O Tribunal da Relação de Guimarães deu razão ao Ministério Público (MP) que intentou uma ação declarativa a favor de uma estafeta da Uber, de Braga, considerando que a relação que mantém com a empresa Uber Eats Portugal, Unipessoal Lda configura um contrato de trabalho.
“Verificando-se duas ou mais caraterísticas das previstas nas diversas alíneas do Código de Trabalho, está preenchida a presunção de existência do contrato de trabalho, sem prejuízo de poder vir a ser ilidida”, dizem os juízes-desembargadores, sublinhando que,
“cabe à empresa a prova do contrário, não lhe bastando a contraprova destinada a tornar duvidoso o facto presumido”.
O MP de Braga, na sequência de uma ação inspetiva desenvolvida pela ACT local, foi ao Tribunal de Trabalho sob a forma especial de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, pedir que se reconheça a existência de um contrato de trabalho subordinado, por tempo indeterminado, entre a Uber Eats e o motorista, com início em 01 de Setembro de 2023.
O Tribunal de Trabalho rejeitou a ação, o que levou o magistrado a recorrer para a Relação de Guimarães.
Condições de um contrato de trabalho
O MP alegava que se constatou “a prestação de uma atividade aparentemente autónoma, mas em condições análogas às de um contrato de trabalho por parte da empresa, sendo que essa prestação se desenvolvia no âmbito da sua plataforma digital”.
E acentua o acórdão: “Esta plataforma foi criada pela ré para disponibilizar serviços à distância, mormente para receber e distribuir pedidos dos clientes, nomeadamente de refeições, para o que recorre a estafetas, controlando e supervisionando a atividade destes, em tempo real, através de um sistema de geolocalização”.
E diz, ainda: “encontrando-se aqueles estafetas, como era o caso, juridicamente subordinados à ré, sem autonomia na definição das suas tarefas e sujeita ao seu poder disciplinar, podendo a Uber excluir o estafeta de futuras atividades na plataforma ou suspender temporariamente o acesso ou desativar a conta em caso de suspeita de violação de obrigações”.
200 notificações
A Uber Eats impugnou, alegando que o estafeta exercia, à data da fiscalização, a atividade através de empresas locais, pelo que – contrapôs – os termos e condições que regem a relação entre si e a estafeta são os aplicáveis aos parceiros de entregas do parceiro de frota (a firma local), não tendo influência sobre esses termos e condições”.
Na contestação, invocou que houve “preterição do direito de pronúncia”, por no mês de novembro de 2023 ter sido notificada pela ACT de mais de 200 autos de inadequação do vínculo, considerando que “ficou impossibilitada de exercer o contraditório”.
Tese que a Relação não aceitou: “Efetivamente, para além do pagamento (à prestadora da atividade/estafeta) através do intermediário/parceiro de frota, das quantias devidas pelas entregas que aquela efetuou, e da cobrança por este (parceiro de frota) de uma percentagem de 10%, nada mais de relevo se apurou”.
E conclui: “Neste contexto, a existência de um parceiro/intermediário não é relevante para efeitos do afastamento da reconhecida presunção (de contrato de trabalho) consagrada no n.º 1 do art. 12.º-a do CT”.