Submarino português fez história e navegou debaixo de gelo na Gronelândia

Foto: Marinha

Em missão de patrulha de 22 dias ao serviço da NATO, na “Operação BRILLIANT SHIELD”, o NRP Arpão, submarino português, atracou no porto de Nuuk, na Gronelândia, onde fez história ao navegar debaixo da placa de gelo Ártico, adiantou hoje a Marinha em comunicado enviado a O MINHO.

A embarcação, revela a Marinha, foi recebida por algumas dezenas de pessoas no cais, que se encontravam bastante curiosas com a chegada de um submarino a um lugar tão recôndito como a Gronelândia.

“Embora as paragens nos portos tenham como objetivo primário a logística, também são aproveitadas para o descanso das guarnições. Porém desta vez foi ligeiramente diferente, o navio ia iniciar uma das suas maiores aventuras até à data”, prossegue o comunicado.

Segundo a Marinha, para que fosse possível cumprir com o desígnio, de navegar debaixo do gelo, foi necessário um intenso período de preparação e estudo, em que a guarnição quase que teve que “reaprender” a operar o navio, uma vez que a navegação submarina nas altas latitudes apresenta condições ambientais, sonoras e perigos à navegação, como a existência de Icebergs e gelo solto obrigando assim a adaptar muitos dos normais procedimentos e técnicas normalmente usadas pelos submarinos, quando a navegar em latitudes mais baixas.

Em paralelo ao estudo e preparação da missão, o navio passou por um processo de manutenção que embora normal, foi adaptado para fazer face às especificidades da missão, nomeadamente a instalação de uma proteção na torre para os mastros ou a instalação de um sonar de alta frequência na torre do submarino.

“Importa relembrar que no ano 2023 o Arpão navegou 212 dias, atravessou o Atlântico duas vezes, esteve presente em sítios tão longínquos como o Rio de Janeiro, no Brasil e a Cidade do Cabo, na África do Sul, e ainda terminou o ano operacional com uma patrulha no Mediterrâneo”, recorda a Marinha.

“Os processos de manutenção e treino são os dois principais fatores que permitem a condução das operações em segurança e com sucesso”, assegura.

Segundo a Marinha, “foi com o sentimento de lição bem estudada e de navio pronto que o NRP Arpão largou da Base Naval de Lisboa no dia 03 de abril”.

“Os quase sete meses de preparação culminaram num conjunto de alterações significativas quer aos procedimentos normais, por exemplo vindas à cota periscópica sem seguimento, de forma a minimizar possíveis danos no caso de um contacto inesperado com algum bloco de gelo, quer na organização de bordo para conseguir maximizar a operação de todos os sensores. Durante a primeira patrulha da Operação BRILLIANT SHIELD foi possível treinar, testar e validar a funcionalidade dos novos procedimentos e das alterações efetuadas”, refere.

A úlima fase de aprontamento da missão começou com o navio atracado no porto de Nuuk. Ao nível logístico, uma vez que o navio vinha de 22 dias de mar, foi necessário reabastecer o navio de combustível e géneros alimentares. Em termos operacionais, observando as últimas Cartas de Gelo, com o registo das mais recentes movimentações da placa de gelo, e já com a presença dos Ice Pilots, do ASL, foi desenhado o plano final e acertados os procedimentos e plano de comunicações entre todos os parceiros, nomeadamente o navio da Marinha Real Dinamarquesa, HDMS Ejnar Mikkelsen, que iria acompanhar o trânsito até à zona do gelo.

Desta forma, com todos os preparativos realizados, com o Plano Final aprovado, no dia 28 de abril o Arpão largou de Nuuk, para a realização da Operação ÁRTICO 2024, com a presença a bordo do Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Henrique Gouveia e Melo, decano dos submarinistas no ativo.

Após largar, acompanhado pelo HDMS Ejnar Mikkelsen, o submarino iniciou trânsito para norte e no dia 29 de abril começou a escrever mais uma página, na já significativa história dos submarinos da classe “Tridente”, iniciando com a passagem pelo mítico paralelo 66º33’N, que marca a fronteira do Círculo Polar Ártico, algo que à semelhança da passagem do Equador, é uma marca relevante para todos os Marinheiros, e esta marca ainda não tinha sido alcançada pelos submarinistas portugueses.

Ao alcançar a posição de início da primeira fase da missão, já com a placa de gelo à vista no horizonte e bastante perto da Marginal Ice Zone (MIZ), zona de mistura entre a placa de gelo e o mar aberto, caracterizada por ter diversos fragmentos de gelo solto à deriva, foi tempo de fechar a escotilha e entrar em imersão, para iniciar a aventura de navegar debaixo da placa do gelo Ártico, e confirmar todo o estudo e preparação dos últimos meses.

Passados alguns minutos do início do planeamento eram cada vez mais evidentes os sinais de que o navio se encontrava muito perto da placa de gelo. Desde as diferenças de temperatura, entre 0 e -2 ºC à superfície e de 2 a 5 ºC em cotas mais profundas, ao aumento significativo quer em tamanho, quer em quantidade, dos pedaços de gelo à deriva (possíveis de detetar nos diversos sensores de bordo, sonares ativos e passivos). Umas das particularidades de navegar nesta zona, é inicialmente o aumento significativo do ruído ambiente na MIZ, devido à forte presença de vida marinha e ao gelo bater e partir, seguido de uma diminuição acentuada do ruído ambiente, passando ao silencio, sinal de que já nos encontrávamos mesmo debaixo da placa de gelo.

O “feito” inédito, do NRP Arpão se encontrar a navegar em imersão profunda com um teto de gelo, confirmado pelos sonares ativos e sonda, trouxe a todos os elementos da guarnição um sentimento de expectativa realizada, que justificava todo o tempo e a dedicação empenhados na preparação da missão estavam a começar a pagar os dividendos, ampliado ainda com a presença de SEXA ALM CEMA no Combat Information Center (CIC).

Depois de 39h 30min em imersão profunda sob o gelo, o navio cruzou novamente a MIZ para leste e regressou à superfície com o sentimento de missão cumprida, mas haveria ainda mais…

Tendo em conta a forma serena como decorreu a execução da Fase 1 do planeamento, deu-se início à Fase 2, aumentando o nível de expectativa. Desta forma, iniciava-se a fase em que se ia fazer a exploração operacional de um submarino debaixo do gelo, desde o mapear de Polyanas, aberturas naturais na placa de gelo para uma possível emersão de emergência, até monitorizar a largura da placa ou a densidade de gelo derivante.

Após ter concluído a Fase 2 com sucesso e cumpridos todos os objetivos, desde aqueles que foram planeados com antecedência aos que foram sendo propostos com o decorrer da missão, a 3 de abril o navio voltou à superfície em segurança, e iniciou o trânsito de regresso para Nuuk.

Com a conclusão desta missão o NRP Arpão tornou-se, se não no primeiro, num dos muito poucos submarinos convencionais a navegar debaixo do gelo, uma área normalmente reservada aos submarinos de propulsão nuclear. Permaneceu debaixo da placa de gelo num total de cerca de quatro (4) dias, tendo também explorado a operação na Marginal Ice Zone , com grande densidade de gelo solto, zona essa com elevado valor tácito, área em que nenhum outro submarino do ocidente se atreveu a operar, desde a II grande Guerra, com total sucesso. Além de adicionar uma nova capacidade aos submarinos portugueses e, consequentemente, à Marinha, o Arpão pôs mais uma vez em prática a “arte de bem fazer”, o que demonstrou que mesmo com todas as condicionantes, mas com dedicação, competência  e força de vontade é possível continuar a ultrapassar novos desafios alcançando objetivos  considerados por muitos, incluindo aliados, inultrapassáveis.

“Como é apanágio dos submarinos – serviço silencioso – mais uma vez esta Esquadrilha voltou a superar-se”, congratula-se a Marinha, que destacou “ambição, foco, competência e sacrifício faz jus à longa história marítima portuguesa, repleta de heróis anónimos e de feitos notáveis como canta Camões, o nosso poeta: “…Passaram para além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana,..”.

 
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