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O Tribunal de Braga vai julgar a alegada venda fictícia do património imobiliário dos pais do empresário bracarense João Paulo Fernandes, a vítima de rapto e assassínio, um crime cujo julgamento teve esta quinta-feira já as alegações finais, no Tribunal de São João Novo, no Porto.
Os principais arguidos, como os dois irmãos bracarenses Bourbon mais velhos, ambos advogados, agora arguidos irão testemunhar na acção cível em Braga, movida para anular o negócio, que segundo um dos credores dos pais da vítima, terá sido simulado e não real.
A vítima, João Paulo de Araújo Fernandes, de 41 anos, sequestrada à frente da filha, então com oito anos, chegou a testemunhar nesta acção pauliana (de impugnação da venda), em depoimento registado em áudio, confirmando a suposta passagem fictícia de todos os bens imobiliários dos seus pais, no valor de cerca de dois milhões de euros, a “testas-de-ferro”, supostamente a mando do grupo capitaneado por Emanuel Marques Paulino (“Bruxo da Areosa”), através de uma “engenharia jurídica” dos advogados Pedro e Manuel Bourbon.

Na base da acção cível em Braga está um emigrante, que reclama quase um milhão e meio de euros aos pais do empresário da construção civil, devidos a três empréstimos, alegando que ainda nada terá recebido e a garantia do bom cumprimento do contrato de mútuo são 12 imóveis que restam de muitos bens, na posse de gente ligada ao “Bruxo da Areosa”, a Pedro e a Manuel Bourbon, até serem arrestados preventivamente pelo Tribunal de Braga.
O julgamento decorrerá no Palácio da Justiça de Braga com peritos que avaliaram todo o património imobiliário de Fernando Martins Fernandes, incluindo-se os imóveis que Pedro Bourbon teria vendido à revelia do dono da Fernando M Fernandes, então numa fase adiantada de insolvência, que terá assim precipitado os três empréstimos, pois estaria convencido poder manter a empresa em pé enquanto durasse a crise que afectava o sector.
A disputa do património imobiliário, que terá originado o sequestro e assassínio de João Paulo Fernandes, passou também por esta ação cível, desde logo porque o depoimento da vítima terá sido decisivo para convencer o Tribunal de Braga a arrestar logo os 12 imóveis com receio que o património fosse delapidado antes de decidir a causa neste julgamento.
A tese do empresário Vítor Fernando Martins Pereira, de Viana do Castelo, mas que está emigrado em França, é terem os pais da vítima, Fernando e Maria das Dores Fernandes, já depois dos empréstimos, promovido uma venda fictícia de quase duas dezenas de bens imóveis, alegadamente só para fugirem da ação coerciva dos credores das suas empresas.

Tudo começou com a crise
Tudo começou com a crise na construção civil que em finais da década de 2000 rebentou em todo o país e teve o epicentro em Braga, com alegados empréstimos no total de um milhão e 300 mil euros, que terá contraído junto de Vítor Pereira, mas mesmo assim no ano de 2010 as empresas dos construtores minhotos deviam 300 mil euros a trabalhadores e fornecedores. Segundo documento apresentado em Tribunal, o casal comprometeu-se a pagar 400 mil euros em 2009, idêntica quantia em 2010 e 500 mil euros em 2011.
Em troca do total de um milhão e 300 mil euros emprestados, ficou combinado o juro de cinco por cento ao ano, mas face a sucessivos incumprimentos, o emigrante Vítor Pereira constatou que afinal já não teria quaisquer garantias, porque o património imobiliário que sustentava o contrato de mútuo tinha desaparecido de um dia para o outro. Através do seu advogado, João Tinoco de Faria, o emigrante conseguiu arrestar os 12 imóveis, entretanto na posse de dois homens de confiança do “Bruxo da Areosa”: Luís Filipe Monteiro, o seu cunhado e colaborador, além de Nuno José da Rocha Ferreira, também da zona da Areosa, este último um seu ex-funcionário e agora testemunha nos processos do Porto e de Braga.
Uma outra testemunha na acção pauliana, em Braga, será o advogado gaiense Nuno Pinto Lourenço, um dos nove arguidos do julgamento, no Tribunal de São João Novo, acusado de colaborar com os executores dos crimes ao supostamente ajudar a falsificar matrículas, aquando dos incêndios de dois dos quatro Mercedes furtados para consumar o sequestro.
Acção pauliana antes dos crimes
A acção foi aceite como tal no Tribunal Cível de Braga cinco meses antes dos crimes de rapto e homicídio que vitimaram João Paulo Fernandes.
A 17 de Outubro de 2015, ao fim de dois anos do arresto preventivo dos imensos bens imóveis dos pais da vítima, os suspeitos terão constatado que afinal até poderiam ficar definitivamente sem o património imobiliário do casal de septuagenários Fernandes, que estava avaliado em cerca de dois milhões de euros.
Esta circunstância poderá ter sido decisiva para avançar no sentido de eliminar mesmo o empresário da construção civil que tinha sido já sócio de Emanuel Marques Paulino, o “Bruxo da Areosa”, na sua empresa de Braga, a Climalit, além de cliente e amigo do advogado Pedro Grancho Bourbon, à data o secretário-geral e o número dois do Partido Democrático Republicano, liderado pelo eurodeputado António Marinho e Pinto.
Caso arquivado duas vezes
Ao contrário do que tinha sido proposto formalmente pela Polícia Judiciária de Braga, o caso das alegadas burlas contra os pais do empresário raptado e morto, atribuídas então a Pedro Grancho Bourbon e ao seu compadre “Bruxo da Areosa”, foi arquivado por duas vezes, primeiro, pelo Ministério Público, depois já pela juíza de instrução criminal.
Um mês e meio depois da ação pauliana ter sido deferida, a 4 de Dezembro de 2015, a juíza de instrução criminal de Braga não pronunciou nenhum dos arguidos à cabeça dos quais estava o advogado bracarense Pedro Grancho Bourbon.
Nesse processo criminal o “Bruxo da Areosa” ainda não era arguido, tendo a magistrada concordado assim com o despacho do arquivamento proferido pelo Ministério Público a 27 de Junho de 2015, porque ambos os magistrados entenderam que os pais da vítima não foram enganados, logo não haveria burla, uma vez que os próprios terão aceite o esquema para fugirem aos credores, defraudando assim as expectativas de quem ainda tem créditos.
Património imobiliário arrestado
Em finais de 2013, o ano em que foram vendidos pela Monahome (a empresa-cofre comprada por Pedro Grancho Bourbon para esconder o património imobiliário dos pais da vítima) três dos imóveis dos pais da vítima, o Tribunal Cível de Braga arrestou todo o património imobiliário dos pais da vítima.
Um empreiteiro emigrado em França, Vítor Pereira, moveu um arresto preventivo a 12 dos 15 imóveis ainda na posse da Monahome para garantir um bom cumprimento do empréstimo no total de um milhão e 300 mil euros, um arresto decidido pela juíza, sem serem previamente notificados os visados já depois de ouvir João Paulo Fernandes, em depoimento gravado em áudio, que consta no processo da acção pauliana.
Vendas à socapa
Os três imóveis que se suspeitava terem sido vendidos pelo grupo dos irmãos Bourbon e do “Bruxo da Areosa” são um apartamento T4 duplex em Santa Tecla (Braga), uma casa em Palmeira (Braga) e um terreno para pavilhão em Frossos (Braga).
O primeiro a ser vendido, a 3 de maio de 2013, foi o prédio urbano, em Frossos, por 229 mil euros, quando valeria 400 mil.
A 17 de maio de 2013 foi a vez de alinearem um outro prédio urbano, este em Palmeira, por 37 mil euros, mas que estaria avaliado em 100 mil.
A 23 de agosto de 2013 foi vendido um apartamento duplex em Santa Tecla, freguesia de São Vítor, em Braga, por 125 mil euros, quando afinal valeira o dobro.
O património imobiliário dos pais da vítima era constituído por 18 imóveis, 13 dos quais em Braga, no valor global de cerca de dois milhões de euros, mas com as referidas três vendas terão sido encaixados 391 euros, quando o valor de mercado seria de 750 mil euros, isto é, “perderam-se” 359 mil euros.
Caixa de uísque com 20 mil euros
Uma das três vendas de imóveis foram pagas parcialmente a dinheiro, não tendo sido declaradas, com 20 mil euros escondidos numa caixa de uísque, entregues no escritório do advogado bracarense Pedro Grancho Bourbon.
As vendas dos imóveis terão contado sempre com a intervenção de “testas-de-ferro”, ou funcionários do “Bruxo da Areosa”, no Porto, ou amigos dos irmãos Bourbon, em Braga.