Rui Manuel Marinho Rodrigues Maia
Licenciado em História, Mestre em Património e Turismo Cultural pela UMinho – Investigador em Património Industrial
No último quartel de Oitocentos a cidade de Paris encontrava-se às portas de mais uma Exposição Universal que colocava a França debaixo dos holofotes mundiais. A humanidade encontrava-se num tempo efervescente, pejado de audácia que, todavia, tinha um preço. Em 1886 o Estado francês lançou um concurso para que fosse erguida uma torre de ferro com 300 metros para a Exposição Universal de Paris de 1889, indo de encontro ao projeto de Eiffel que, antes do lançamento do referido concurso, havia percorrido um caminho meticuloso pelos bastidores do poder político, permitindo-lhe garantir que a sua ideia venceria (tinha convencido o Ministro do Comércio, Édouard Lockroy, responsável pelo concurso, a aprovar o seu projeto), pelo que todo o processo não passou de um embuste. A Exposição Universal de Paris de 1889 marcava o Centenário da Revolução Francesa (1789), efeméride sobremaneira importante. A ideia primitiva de construir uma torre de 300 metros em ferro não foi de Gustave Eiffel e sim de dois engenheiros que trabalhavam para a sua empresa – Maurice Koechlin e Émile Nouguier. Todavia, o projeto dos dois engenheiros pendia para uma espécie de pilar, ou poste, de grandes dimensões, sem contemplar uma alma capaz de atrair a atenção e o deleite de quem o vislumbrasse, urgindo por isso dotá-lo de carisma. O projeto final da torre seria afinado pelo chefe do gabinete de arquitetura da empresa, Stephen Sauvestre, que o aprimorou com arcos decorativos na base da torre, um pavilhão em vidro no primeiro patamar, entre muitos outros melhoramentos que fizeram do projeto um verdadeiro hino à Arte Nova. Após todas essas melhorias Eiffel adquiriu os direitos de autor, cunhando o seu nome na mais desafiante Obra de Arte do século XIX – um rendilhado colossal de ferro que desafia os tempos e a imaginação.
O Estado francês com o apoio do Crédit Industriel et Commercial comprometeu-se financiar a obra em cerca de 1.5 milhões de francos distribuídos por fases à medida que os trabalhos avançassem. Em maio de 1887 arrancava a execução das fundações onde iriam assentar os quatro pés da torre, sendo que para a execução de dois deles se encontraram as primeiras dificuldades devido à permeabilidade dos terrenos, muito próximos da margem do rio Sena, o que obrigou a empregar técnicas pioneiras, como a utilização de câmaras de ar comprimido, acelerando o processo construtivo. Eiffel tinha prazos a cumprir que o colocavam sob grande pressão, não fosse a Torre Eiffel uma obra de Arte verdadeiramente audaciosa e megalómana. As peças que viriam a constituir a futura torre foram fabricadas na fábrica de Levallois-Perret, nos subúrbios de Paris, e dali foram transportadas por equídeos até ao Campo de Marte. Em março de 1888 uniam-se os quatro pés da torre com o auxílio de macacos hidráulicos e caixas de areia que permitiram operar as correções necessárias.
A dada altura Eiffel viu-se a braços com problemas financeiros uma vez que o avanço dos trabalhos exigia o dispêndio de mais verbas do que aquelas que estavam previstas inicialmente. A situação de tal ordem comprometedora levou Eiffel a cruzar-se com Ferdinand de Lesseps – um francês que executou a abertura do Canal do Suez (1859-1869). O sonho de construir um Canal similar no Panamá remonta ao século XI, pelo que em 1534 o Rei Carlos V de Espanha ordenou um estudo para projetar uma via marítima que cortasse o Istmo – unindo o Atlântico com o Pacifico – tratava-se de um sonho antigo que fazia antever enormes dificuldades. Ferdinand de Lesseps vendia a ideia dessa possibilidade e, assim, num ambiente impregnado de pura confiança num homem que obtivera o seu reconhecimento mundial pela abertura do Canal do Suez, de sonho rapidamente passou a realidade. No primeiro dia de janeiro de 1880 arrancaram as obras sob a égide da Companhia Universal do Canal do Panamá. Porém, Ferdinand cometera um erro crasso – não ponderou o clima e a adversidade da geografia do Panamá face ao Suez – onde tudo foi mais facilitado, agremiando-se a tal desgraça as doenças tropicais, como a malária ou a febre amarela, que dizimaram inúmeros trabalhadores. E, como se isso não bastasse, Ferdinand encontrava-se num ponto muito próximo da banca rota, podendo arrastar com ele os milhares de investidores – acionistas franceses – que apostaram as suas poupanças no projeto. “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura” reza o ditado. Contudo, neste caso o velho adágio rendeu-se e com ele Ferdinand, que não encontrou outra solução que não a de se socorrer do Mago do Ferro – Gustave Eiffel – solicitando-lhe o projeto e o fabrico de uma dúzia de comportas de ferro (para as eclusas) a única forma de vencer a rusticidade da região e unir os dois Oceanos. Neste cenário em que Ferdinand se deparava com o fracasso do projeto e em que Eiffel precisava de forma urgente de verbas para financiar o avanço dos trabalhos na sua torre de ferro, nada melhor do que a proposta que Eiffel fez a Ferdinand, aceitando o desafio para fabricar uma dúzia de comportas, a troco de uns modestos 70 milhões de francos – uma verdadeira fortuna! Gustave Eiffel esfregava as mãos, estando a execução do seu projeto garantida, sem depender mais do Estado francês. A obra estrutural da torre foi concluída no final de março de 1889, tendo sido visitada por alguns elementos do Governo e da Imprensa.
Apesar de tudo à data da inauguração os elevadores da torre não ficaram operacionais, o que não impediu a afluência de magotes de pessoas que se atropelavam para subir a torre e admirar a magnifica paisagem parisiense, nunca antes vislumbrada de forma tão vitoriosa. Ao todo, antes da inauguração dos elevadores, cerca de 30.000 pessoas subiram os impressionantes 1.665 degraus até alcançar o topo, onde foi içada uma bandeira francesa de grande escala. Ao todo a construção da torre demorou dois anos dois meses e cinco dias.
Gustave Eiffel colhia assim a admiração de toda a sua pátria e até mesmo aqueles que antes olharam com desdém para o seu projeto devem ter sentido um formigueiro na barriga, tal era o sucesso da torre, cujas notícias corriam o mundo atento às inovações Eifelianas. No total para erguer a torre foram empregues cerca de 18.038 peças, unidas por rebites – nenhuma delas foi alterada em estaleiro – se porventura apresentasse defeito regressava à fábrica para reajuste. Apesar da Obra de Arte ter sido construída por mais de uma centena de operários apenas ocorreu uma morte, devendo-se tal proeza às preocupações de Eiffel com a segurança, tendo recorrido a resguardos móveis. Mas, nem tudo são flores. Os acontecimentos que irradiavam luz sobre a vida do Mago do Ferro rapidamente se transformaram num breu, no gládio entre o amor e o ódio. Em 1889 estalou um escândalo financeiro motivado por manobras fraudulentas que levaram a empresa de Ferdinand ao colapso, resultando na interrupção das escavações, quando já estavam executados 33 km de obras. A obra faraónica parecia padecer de uma maldição, não tivessem morrido na primeira fase cerca de 22.000 trabalhadores devido a frequentes deslizamentos de terras, explosões acidentais de dinamite e as malogradas enfermidades tropicais. Eiffel que beneficiou de alguns milhões da empresa de Ferdiand viu o seu nome associado a um processo que arruinou milhares de franceses que perderam todas as suas poupanças – contrastando com a sorte do Mago do Ferro – que com esse dinheiro terminou a sua torre de 300 metros e ainda amealhou algum dinheiro. A desgraça dos outros determinou a sua sorte, sem que, todavia, Eiffel tivesse culpa. Mas como a culpa não pode morrer solteira Eiffel serviu de bode expiatório, pelo que o vexame foi de tal ordem que ele se viu a braços com a justiça francesa, tendo sido condenado a pagar 20.000 francos e a uma pena de prisão de dois anos pelo uso abusivo de fundos. Porém, Eiffel apresentou um recurso, acabando por ser absolvido. O escândalo ditou o afastamento de Eiffel da sua própria empresa, tendo inclusive perdido a denominação “Eiffel”, passando a designar-se “La Société Constructions Levallois-Perret” – em 1937 a empresa adotou a designação de “Anciens Etablissements Eiffel”.
A Torre Eiffel estava destinada a ser destruída em 1910, altura essa em que os direitos de exploração deixavam de pertencer ao construtor e empresário. Urgia encontrar formas de atribuir à Torre Eiffel um papel importante para a França que a fizesse perdurar no tempo. O pioneirismo da rádio e das primeiras emissões em França a partir da torre de ferro (1898) contribuíram para a sua longevidade, bem como o facto de a torre ser alvo de experiências meteorológicas (1890), militares e muitas outras – dando azo a que a concessão fosse alargada até 1926. A Citroen instalou na torre um anúncio gigante da marca que se manteve até meados dos anos 1930 – em 1935 ocorreu a primeira emissão de televisão a partir da torre – em 1964 a Torre Eiffel foi classificada como Monumento Histórico – em 1979, no final do ano, terminou a concessão à família Eiffel – passando a Torre Eiffel a estar sob a tutela e administração do município parisiense.
O Mago do Ferro que criou o gigante de ferro que pesa cerca de 7.000 toneladas dedicou os últimos anos da sua vida a experiências científicas, sobretudo a aerodinâmica, tendo desempenhado um papel vital para o seu aprimoramento e desenvolvimento da aviação.
Gustave Eiffel finou-se em Paris aos 27 dias de dezembro de 1923, apagando-se da face da Terra uma estrela, cujo brilho promete irradiar pela eternidade.
Quanto ao malogrado Ferdinand e o Canal do Panamá, resta relembrar que pouco tempo depois foi constituída a empresa “Companhia Nova do Canal do Panamá”, cuja missão passava por terminar a obra. Em 1903 os Estados Unidos compraram os direitos da empresa francesa com o intuito de beneficiar dessa via interoceânica, tendo concluído o projeto passados cerca de dez anos. Naquela época a mistura entre a política e os interesses particulares era frequente – tal como hodiernamente. O Panamá que até então não passava de uma província quase desconhecida do extremo Norte da Colômbia ganhou a sua independência debaixo das asas de Washington, iniciando o seu estatuto de República, transformando-se numa plataforma estratégica para os Estados Unidos da América. E, como a Terra é redonda, tudo tende a ligar-se entre si, ainda que pensemos o contrário. O amor, o ódio, a sorte e a desventura são pêndulos que, em sincronia, marcam os tempos… do passado e do porvir.