O sargento Ricardo Rodrigues, de Braga, o militar com a pena mais pesada no julgamento pela morte de dois recrutas do 127.º curso de Comandos, entre os quais Dylan Silva, de Ponte de Lima, vai recorrer da condenação, solicitando ser absolvido, por entender que não se fez prova contra si próprio pela acusação do crime de abuso de autoridade por ofensa à integridade física, desde logo por o acórdão entrar em contradição com depoimentos das testemunhas.
Ricardo Miguel dos Reis Rodrigues, de 34 anos, que residiu sempre na cidade de Braga, onde estudou até ter ingressado nas Forças Armadas, com origens familiares em Ponte da Barca, foi condenado na pena de três anos de prisão, suspensa por igual período temporal.
Nas alegações finais, o Ministério Público tinha pedido uma pena de dez anos de prisão, só que efetiva, para o 1.º sargento Ricardo Rodrigues, que por sua vez havia clamado pela sua absolvição, afirmando-se inocente quando prestou declarações, no fim do julgamento.
Os dois outros militares condenados, igualmente pelo crime de abuso de autoridade por ofensa à integridade física, foram o tenente Pedro Fernandes (da Póvoa de Varzim) e o 1º sargento Lenate Inácio, nas penas de dois anos e três meses de prisão e de dois anos de prisão, respetivamente, também suspensas na sua execução e por igual período temporal.

Dylan da Silva e Hugo Abreu, ambos de 20 anos, morreram e outros instruendos sofreram lesões graves, tendo de ser internados, durante a Prova Zero do 127.º Curso de Comandos, que decorreu no concelho de Alcochete, do distrito de Setúbal, em 4 de setembro de 2016.
O advogado Alexandre Lafayette, que defende o 1º sargento Ricardo Rodrigues, entende que todos os militares acusados deveriam ter sido absolvidos, argumentado que os dois instruendos morreram devido a um “golpe de calor” quando se registou uma onda de calor em Portugal que já não se verificava desde 1931, acrescentando que já em 1988 faleceram dois recrutas do Exército, em Santa Margarida, com temperaturas menores que em 2016.
Absolvidos sargentos e cabo de Braga
Entretanto, foram absolvidos o sargento João Coelho e o cabo José Pires, ambos de Braga, por não ter sido feita no julgamento qualquer tipo de prova que os pudesse comprometer.
O 1º sargento João Coelho foi defendido pelo advogado bracarense Tiago Ferreira Freitas, enquanto o cabo José Pires teve a defesa do advogado Fernando Ramos, que foi comando.

Tiago Ferreira Freitas defendeu igualmente a então furriel enfermeira Isabel Nascimento, a par do 1º sargento João Coelho, dos primeiros arguidos do processo, desde logo porque faziam parte da equipa sanitária, quer o sargento, quer a furriel, tendo a militar sido ilibada pelo Ministério Público logo na fase de inquérito, no caso, por manifesta falta de indícios.
Ao todo, foram julgados oito oficiais, oito sargentos e três praças, militares do Exército do Regimento de Comandos, a maioria instrutores, todos respondido pelo alegado abuso de autoridade por ofensa à integridade física, acabando o julgamento com 16 absolvições, incluindo o diretor da “prova zero”, tenente-coronel Mário Maia, para quem o Ministério Público pedira condenação a pena de dois anos de prisão, mas suspensa por igual período, como para o médico Miguel Domingues, de cinco anos de prisão, suspensa na execução.
Famílias e MP também vão recorrer
Mas o Ministério Público, assim como os advogados das famílias dos dois recrutas mortos e que se constituíram assistentes no processo, vão igualmente recorrer do acórdão, porque entendem que mais militares deviam ter sido condenados e as penas serem mais pesadas, nomeadamente os advogados Ricardo Sá Fernandes e Miguel Santos Pereira, que estão a representar as famílias de Dylan da Silva e Hugo Abreu, ambas indemnizadas em 410 mil euros, pelo acordo prévio, com o Estado Português, ainda antes de iniciado o julgamento.

Ricardo Sá Fernandes continua a preconizar a condenação para oito militares, incluindo o médico Miguel Domingues, o diretor da “prova zero”, tenente-coronel Mário Maia, pois “este julgamento deve servir para modelar a execução da ‘prova zero’, por forma a que caso não se repita”, sublinhando que, apesar da natural dureza desta prova dos Comandos, há “vários limites que não se podem ultrapassar”, referindo-se concretamente a situações em que “pessoas [instruendos] terem como castigo ser atirados às silvas”, como sucedeu.
O advogado entende que a prova devia ter sido suspensa às 14 horas quando a temperatura do ar era já de 40 graus, numa altura em que existiam instruendos a cambalear, outros a vomitar e outros a desistir, não dispondo a prova de uma tenda médica com refrigeração, nem outras condições necessárias para acolher tantos recrutas debilitados e desidratados, devido ao racionamento de água, suspensão que se tivesse acontecido, evitaria as mortes.
Também o advogado Miguel Santos Pereira, o representante da mãe de Dylan da Silva, cujos pais estão separados, afirmou estar convencido que o Tribunal da Relação de Lisboa vai com o recurso anular o acórdão e eventualmente mandar repetir o próprio julgamento.