- Anúncio -
Rui Manuel Marinho Rodrigues Maia – Licenciado em História, Mestre em Património e Turismo Cultural, pela Universidade do Minho / Investigador em Património Industrial
Estávamos em meados de Oitocentos – a inauguração da primeira Linha ferroviária em Portugal tornara-se uma realidade (1856) – ligando Lisboa ao Carregado. Toda uma força motriz parecia absorver os recursos de um país que adotara políticas regeneradoras, capazes de demover a Nação do seu brutal atraso económico e social – eram os Caminhos de Ferro no seu apogeu – que, desde então, seguiam a todo o gás a fim de alcançar o maior número de localidades possíveis. Todos, ou quase todos, queriam os Cavalos de Ferro a colorir os céus das suas terras com o fumo negro, emanado pelas locomotivas nervosas a carvão, carregando no ventre os auspícios do progresso. A Linha do Norte chegava à cidade do Porto vinda de Lisboa, porém, era preciso transpor o rio Douro com a sua enorme garganta. O desafio deixava as mentes mais atrevidas a matutar numa possível solução.
Um vianense tem a solução
O vianense, Manuel Afonso de Espregueira – Diretor Geral da Companhia Real dos Caminhos de Ferro – solucionou o problema do atravessamento pela Linha do Norte. O êxito de tal empreendimento ficou a dever-se também a Pedro Inácio Lopes, que contribui para que o atravessamento ocorresse defronte do antigo Seminário, bem como pela elaboração do respetivo anteprojeto. E, como não poderia deixar de ser, Alexandre Gustave Eiffel, o “mágico do ferro”, sobejamente conhecido pela sua Torre de 300 metros (1889), no Campo de Marte em Paris, entrava em ação. Mas, afinal que milagre foi esse que permitiu tal proeza? A Ponte Maria Pia. Nem mais, ela é um verdadeiro altar da engenharia! Assim se solucionou a difícil travessia do rio Douro através de um verdadeiro rendilhado de ferro – com um arco que à época era o maior do mundo – realizando a travessia de forma imponente, firme e elegante. Estávamos em 1877 quando na cerimónia de inauguração se erguiam efusivos “vivas” à magnifica Ponte Maria Pia, batizada com o nome de Sua Majestade, a Rainha, tida como “Anjo da Caridade”. Além de ser uma belíssima Obra de Arte da engenharia do século XIX, permitiu uma enorme poupança de recursos na sua construção, devido às suas características técnicas, bem como na forma como foi concebida para lidar com os efeitos do vento e, por fim, pelo seu magnifico arco metálico que, mais que tudo, representava uma verdadeira inovação.
Eiffel inspirou-se na ponte Maria Pia
Aliás, devemos recordar que Gustave Eiffel se inspirou no arco da Ponte Maria Pia para desenhar um dos maiores viadutos jamais construídos na França – o Viaduto de Garabit – atravessando o Truyère (1882-1884). Ora, tentando chegar ao fim da Linha, como quem diz – ao fim da História – afinal que sombra foi essa que Eiffel projetou sob Théophile Seyrig e, quem era esse Seyrig? Ora, Théophile Seyrig era um engenheiro alemão que a dada altura se associou a Gustave Eiffel (1869) dando origem à firma Eiffel & Cie. A Ponte Maria Pia, em particular, é atribuída a Eiffel, e nem tanto a outros intervenientes ou colaboradores de Eiffel, como era o caso de Seyrig que, em boa verdade, foi quem idealizou a peça-chave de toda essa fabulosa Obra de Arte: o enorme arco de ferro. Não obstante, a Ponte Maria Pia merecer que se evoquem todos e todas quantos contribuíram para lhe dar corpo – desde a pequena pedra, passando pelo rebite mais insignificante – a verdade é que nem sempre isso sucede. O estrelato é tantas vezes dado a muitos que, apesar de o merecerem sobremaneira, não estiveram sós. Daí, muito do nosso património industrial ser conotado de forma parcial com os seus autores, ou, até mesmo erradamente com determinadas figuras mais mediáticas, incorrendo-se muitas vezes em meias verdades ou até em inverdades.
Seyrig e o mérito da Ponte
O facto de Eiffel ser considerado, grosso modo, como “pai” da velha Ponte Maria Pia, a verdade é que ela será mais uma invenção de Seyrig, até porque o famoso arco foi Seyrig quem o projetou. Esse ofuscamento que recaiu sob Théophile Seyrig compreende-se pelo facto de ter sido Eiffel o Diretor do projeto, por Eiffel ter estado presente na inauguração da travessia (dando a cara pelo empreendimento) e, também, pelo facto de na denominação da empresa construtora constar o seu nome. Além disso, Seyrig abandonou a Sociedade com Eiffel em junho de 1881 – poucos anos após a inauguração da Ponte Maria Pia – associando-se posteriormente a uma empresa concorrente de Eiffel – a Sociètè de Construction de Willebroeck, oriunda da Bélgica. Além disso, quando foi realizado o concurso para construir a nova travessia do rio Douro – a Ponte Luís I (inaugurada em 1886) – a empresa belga para a qual Seyrig passou a trabalhar venceu-o de forma cabal, relegando para as calendas gregas quer a empresa de Eiffel quer outras concorrentes, demonstrando o quanto era arrojada nos seus trabalhos.
Théophile Seyrig nasceu em Berlim aos 19 de fevereiro de 1843 e faleceu em França aos 5 de julho de 1923 – foi um engenheiro que, tal como Eiffel, se formou na Ecole Centrale des Arts et Manufactures de Paris.