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A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Barcelos retirou, sexta-feira, à mãe, de nacionalidade angolana, de Benguela, um filho de nove anos, por alegados maus-tratos, nomeadamente físicos. E proibiu-a de o ir ver. A criança esteve internada no Hospital local, depois de ferimentos ligeiros causados por um irmão, e que foram detetados na escola que ambos frequentam. No mesmo dia foi para um centro de Acolhimento em Santo Adrião, Braga. E a mãe teve de entregar o passaporte do menor.
Esta decisão não foi aceite pelo advogado, João Ferreira Araújo, de Braga, por ser “exagerada e injustificada” e por este entender que podia ser substituída por uma de acompanhamento permanente pela CCPJ, dos dois meninos e da progenitora: “Dizem que a mãe lhe dava umas sapatadas e umas chineladas, o que não reconhecemos, e, de resto, é costume no país de origem dar-se uma palmada. Mas ela comprometeu-se a não repetir a prática”, sublinha, em declarações a O MINHO.
O advogado entende que, ao contrário, “a CCPJ deveria ter agido no sentido de ajudar a família, que está num apartamento em Barcelos emprestado por uma irmã, emigrada na Europa, vendo se precisa de alguma coisa, e atuando para melhorar a relação entre a mãe, que passou dificuldades na vida em Angola, e as duas crianças!”
´”Sou obrigado a dizer que, se a mãe fosse branca e de Barcelos, o rapaz não lhe era retirado”, acusa.
CCPJ nega racismo
Contactada a propósito, a diretora da CCPJ, Ana Maria Sobreiro negou qualquer motivação racial na decisão, e explicou que aplicou uma medida de emergência legal: “o rapaz era alvo de castigos físicos e até fome passava. E nem quer ver a mãe”, afirmou, vincando que o processo foi para o Tribunal de Família e Menores.
Acrescentou que a psicóloga do Hospital – onde entrou com feridas na cabeça devido a uma cotovelada do irmão – fez um relatório sobre a situação, o qual “contém dados bastantes que justificam a medida preventiva”.
Acrescenta que a psicóloga e um técnico social que escutaram o rapaz, “até choraram ao descrever o que ouviram” e diz que o juiz é que terá de decidir o futuro das crianças, já que, na próxima semana segue para Tribunal um processo idêntico referente ao outro filho, de oito anos.
“O menino está feliz por não voltar para casa e disse que, há muito que queria desabafar sobre a relação com a mãe”, garantiu.
Jurista diz que “miúdo faz birra”
Sobre as razões apontadas pela Diretora, o advogado diz que vai requerer a consulta do processo, em especial o relatório da psicóloga, mas antecipa que “são exageradas e que “o miúdo” está a fazer birra, ao dizer que não quer a mãe”.
O jurista sublinha que o Consulado de Angola já está a fazer diligências para saber as motivações da CCPJ e pergunta: “se ela, que chegou a Portugal em setembro com a motivação de espreitar a possibilidade de aqui ter uma vida melhor, quiser voltar para Angola, vai regressar sem o filho?”
Carta ao Consulado de Angola
A pedido das autoridades angolanas, o advogado enviou um e-mail ao Consulado de Angola no Porto, onde escreve: “no passado dia 27 de novembro, o menor H. apresentava um pequeno hematoma na zona da cabeça decorrente de uma pancada que o irmão H., sem querer, lhe desferiu, sendo que na escola que frequenta, a António Fogaça, a diretora achou por bem enviar a criança para o Hospital de Barcelos para ser observada e dar conhecimento à Comissão Proteção Crianças e Jovens (CPCJ), de Barcelos do que alegadamente se estava a passar (suspeita de agressão)”.
E, prosseguindo: “Nesse mesmo dia foi chamada a mãe, Isabel B., à CPCJ de Barcelos, havendo sido recebida por duas técnicas que lhe comunicaram que o H. se queixou de algumas práticas educativas por parte da mãe (que lhe bateria por vezes com um chinelo) quando este se portava mal. Mais informaram que teriam de analisar a situação para aplicação de uma medida cautelar que evitasse este tipo de situações por considerarem que a criança estava em risco”.
A Isabel – acrescenta – “explicou a situação e manifestou, desde logo, a sua vontade de alterar essas práticas as de por vezes dar uma ou outra chinelada ao filho. Explicou também que tinha sido educada dessa forma mas que estava disposta a tudo fazer para não repetir tais comportamentos”.
As técnicas da CPCJ informaram-na, na altura, – assinala o advogado – de que precisavam de algum tempo para decidir o que fazer e solicitaram a sua presença na sexta-feira, (29-11), pelas 11 horas, nas instalações da CPCJ de Barcelos”.
Afastamento da mãe
A Isabel, acompanhada pelo seu mandatário compareceu, havendo-lhe então sido comunicado por uma técnica da CPCJ que” iria ser aplicada ao H. uma medida cautelar de afastamento da mãe, e proibição de qualquer contacto desta com a criança. E exigiram que fossem entregues o passaporte e o seu cartão de saúde e de vacinas”.
E solicitaram que a mãe levasse às instalações da CPCJ de Barcelos, roupa e livros escolares.
Tribunal é mais isento
João Ferreira Araújo – lê-se, ainda, na missiva – “manifestou o seu total desacordo com a medida cautelar aplicada e exigiu que o processo fosse remetido de imediato ao Tribunal de Família e Menores de Barcelos para aí ser tramitado por considerar dessa forma haver melhores condições de isenção e imparcialidade”.
E, a concluir, sustenta: “Estamos perante uma intervenção absolutamente desproporcionada, desadequada e perfeitamente exagerada por parte da CPCJ e, aparentemente, sustentada pelo Ministério Público do Tribunal Judicial de Barcelos, ainda por cima em relação a cidadãos angolanos que se encontram neste país há cerca de dois meses, não conhecendo, por isso, os hábitos e costumes portugueses e muito menos a Lei, até porque, mesmo admitindo que nas práticas educativas da mãe não fossem as mais indicadas, a função das técnicas da CPCJ e do próprio Ministério Público, seria a de aplicar uma medida de acompanhamento àquela, de forma a ajudá-la a ultrapassar certos comportamentos e nunca a retirar-lhe o filho, de oito anos de idade, que se encontra no país estrangeiro, longe da família e por tal confuso e desorientado”.