com alteração de localização do atendimento, dificuldades de comunicação entre sistemas”, entre outras matérias. 

Além disso, “o avolumar de pendências processuais que já vinha sucedendo antes outubro de 2021, quando se decidiu extinguir o SEF, manteve-se, não podendo os parcos recursos humanos transferidos para a AIMA dar resposta a todos os pedidos”, acusou. 

A “administração, vinculada ao principio da boa-fé, deveria ser a primeira a reconhecer que os prazos de deferimento tácito estavam ultrapassados e a emitir a competente decisão de deferimento e produção do titulo de residência. Mas não o faz”, lamentou o advogado.

Por outro lado, nos aeroportos, “a decisão política de atribuir a gestão dos Centros de Instalação Temporária à PSP” veio “equiparar estes centros de Instalação Temporária a instalações prisionais” e os “processos de recusa de entrada” mostram “falhas graves, com falta de fundamentação ou mesmo de notificação das decisões, embarcando os cidadãos estrangeiros em voos de regresso mesmo na pendência de processos judiciais”.

No plano judicial, “apenas a investigação criminal, que em boa hora foi transferida para a Polícia Judiciária, se revelou positiva, permitindo uma otimização de recursos e o desbloqueio de processos que até 2023 estavam completamente suspensos, em prejuízo dos cidadãos”, acrescentou. 

Por seu turno, Thaís França, investigadora do ISCTE e especialista em migrações, recordou que o “fim do SEF era mais do que necessário”, porque “imigração não é um problema de polícia”, mas a criação da AIMA não foi acompanhada de investimento. 

“Criou-se um órgão sem dar capacidade tecnológica nem recursos, já havia processos atrasados, as leis foram sendo alteradas várias vezes, o que mostra a falta de continuidade das políticas migratórias”, resumiu a investigadora, considerando que este processo “tinha tudo para dar errado. E deu”. 

Com isto, cresce a “ideia de securitização associada a uma visão dos imigrantes, vistos como criminosos”, mas também a narrativa de que “precisamos de guardar as nossas fronteiras”, em linha com vários países europeus. 

“O atual governo era contra o fim do SEF e agora, diplomaticamente, reforça a polícia para olhar para a migração na perspetiva da segurança e não na integração ou acolhimento”, acusa, que rejeita a ideia de que o número de imigrantes em Portugal seja desproporcional. 

Os dados referentes a 2023 mostram um crescimento em linha com os restantes países europeus, o que mostra que a ideia de que “a imigração está completamente desregulada é uma falácia”.

“Hoje, o espírito da AIMA está completamente deturpado, naquilo que foi a sua origem”, acusou Thaís França.

 
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