PS e PSD ficaram hoje isolados nas propostas para incluir na Constituição a privação da liberdade para doentes graves, em caso de emergência sanitária, com os restantes partidos a considerarem que se deve manter o atual quadro jurídico.
No entanto, socialistas e sociais-democratas – que perfazem os dois terços necessários à alteração da Constituição – manifestaram disponibilidade para consensos entre ambos, embora a discussão do artigo tenha ficado a meio na reunião de hoje da comissão eventual da revisão constitucional e só vá ficar concluída na próxima terça-feira.
Numa matéria que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já disse ser prioritária na revisão da Constituição – como decretar, com segurança jurídica, confinamentos em caso de uma nova pandemia, ainda que sem estado de emergência – ambos os partidos optam por acrescentar, no artigo que regula o direito à liberdade e segurança (27.º), uma nova exceção às atuais que já permitem a privação da liberdade.
Os socialistas determinam que a privação da liberdade possa acontecer para “separação de pessoa portadora de doença contagiosa grave ou relativamente à qual exista fundado receio de propagação de doença ou infeção graves, determinada pela autoridade de saúde, por decisão fundamentada, pelo tempo estritamente necessário, em caso de emergência de saúde pública, com garantia de recurso urgente à autoridade judicial”.
O PSD usa uma formulação diferente: “Confinamento ou internamento por razões de saúde pública de pessoa com grave doença infetocontagiosa, pelo tempo estritamente necessário, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente”.
Na apresentação das propostas, a deputada Mónica Quintela manifestou dúvidas em relação à expressão ‘separação’ usada pelos socialistas (dizendo que lembrava ‘apartheid’), e salientou que os sociais-democratas exigem que exista uma doença já verificada – em vez de apenas um “fundado receio” – e, sobretudo, “a chancela de um juiz”, não bastando a decisão de uma autoridade administrativa.
“Penso que não será difícil concertarmos ou consensualizarmos uma redação comum”, afirmou a deputada do PSD.
Pelo PS, Alexandra Leitão admitiu que a intervenção judicial “faria todo o sentido”, mas advertiu que dificilmente se conseguiria concretizar de forma célere, dizendo rever-se no texto do PSD na parte em que se refere que o isolamento de um doente tem de ser “decretado ou confirmado por autoridade judicial”, já que permitiria uma autorização ‘a posteriori’.
Neste ponto, também interveio a ex-ministra da Saúde Marta Temido para salientar que a experiência da covid-19 aconselha a isolar não só as pessoas infetadas, mas também aquelas com fortes suspeitas de doença (salientando a importância do período de quarentena), e alertou que sujeitar essa prática a uma autorização judicial prévia “em dias em que existiram 30 mil casos” seria uma impossibilidade.
O Chega, pelo deputado Rui Paulo Sousa, acusou PS e PSD de “pretenderem admitir internamentos compulsivos”, enquanto o ex-presidente da IL, João Cotrim Figueiredo, falou mesmo em “artigo infame”.
“Estou chocado com a ligeireza e facilidade com que se discutem temas de cariz securitário e totalitário como se estivéssemos a falar de temas banais”, criticou.
Menos radicais nos termos, mas também críticos, foram os restantes partidos, com o líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, a considerar que “uma supressão de direitos de forma tão exagerada” exige sempre que seja decretado o estado de emergência, cuja formulação atual ninguém propôs alterar na presente revisão constitucional.
“O que a experiência da pandemia mostra é a desnecessidade dessa exigência e o grande acatamento das medidas sanitárias, o que devíamos fazer era refletir sobre os excessos cometidos e não constitucionalizar os excessos”, corroborou a deputada do PCP Alma Rivera.
Na mesma linha, o deputado único do Livre, Rui Tavares, disse que precisaria de ser “muito bem convencido” para aceitar estas supressões de direitos, dizendo estar satisfeito com a formulação atual da Constituição que obriga a decretar o estado de emergência para impor este tipo de privações de liberdade.
“É com preocupação que vemos estas soluções na forma como estão formuladas”, assinalou igualmente a deputada única do PAN Inês Sousa Real, salientando que o envolvimento do parlamento em todas as decisões durante a pandemia de covid-19 fez com que o Governo fornecesse mais informações aos deputados.
Pelo caminho, ficarão as propostas do PCP neste artigo para limitar a prisão disciplinar a militares ao “tempo de guerra ou no decurso de missões militares”, bem como a apresentada pelo PSD para que, nas Regiões Autónomas, a execução da declaração do estado de emergência fosse assegurada pelo Governo Regional.