O Tribunal de Braga decidiu que uma menina de dez anos, de nacionalidade brasileira, tem de regressar “para a terra dela”. Mas não, os juízes não são xenófobos. Aplicaram a lei, no caso a Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, já que a menor veio para Braga sem autorização do pai. Decisão que foi agora confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
“Como os Tribunais da República Federativa do Brasil são os competentes para apreciar um eventual pedido de alteração da regulação das responsabilidades parentais, caso aí se decida que o interesse superior da menor é ficar à guarda e aos cuidados da mãe, com eventual autorização de regresso a Portugal, então sim a recorrente estará legitimada a fazê-lo, o que não sucedeu na presente ocasião”, anotam os magistrados.
O Ministério Público junto do Tribunal de Família e Menores alegara, em 2024, que a criança nasceu no Brasil, país onde os seus pais contraíram matrimónio, o qual foi dissolvido em 2020.
A criança viveu com a mãe até 2024, data em que a progenitora da menor viajou com ela para Portugal e domiciliou-se com a filha na zona de Braga.
Sucede que “o pai da menor apenas autorizou a vinda da filha a Portugal em férias, mas não a sua permanência em Portugal”. E solicitou o seu regresso.
Para o magistrado, “a deslocação e manutenção da criança em Portugal é ilícita porque efetuada em violação do regime do exercício das responsabilidades parentais que se encontrava em vigor relativamente a esta criança. Terminou peticionando o regresso imediato da criança”.
Criança anda na escola
A progenitora deduziu requerimento, em novembro de 2024, onde deu conta de que a criança está matriculada e a frequentar a escola pública. Pedia que não fosse ordenado o seu regresso por este se traduzir num risco para ela. Alegou que “foi vítima de violência doméstica, tendo o progenitor sido alvo de queixas e sido deferidas medidas protetivas de afastamento, que não foram cumpridas, o que lhe valeu uma detenção por desobediência. Foi detido, de novo, por ofensas e ameaças e libertado mediante fiança. Foram-lhe apreendidas armas e, de novo, o tribunal concedeu medidas protetivas a seu favor”.
Dizia, ainda, que “nunca terminaram as ameaças, quer por telefone, quer por mensagem, usando a filha para transmitir as ameaças de morte à mãe, vivendo a criança em pânico e com sucessivas crises de ansiedade, que a obrigaram a recorrer a um psicólogo”.
Acrescentou que “o pai fica meses sem querer estar com a filha e quando o faz é por uns meros 10 minutos e nunca pagou a pensão de alimentos. Consumia cocaína na presença dos filhos. É obcecado por ela, não aceitando o fim da relação e está a usar a filha para a obrigar a regressar ao Brasil”. E – sublinha – teve de recorrer ao Tribunal para obter autorização para expedição do passaporte e para viajar para Portugal. Pediu que fosse proferida decisão de recusa de entrega da menor ao abrigo do artigo 13.º da Convenção de Haia.
Tudo mentira, diz o pai
O progenitor respondeu, alegando que “tudo são mentiras da ex-mulher e que os processos que enumera estão extintos desde 2017 e nada consta no seu comprovativo criminal, que anexou ao processo, e que a filha sempre esteve bem no Brasil, junto do pai e família paterna e materna”. E que a mãe apenas veio para Portugal para se juntar com um novo companheiro. Juntou vídeos e ‘prints’ das redes sociais comprovativos do bom relacionamento com a filha.
No final, o Tribunal de Família e o da Relação deram razão ao pai: “O conceito de risco grave de a criança, no seu regresso, ficar sujeita a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer outro modo, a ficar numa situação intolerável, deve ser entendido como uma verdadeira exceção, utilizada apenas em última instância e não como um mecanismo de recusa automática”.