Solar de Bertiandos (Ponte de Lima): O Palacete de férias, que deu férias aos Comboios

Artigo de opinião

Artigo de Opinião

Rui Maia

Licenciado em História, mestre em Património e Turismo Cultural pela Universidade do Minho – Investigador em Património industrial.

O belo Solar, situado na freguesia de Bertiandos, concelho de Ponte de Lima, parece estar envolvido em algumas peripécias. Todavia, apesar de ali mesmo ao lado se situar um dos melhores restaurantes de Ponte de Lima, o Celeiro, onde a comida regional é soberba, confecionada pelas mãos do seu simpático chefe, e servida pelos seus graciosos colaboradores, poderia até dar a ideia de que, após encher o bucho, e deitar abaixo uns canecos, se podia sair ébrio e a vociferar contra o Solar e a excentricidade que por ali se viveu. O palacete maison de vacances da nobreza ou da fidalgaria de outrora, muitas tainadas deve ter testemunhado, num tempo de ruralidade, de pobreza e de uma sociedade verticalizada, vergada aos dogmas de Deus, do feudo e das elites.

Mas não, não se trata apenas disso. Trata-se de um rumor, um mexerico que porventura colaborou no colapso da afamada Linha do Vale do Lima, o caminho de ferro que partiria de Viana do Castelo em direção a Ponte de Lima, passando por Ponte da Barca até ao Lindoso e à raia. Estávamos no primeiro quartel do século XX, ainda a procissão ia no adro, ou, como quem diz, a Linha estava a ser construída, até se preconizava tração elétrica para a mesma, mas tal progresso nunca se manifestou, porque a montanha pariu um rato. As vicissitudes eram tantas, como decidir se em Lanheses a Linha seguiria pela margem sul do Lima, ou se mantinha o traçado que acabaria por determinar o seu fim, seguindo pela margem norte. Porém, na senda da sua construção, após imensas infraestruturas edificadas, como em Meadela, Santa Marta de Portuzelo, Serreleis, Cardielos, São Salvador da Torre, Vila Mou, Lanheses, Fontão, Bertiandos ou Arcozelo (Ponte de Lima), onde são clarividentes os resquícios desse projeto falhado e abandonado, a quem a culpa alguns atribuem ao estabelecimento das “carreiras”, às dificuldades económicas, à I Guerra Mundial, outras mais se haveriam de agremiar para decapitar os progressos materiais que, garantidamente, seriam motor de profundas transformações económicas, sociais e territoriais para o Alto Minho. Imaginemos se essa Linha hodiernamente fosse uma realidade, que subsídios traria para essa lindíssima região que é o Vale do Lima – Jardim de Portugal.

Há quem advogue que os proprietários do dito Solar não queriam os Comboios a passar em frente, vá-se lá saber porquê. Tal realidade parece verosímil, porque uma obra dessa envergadura que tantos avanços e recuos conheceu, teria mesmo que estar debaixo de fogo permanente, ou ao nascer caiu-lhe em cima um enguiço. Porém, a verdade é que, apesar de todos os esforços, a construção da Linha foi autorizada pelo Estado, após alguns avanços e recuos nos concursos lançados, avançando de forma tímida, apesar dos impasses das expropriações, das adversidades de construção em alguns terrenos, dando a ideia de que por ali iriam passar os Comboios, não com o seu silvo enérgico, mas silenciosos como quem medita no progresso, sobre o qual recaem os mais vantajosos auspícios. Enfim, tudo foi por água abaixo, como tantos outros projetos que este país deixou cair, para também ele cair em ruína constante, de mão dada com a subserviência, a dependência e os tremendos vícios.

E, caro leitor, se quiser ver passar os Comboios na Linha do Vale do Lima, dirija-se ao Restaurante Celeiro, encha o bucho com iguarias regionais, deite abaixo umas canecas de tinto e, passadas algumas horas, talvez a sua imaginação o leve a acreditar que os Comboios passam silenciosamente ali em frente, fazendo alvoroço na sua mente barulhenta, que já não distingue realidade de ficção.

 
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