As oitenta reses de gado bovino alinharam-se, na manhã desta terça-feira, depois da missa na basílica, no terreiro de São Torcato, para receber a benção do padre José Manuel Lopes, este ano ladeado pelo presidente da Assembleia da República (AR), Augusto Santos Silva, além dos habituais, presidente da Câmara, Domingos Bragança e presidente da Junta de Freguesia, Alberto Martins. Depois do momento religioso, o júri apreciou os animais que se encontravam a concurso. São Paio, um touro com quatro anos, de raça minhota, arrebatou facilmente o prémio na sua categoria.
O bicho chama a atenção ao longe, pelo tamanho imenso, o porte majestoso e pelo brilho do pelo que denuncia a saúde do animal. José Ribeiro, natural de Silvares, é o orgulhoso proprietário do touro campeão. Enquanto espera pela passagem do padre que o há-de benzer, conta que até há algum tempo nem sabia o nome do animal. “Quando o comprei, novito, não me disseram que já tinha nome. Até que, há uns tempos, numa feira, ouvi uns mocitos a chamar, ‘São Paio, São Paio, olha ali o São Paio”, e o touro olhava. Vim a saber que eram os primeiros donos e que era assim que lhe chamavam”.
São Paio é tratado como um cruzamento entre um atleta e uma estrela de rock e agradece com doçura e mansidão. “É um animal muito mansinho. Qualquer pessoa o consegue manejar. As crianças podem aproximar-se que ele não faz mal”, assegura o dono. O aspeto, ainda assim, é impressionante. José Ribeiro tem 1,70 metros e, quando se coloca ao lado do touro, percebe-se que este é mais alto do que ele. “Tenho que ter cuidado com a alimentação para que não fique muito pesado. Há alguns animais que são enormes mas, não se mexem, começam a arrear com o peso. Este move-se bem. Um touro para ganhar concursos tem que ser grande mas, também tem que ter apresentação e se vier para aqui todo derreado, não tem jeito nenhum. São como umas misses”, diz José Ribeiro. Recentemente, ofereceram-lhe cinco mil euros pelo São Paio, mas José Ribeiro diz que ainda não está preparado para o vender.
Ronaldo e Messi não compareceram
Outro criador de estrelas é António Oliveira, com exploração em Brito. Habitualmente, apresenta-se nestes certames com a impressionante parelha de bois minhotos “Ronaldo e Messi”, cada um deles com 1.800 quilos. “Desta vez ficaram em casa. A festa aqui é num dia de semana e há menos gente para ajudar”, explica o lavrador. Os campeões cederam o jugo, uma bela peça trabalhada em madeira, com a imagem de D. Afonso Henriques, aos mais novos. A junta de animais com dois anos não decepcionou o criador que levou para Brito o primeiro prémio na categoria e ficou com a garantia que tem o futuro assegurado, quando os “jogadores de futebol” se retirarem.
António Martins vem de São Lourenço de Selho e também não trouxe os animais maiores. “Estes precisam de aprender”, afirma, apontando para a junta de bois barrosões que o único dos seus cinco filhos que o acompanha perfila para receber a benção. “Estes animais sabem trabalhar, se não fosse assim nem aceitavam que lhes metessemos o jugo. É preciso dar uma voltinha com eles, ensiná-los”, explica o criador. “Isto antigamente metia mais animais, agora, a gente nova já não quer. Os meus filhos e os meus netos estão quase todos ligados ao futebol, este é o único que tem esta paixão”, diz, apontando para o homem que chama os bois.
Depois dos dias de glória, todos estes animais acabam no talho. “São levados para a corte, para ganhar uns quilinhos e são vendidos mas, entretanto, tem uma vida boa”, aponta um criador, enquanto espera para cumprimentar o presidente da AR, que veio a São Torcato recordar os seus tempos de estudante de doutoramento. Augusto Santos Silva esteve durante algum tempo na vila, nos anos 80, a recolher dados para a sua tese “Tempos Cruzados: um estudo interpretativo da cultura popular”. Dirigindo-se aos presentes, do escadório do santuário, o presidente da AR lembrou São Torcato como “um extraordinário laboratório de grande riqueza”, um lugar onde encontrou “agricultura, dois ranchos folclóricos, pecuária, indústria, serviços e até uma galeria de arte contemporânea”.
O nome da Feira dos 27, instituída em 1693, tem a ver com a lenda do martírio de São Torcato e dos seus 27 acompanhantes e, desde fevereiro de 2020, também coincide com a data de elevação do santuário ao estatuto de basílica. Para Paulo Novais, juiz da Irmandade de São Torcato, este foi um ano especial, não só pela visita do presidente da AR, mas também, porque se comemoram os 750 anos da primeira referência escrita à existência da Irmandade e porque se assinalam os 850 anos da Carta de Couto, documento que define o território de São Torcato de então.