Trabalhadoras ‘trans’ do sexo em Braga e no Porto ficaram mais expostas a violência na pandemia

Estudo da UMinho

A pandemia de covid-19 expôs mulheres trans trabalhadoras do sexo no Norte a mais episódios de violência e riscos de contágio para não ficarem sem rendimentos, concluiu um estudo da Universidade do Minho, em Braga.

“Elas tiveram que optar: ou colocavam a sua saúde em risco, ou ficavam sem rendimentos”, alertou à Lusa Diana Silva, autora de uma dissertação de mestrado em sociologia.

A tese, intitulada “Mulheres Trans: trajetos de vida, estigma e luta como trabalhadoras sexuais no norte de Portugal”, reúne 11 testemunhos de pessoas dos distritos de Braga e do Porto que partilharam a sua experiência com o trabalho sexual durante a pandemia.

Estas mulheres, explicou a investigadora, viram-se obrigadas a “sujeitar-se” a este risco por não exercerem uma profissão regulamentada – o que as deixou “desprotegidas” e “esquecidas”, ao não beneficiarem dos modelos de proteção do Estado.

Para além dos riscos de contágio numa profissão em que o contacto físico é um requisito, os relatos expõem ainda um aumento do número de situações de violência verbal e física de clientes contra estas trabalhadoras.

A investigadora recolheu, junto das participantes, testemunhos que mostraram que esta violência era o reflexo da “falta de paciência e até de compreensão” dos clientes, provocado pela fadiga pandémica.

“Tenho relatos de participantes que sempre negaram ter relações sexuais desprotegidas com os seus clientes e eram muitas vezes insultadas por isso, assim como tenho relatos de amigas destas participantes que, quando recusavam presencialmente ter sexo desprotegido, eram vítimas de violência física”, acrescentou.

As participantes mencionaram também que durante o período pandémico aumentaram os pedidos de sexo desprotegido e as tentativas de negociar os preços dos serviços, já que muitos dos clientes viram os seus vencimentos reduzidos.

Quem não escolheu arriscar ficar “por sua conta e risco” optou por cessar atividade, uma solução se revelou inadequada com o tempo, já que se viram obrigadas a regressar pouco depois por não terem sustento.

A aposta na prestação de serviços ‘online’ também aumentou, indica o trabalho de investigação defendido já este mês.

A pandemia e consequente encerramento de vários estabelecimentos que estas mulheres frequentam e onde, por vezes, trabalham, fizeram também com quem estas se sentissem “mais sozinhas e mais marginalizadas”, assegurou Diana Silva.

“Um dos clubes de ‘swing’ [prática sexual em que dois ou mais casais trocam de parceiros] que as minhas participantes frequentavam fechou durante a pandemia, e estas deixaram de ter este local de convivência e de partilha com os seus pares. Só aí, sentiram-se logo mais desprotegidas”, partilhou.

O estudo concluiu que a pandemia veio juntar mais um problema “a uma bola de dificuldades” com as quais esta comunidade se depara, “acentuando-as e não lhes dando solução em nenhum momento”.

A propósito do Dia da Memória Trans, que se celebra no domingo, a investigadora salientou a falta de estudos representativos sobre esta comunidade em Portugal, que considerou estar “esquecida e não representada” na academia.

“Foi muito fácil para mim encontrar estudos sobre mulheres cisgénero, mas no que toca ao trabalho sexual de mulheres trans, eram poucos os autores e investigadores deste tema, especialmente em Portugal”, lamentou Diana Silva.

Em relação à falta da visibilidade desta comunidade, lembrou que estas mulheres são “tão esquecidas e negligenciadas” que se mostraram muito disponíveis para partilhar as suas experiências com uma académica para combater esta situação.

“Qualquer visibilidade que elas possam ter para existir alguma mudança, por mais pequena que seja, na sua vida, para elas já é uma grande coisa”, afirmou.

 
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