Vídeo: YouTube (2019)
No domingo de Páscoa, em Fontão, Ponte de Lima, mais de 500 convivas reunir-se-iam em longas mesas onde abundariam os filetes, o cabrito, a vitela e a doçaria tradicional, num almoço providenciado pelo Mordomo da Cruz, Norberto Fernandes. Só que nada disso vai acontecer este ano.
A pandemia de covid-19 e as consequentes medidas de contenção da propagação do vírus impostas pelo Governo levaram, naturalmente, ao cancelamento de uma das mais conhecidas festas de Páscoa. Terá sido a primeira vez que esta tradição, tão enraizada na cultura limiana cujo início é indocumentável, não se realizou. “Segundo consta, não há memória de alguma vez ter sido cancelada, nem na altura da gripe espanhola, em 1918”, nota, em conversa com O MINHO, Norberto Fernandes.
“Foi tudo cancelado. Faremos para o ano, se tudo correr bem”, acrescenta o Mordomo da Cruz, que recebeu na Páscoa do ano passado o testemunho do seu irmão Orlando. Como este ano não se realiza a festa, Norberto Fernandes adianta que será ele novamente o Mordodo da Cruz em 2021: “É 99,9% certo, se Deus quiser”.
Mordomo é escolhido todos os anos
Todos os anos, o Mordomo da Cruz oferece o almoço, no domingo, à população e, nesse mesmo repasto, escolhe o seu sucessor. O anúncio da seleção também cumpre um ritual: a mulher do anfitrião deposita o ramo da cruz nas mãos do eleito. São também escolhidos os dois Mordomos do Senhor, que acompanham o ‘principal’ (este ano, são o Paulo e o Carlos). E, além de dar de comer a quase toda a freguesia, o mordomo tem ainda que, durante um ano, assegurar a limpeza da igreja e os serviços do sacristão.
Tradicionalmente, na segunda-feira de Páscoa, o compasso volta a percorrer a freguesia, o almoço é “mais curto” e o regresso faz-se já de noite com os mordomos, na reta final, a serem levados em ombros pelos jovens da freguesia até à igreja.
Era isto tudo que iria acontecer, como sempre, não fosse a normalidade dos nossos dias ter sido terraplanada pela pandemia de covid-19.
Já havia quem tivesse comprado bilhetes de avião
Norberto Fernandes, 62 anos, carpinteiro, que já há 33 anos havia sido Mordomo do Senhor, não esconde a desilusão. A da comunidade, em geral, e a sua, em particular: “Há desilusão, mas são coisas que nos ultrapassam. Para nós, custou bastante, porque tínhamos tudo organizadinho para que desse certo. Íamos colocar a tenda [onde é servido o almoço] 15 dias antes para que se fizesse lá a montagem do ramo, no sábado de ramos. (…) Fazia cinquenta anos que foi o meu sogro [o mordomo] e eu fazia todo o gosto em fazer este ano, mas o chefe lá em cima não quis que a gente fizesse, pronto”.
O mordomo conta, também, a O MINHO que “já havia gente de fora que tinha adquirido o bilhete de avião” para participar no almoço.
Já ao nível da organização, toda a logística estava preparada, mas ainda “deu para cancelar, a tenda, o aluguer das louças, tudo isso”, pelo que não houve prejuízos de maior. Mesmo assim, “há sempre uns gastos, mas fica para o ano”, acrescenta.
A tradição será retomada em 2021. Se “o chefe lá em cima” deixar.
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da Covid-19, já infetou mais de 1,3 milhões de pessoas em todo o mundo, das quais mais de 75 mil morreram. Dos casos de infeção, cerca de 290 mil são considerados curados.
Depois de surgir na China, em dezembro, o surto espalhou-se por todo o mundo, o que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar uma situação de pandemia.
O continente europeu, com cerca de 708 mil infetados e mais de 55 mil mortos, é aquele onde se regista o maior número de casos, e a Itália é o país do mundo com mais vítimas mortais, contabilizando 16.523 óbitos em 132.547 casos confirmados até segunda-feira.
Em Portugal, segundo o balanço feito hoje pela Direção-Geral da Saúde, registaram-se 345 mortes e 12.442 casos de infeções confirmadas.