Amélia Morais é famosa no mundo inteiro entre os adeptos de futebol. O SC Braga é a equipa do seu coração. Adepta desde tenra idade, aos 9 anos assistiu ao primeiro jogo ainda o campo era de terra. No próximo mês de fevereiro, ‘Melinha’ comemora 85 anos e o SC Braga, esta terça-feira, 19 de janeiro, completa um século de existência.
“Nasci na Ponte S. João e o campo onde o Braga jogava era em terra e ao pé do pavilhão Flávio Sá Leite, as tribunas eram de madeira. Naquele tempo, em Braga, muita gente andava descalça”, relembra Amélia, mascote do clube, sobre o longínquo ano de 1945. “As pessoas esquecem-se, mas eu sou do tempo da tuberculose, da II Guerra Mundial, e ainda me lembro de ouvir falar do Sidónio Pais. O primeiro calçado que apareceu nesta cidade eram umas solas de madeira com um tacão grosso. A partir daí, quem andasse descalço pagava uma multa de 5 coroas”.
Amélia, enquanto criança, era uma das filhas de uma família numerosa residente na Ponte S. João. Assistia aos jogos do SC Braga acompanhada do irmão mais velho, até conhecer o seu marido e, no ano de 1960, com 24 anos, casar, sem nunca ter filhos.
O esposo era um adepto fervoroso do clube da cidade dos arcebispos. O amor, que nutriam um pelo outro, elevava-se nas bancadas do estádio de futebol, nas idas aos jogos, na celebração de cada golo: “Lembro-me muito do meu marido, sempre fomos muito unidos. Ele era um sócio mais antigo do que eu, e o futebol começou com ele. Era a nossa paixão”. Amélia relembra-o, ainda hoje, após 35 anos da sua morte, quando vai aos jogos do SC Braga e sente na agitação das bancadas o calor da sua presença.
Em 1966 celebraram juntos a conquista da Taça de Portugal. “A primeira Taça de Portugal que o Braga ganhou foi um momento lindo! Um dos momentos mais felizes da minha vida e da vida dele”, conta.
Viajou o mundo a reboque do clube. Nos armazéns de Liverpool conheceu os Beatles e dançou o twist ao som da banda. “Amélie! Amélie!”, ouviu deitada na cama do hotel, o chamamento uivado das ruas britânicas. “Eram os ingleses, os adeptos do Liverpool a chamar-me. Eu fui à varanda e disse-lhes I love you, bye-bye, thank you a lot. Eram muito engraçados”.
Nessa estadia do SC Braga em Liverpool, ‘Melinha’ caminhava as ruas dos ‘quatro fabulosos’ escoltada pela polícia.
Noutra ocasião o Presidente da República da Turquia beijou-lhe a mão e de seguida levou-a à testa, como um símbolo de respeito transportado do império Otomano. “Era um homem grande, impressionou-me a sua presença”.
Aproximadamente com 40 anos Amélia ficou viúva e abandonou os estádios durante algum tempo. Foi um SC Braga-Porto que convenceu Amélia a lançar o cachecol ao pescoço e a caminhar, novamente, em direção ao estádio. “Cheguei à bilheteira e apresentei o meu cartão de sócia. ‘Dona Amélia esse cartão já não serve, o Mesquita Machado inventou uns novos’, disse-me o rapaz da bilheteira. Eu fui para a fila e comprei o meu bilhete, indignada. No dia a seguir fui ter com o Mesquita (ex-presidente da Câmara Municipal e do clube) e pedi-lhe para me fazer um cartão, com o mesmo número: 1914. O Mesquita recusou, disse que esse número, agora, pertencia à filha dele. Eu pedi-lhe, outra vez, para me devolver o número, ele não devolveu e eu chamei-lhe gatuno enquanto lhe batia com a porta do escritório. Estava furiosa e nunca mais lhe falei, nem lhe falo”, ri-se Dona Amélia, enquanto remata: “Eu era tramada”.
Amélia aponta António Salvador para o título de melhor presidente do clube: “Dizem que ele é bandido, mas eu acho-o um grande gestor”. Jogadores nomeia vários: “O Rasteirinha, o Antunes e o Paulinho, que é um bom capitão”. Treinadores nomeia três: Leonardo Jardim, Domingos Paciência e Sá Pinto.
Respeita as claques, mas é uma adepta independente e não precisa de ir a Liverpool para os fãs a chamarem à janela: “Até a canalha das escolas, aqui em Braga, passam na minha casa, Melinha, Melinha, ‘tenham um bom dia meus amores’, respondo-lhes eu. Às vezes é um pouco chato, mas eu gosto de me dar bem com todos. É preciso incentivar o povo”.
Não gosta de rivalidades e, quando lhe pedem, tira fotografias com todos: “Os benfiquistas são vermelhos como nós, os de Guimarães são minhotos, os do Porto nortenhos e os do Sporting são como nós, do Sporting Clube de Braga”.
No próximo mês, Amélia Morais comemora 85 anos e o desejo é claro: “Ver o que nunca vi, o meu Braga campeão”.