O sociólogo Rui Pena Pires considera que os baixos salários e a crise na habitação são cada vez mais pretextos para os portugueses emigrarem, sobretudo jovens e qualificados, embora um terço acabe por regressar.
Em entrevista à agência Lusa, o diretor científico do Observatório da Emigração e um dos autores do Atlas da Emigração Portuguesa, que será apresentado na próxima terça-feira, em Lisboa, afirmou que “a diferença de salários e a perspetiva profissional” são o principal motor para a emigração portuguesa, sobretudo dos mais jovens.
“Nós pagamos salários muito baixos em comparação com os países mais desenvolvidos na União Europeia. Seria perfeitamente anormal que, havendo liberdade de circulação e este diferencial de salários, não houvesse emigração”, adiantou.
E acrescentou: “Nós devíamos é perguntar por que ainda fica cá tanta gente e a resposta é porque, ainda assim, é difícil emigrar, ir para um sítio que não conheço, onde não tenho família, amigos, e onde não sei muito bem se me vou desenrascar com os hábitos do dia-a-dia e do trabalho; e esta insegurança é que trava a emigração, caso contrário emigrava-se muito mais”.
A esta questão salarial soma-se a crise habitacional em Portugal, nomeadamente os elevados preços das casas e das rendas.
“Se havia algum dissuasor da emigração era o facto de ser muito mais barato arranjar casa em Lisboa do que em Amesterdão e atualmente é quase igual”, observou.
A crise da habitação não é só portuguesa, é geral, mas, apesar de os preços praticados serem mais ou menos os mesmos em Lisboa e Amesterdão, o rendimento disponível é muito menor em Portugal, explicou.
A emigração é a opção de cerca de 60.000 a 65.000 portugueses que todos os anos atravessam fronteiras.
“Portugal é um país de emigração e, desde 1974, um país de imigração”, sendo um país muito mais de saídas do que entradas, o país com mais emigração acumulada da União Europeia e com menos imigração.
Em relação à emigração portuguesa aos anos 60 do século XX, quando muitos saíram ilegalmente, hoje a emigração faz-se no espaço europeu e é mais qualificada, o que resulta da qualificação da população portuguesa.
Rui Pena Pires esclarece que nos anos 60 também havia emigração portuguesa qualificada, numa percentagem de licenciados não muito inferior da de hoje, mas para países como Angola ou Moçambique, ex-colónias portuguesas.
Ainda hoje, a maioria dos emigrantes que sai não tem licenciatura, nomeadamente para os países de destinos tradicionais da emigração portuguesa, como França, onde existem mais emigrantes portugueses.
Pelo contrário, para os países do norte da Europa, como o Reino Unido (antes do Brexit), Países Baixos, Bélgica, Suécia e Noruega, mais de metade dos emigrantes tem licenciatura.
Onde a emigração está a ter números crescentemente elevados é nos Países Baixos (Holanda) que, de alguma forma, “poderão estar a substituir o Reino Unido como destino da emigração qualificada”.
O número de portugueses que emigrou para a Holanda subiu de 1.000 em 2000 para mais de 3.000 em 2021. Atualmente, vivem cerca de 20.000 portugueses nos Países Baixos.
“Os Países Baixos têm das maiores percentagens de multinacionais de toda a Europa e têm necessidade de profissionais qualificados em todas as áreas e, por essa razão, procuram também emigrantes em todas as áreas, nomeadamente da União Europeia”, afirmou, destacando a vantagem de a língua inglesa ser utilizada por todos.
Segundo o Atlas da Emigração, cerca de 30% dos portugueses, com idades entre os 15 e os 39 anos, estão emigrados, o que “não é surpresa nenhuma”, uma vez que existem cerca de 2,3 milhões de cidadãos nascidos em Portugal que residem fora do país. Isto significa que, entre 22 a 23% da população nascida em Portugal, está emigrada.
Sobre as consequências destas saídas, o sociólogo refere que pressiona a demografia portuguesa: “Não se emigra de bengala, mas sobretudo na idade jovem, com menos de 40 anos”.
A maioria das mulheres que emigra nessa altura está na idade de ter filhos e está a ter os filhos fora. Em 2022, nasceram cerca de 80.000 crianças em Portugal, destas só uma parte são filhas de mães portuguesas e nasceram cerca de 11.000 a 12.000 portugueses filhos de mães portuguesas fora, apenas nos seis países para que temos dados, pois se fosse para todos facilmente chegaríamos aos 20.000.