Ao longo do século XX, a comuna de Saint-Gilles tornou-se ‘casa’ de muitos emigrantes portugueses que se mudavam para Bruxelas. O clube daquela zona da capital, Union Saint-Gilloise, ganhou, por isso, um carinho especial entre os portugueses emigrados em Bruxelas. Hoje, é um dos emblemas com mais adeptos portugueses naquele país.
No dia em que o Braga se deslocou até ao terreno Union Saint-Gilloise para a 4.ª jornada da fase de grupos da Liga Europa, havia muitos corações divididos.
João Nunes, nascido e criado em Braga, está atualmente emigrado em Bruxelas. É adepto do Saint-Gilloise quase desde o dia em que chegou à Bélgica, há 13 anos. Foi ver um jogo e apaixonou-se pelo então “clube pequeninho” que ainda militava na terceira divisão. “Os jogadores, no fim dos jogos, vinham beber um copo connosco”, conta o bracarense João Nunes a O MINHO.
Antes de entrar para as bancadas, passeia à porta do estádio emprestado do Saint-Gilloise, na cidade de Leuven, a 30 quilómetros da ‘casa’ do Union. O modesto estádio da equipa belga, construído em 1919, não está homologado para as competições europeias. Mostra o estádio a amigos vindos diretamente de Braga para ver o jogo de futebol e confessa estar dividido. “Hoje ficava contente com um empate e que as duas equipas passassem à próxima fase”, diz o bracarense que é sócio do Union desde a sua vinda para a Bélgica. As preces pelo empate foram atendidas, já a passagem, o futuro dirá.
Vizinha de Saint-Gilles, a zona mais portuguesa de Bruxelas, está a comuna de Ixelles. De acordo com o Jorge Saramago, emigrante na capital Belga há 46 anos, Saint-Gilles está historicamente ligado aos portugueses do Norte do país, enquanto Ixelles é mais afeto aos do Sul de Portugal. “Dantes era assim, agora já está tudo misturado. Estou a falar dos anos 70 e 80, quando a comunidade era mais pequena”, diz o alentejano ao balcão do café Le Portugal.
Jorge Saramago é benfiquista e simpatizante do Union há muitos anos. Podia apoiar o vizinho Anderlech, mas prefere o clube de Saint-Gilles por ter “uma alma diferente”. “Há clubes maiores, mas comecei a apoiar o clube quando estava na II Divisão, porque achava engraçado ao intervalo poder sair do estádio para ir beber uma cervejinha ao café da frente… era um ambiente de futebol distrital. Na I Divisão já não se pode fazer”, conta.
Contra o Braga, não tem dúvidas que torcerá pelo clube do seu país natal, mas acredita que existirão corações divididos entre a comunidade emigrante. “Os portugueses em Bruxelas vão ver o jogo divididos, eu sei que alguns vão torcer mais pelo Union. São pessoas que têm lugar cativo há muitos anos”, disse. Mas, se o Braga ganhar, “vão ficar felizes também”.
A dois quilómetros no centro de Bruxelas, está o café restaurante Le Portugal. Aberto há 22 anos, é um dos vários espaços comerciais fundados por portugueses naquela cidade. Fica paredes meias com a Casa do Benfica de Bruxelas, que é gerida também por Albano Figueiredo.
Em casa de benfiquistas – mas aberta a “todos” -, os jogos das equipas portuguesas são atração. “Temos sempre sempre casa cheia”, conta. Passam sempre na televisão do café e o jogo do Braga não será excepção. Albano Figueiredo não tem dúvidas sobre quem apoiar. “A equipa portuguesa primeiro. Isso sem dúvida. Estamos cá [na Bélgica], podemos estar um bocado divididos, mas primeiro Portugal. Não pode falhar (…) Contra o Braga, apoiamos o Braga primeiro, isso paciência”, afirma Albano Figueiredo.
À exceção deste jogo, também é apoiante do Saint-Gilloise. Gosta de torcer pelos “pequenos”. Foi também isso que seduziu o bracarense João Nunes, quando chegou há 13 anos. “Tem jogadores à imagem do clube, jogadores que fizeram outra coisa na vida antes de jogar futebol. O capitão [Teddy] Teuma, por exemplo, foi entregador de carne enquanto jogava no futebol amador em França”, conta João Nunes.
Nem só de bola vive o restaurante Le Portugal. Como uma boa casa portuguesa, discute-se o preço dos combustíveis à mesa, enquanto se prova o melhor da cozinha do país. O prato do dia são espetadas e robalo grelhado. É ‘porto de abrigo’ para muitos portugueses, mas Albano afirma que os europeus também “adoram” a comida tradicional de Portugal. Toda a gente come naquele restaurante, “desde o operário das obras ao eurodeputado”.
Os minhotos Nuno Melo (CDS) e José Manuel Fernandes (PSD) são dois dos eurodeputados que são clientes do viseense Albano Figueiredo. O primeiro-ministro António Costa também já provou os seus petiscos. Na quarta-feira, foi a eurodeputada do PS Isabel Estrada Carvalhais, eleita pelo círculo de Braga, a jantar no Le Portugal, com um grupo de 25 jovens oriundos do Minho.
Com os melhores pratos portugueses ao almoço e ao jantar todos os dias, é ao fim de semana que “elabora” mais. A 18 e 19 de novembro terá uma participação especial vinda do Alto Minho. “Vêm cá dois cozinheiros de Ponte de Lima”, numa equipa coordenada pelo chef Paulo Santos, fazer bacalhau à minhota e, claro, arroz de sarrabulho.