São João da Cova é uma aldeia construída à mão dia após dia, em Vieira do Minho, pórtico do Parque Nacional da Peneda-Gerês e retrato do meio rural, desde o despovoamento projetado nas habitações abandonadas ao afastamento dos serviços públicos, desde a economia dependente do turismo ao envelhecimento tremendo da população, desde a agricultura de subsistência ao pouco investimento privado.
O ar é bom, puro, francamente respirável, o “lume” aquece o interior das casas graníticas e os rios Caldo e Cávado afluem, depois encharcam campos, que alimentam homens, que alimentam animais, para se alimentarem.
O futuro da União de Freguesias de Ventosa e Cova depende de 61 crianças, que frequentarão o ensino obrigatório a cinco quilómetros de distância na escola básica e secundária de Vieira do Minho, mas dispõem de 183 alojamentos turísticos promovidos pela “Booking.com”, num raio de cinco quilómetros. As hipóteses de subsistência na aldeia são limitadas, turismo ou agricultura? Pré-fabricado ou milho?
A união de freguesias de Ventosa e Cova perdeu 82 habitantes em 10 anos, 52 homens e 30 mulheres, de acordo com os censos provisórios levantados durante o ano passado, dos 577 residentes, 174 pertencem a uma faixa etária superior aos 65 anos e apenas 126 estão abaixo dos 25. Uma parcela significativa da população é analfabeta, 187 pessoas há 10 anos, 117 hoje. A notícia nessas terras encontra-se no facto de nada acontecer há muito tempo, o passado torna-se mais apelativo do que o presente sem perspectiva de futuro.
O despovoamento da aldeia não é uma realidade estanque, explique-o a memória lúcida e factual de Maria de Fátima, os 73 anos não lhe torvaram o pensamento escorreito e convidativo, que nos transporta até à sua infância, à quarta-classe em São João da Cova, ao aparente progresso durante o fascismo, à construção das barragens, ao asfalto na nacional de terra, à guerra colonial, ao salto do marido para França, aos anos dourados do Gerês, aos sete filhos, aos nove netos, aos dias de hoje.
Levanta-se cedo para cuidar das galinhas, dos coelhos e dos porcos à mão, corta-lhes erva que semeou à mão, coze broa de milho à mão, faz jeropiga à mão, enfim, “isto não são mãos que se apresentem”. Na cidade pouca gente constrói à mão – pão, animais, água. “Vou raríssimas vezes ao supermercado, só compro arroz e massas” desdenha, para interromper o corte da erva para galinhas mortas aos seis meses, “todas as coisas vivas morrem”, responde ao afeto gerado pelos animais.
“Os ovos têm todos tamanhos diferentes, porque as galinhas também têm”, justifica-se antes de oferecer uma dúzia deles, no universo dos serviços ninguém mata para comer, pelo menos animais.
Há cerca de 60 anos em São João da Cova, havia uma escola primária arrendada a um lavrador. “Batalha de São Mamede” sussurrou-lhe a professora ao ouvido, para a livrar do chumbo no exame da quarta classe, onde foi companheira de “muitas crianças” ensinadas por uma só professora, desde o primeiro ao último e quarto ano de escolaridade.
“Há 40 anos havia muita gente, as casas estavam todas ocupadas, as famílias eram muito numerosas, as terras eram todas trabalhadas”, relembra Fátima, sentada no banco da cozinha ao calor do lume e recorre aos adágios da cultura popular para se expressar, “do trabalho é que sai tudo”, “guarda se não tens”.
Lembra-se do regime com saudosismo, um saudosismo que reconhece à democracia defeitos, essencialmente. “O Salazar vivia humildemente como toda a gente”, indigna-se face aos casos de justiça arrastados para a televisão. Relembra a nacional 103 asfaltada durante o regime da velha senhora, a construção das barragens em Salamonde e nos Pisões. “Quem não tivesse terra não tinha pão para comer”.
O tempo rola na memória de Fátima para o casamento com Custódio, um vizinho de infância, depois convocado para o serviço militar uma antecâmara do Ultramar e do discurso, com “força para Angola”, como “todos os rapazes da aldeia”, Custódio integrou um contingente de dois anos. As invocações no raciocínio de Fátima são factuais, com sentido histórico, com retórica de confirmação, encontram ponto de partida em Goa, a primeira derrota do império lusitano.
O seu raciocínio dá um salto no tempo, o regresso de Custódio a São João da Cova contando que em África “as frutas eram do dobro do tamanho e que rendiam duas produções por ano”; fugaz reencontro entre marido e mulher, Custódio dá o salto para França, “com 10 contos que pagou a um passador para o levar pelo monte”. “Arranjou emprego como armador de ferro, entre amigos”, afirma Fátima sobre marido, testemunha direta da emigração minhota nos anos 60.
Viveram separados uma boa parte da vida, ela criava sete filhos com dinheiro do estrangeiro e alguns soldos suados com a venda do gado, que primeiro alimentava a família. “Tenho carta de condução, mas não uso”, sacode o pó ao provincianismo. Uns filhos estudaram outros não, quatro emigraram para França e para o Luxemburgo, um vive em Vila do Conde outro em Braga, a mais próxima em Vieira do Minho, só Fátima e Custódio residem em São João da Cova, ocasionalmente visitados pelos nove netos.
A cristandade é senhora dessa montanha, contam-se cinco templos para zero escolas e um centro de saúde em Vieira do Minho, por isso a gente da aldeia “habita na fé”, como explica o pároco José, lá para o final da eucaristia amplificada pelos altifalantes espalhados ao redor das terras.
A paróquia é habitada por 250 pessoas estima-o José da Silva Alves, padre há 54 anos, desde os 25 na aldeia, onde toca sino a rebate, para que o andor calcorreie uma volta completa ao templo, seguido do coro “enquanto houver portugueses, tu serás o seu amor”.
“Há uma média de 20 crianças por paróquia, a desertificação é um problema, os nossos jovens vão para as escolas ou emigram, os idosos têm as suas reformazitas, depois há os campos, alguns sem cultivo” afirma o padre após a eucaristia, enquadrando o cenário para a reportagem.
A freguesia integra-se no concelho de Vieira do Minho e a autarquia aposta “no turismo, na agricultura e na floresta”, como motores de desenvolvimento. No entanto, “ainda domina o turismo de sazonalidade” e a gestão camarária esforça-se para promover a oferta turística da região nos períodos de baixa ocupação, “contudo as condições climatéricas são um bocadinho adversas, no verão há excelentes temperaturas e muito espaço verde, mas no inverno as temperaturas são baixas e chove muito”, afirma António Cardoso, presidente da Câmara.
Os serviços públicos são párocos e o presidente do município aponta carências ao investimento público, como “infraestruturas na saúde e melhorias nas vias de comunicação, nomeadamente na estrada nacional 103, na estrada nacional 304 e na 205”. O autarca acredita, que melhores acessos significariam maior facilidade em fixar investidores na indústria e no turismo.
No norte, a população contraiu-se significativamente, excetuando a faixa litoral entre Vila Nova de Gaia e Braga, onde a população cresceu, manteve-se, ou diminuiu pouco. Apesar dos benefícios fiscais, para os habitantes do mundo rural, desapareceram mil pessoas em Vieira do Minho ao longo de 10 anos, em Terras de Bouro perderam-se 895 residentes e nos Arcos de Valdevez habitam menos dois mil cidadãos.
“Vieira do Minho não aplica derrama às empresas com faturações anuais até 250 mil euros, reduziu 5% a taxa de IRS e aplica o mínimo de IMI, nas famílias numerosas aplica-se a redução da carga fiscal e do pré-escolar até ao primeiro ciclo as crianças não pagam nada, desde transporte, cadernos, livros e os alunos do universitário recebem bolsas de estudo”, afirma o presidente da Câmara.
Houve uma inversão positiva na demografia do concelho, unicamente de 2020 para 2021. António Cardoso afirma que “a perda de população e a sua fixação, tem muito a ver com o poder de decisão e com a questão do planeamento e da gestão urbanística, nomeadamente dos PDM’s (Plano Diretor Municipal) e dos planos de ordenamento do território, era muito importante que as autarquias tivessem mais autonomia no ordenamento do seu território, para permitirem mais construção, fixarem mais população e atraírem mais investimento”.
A regionalização é apontada como fundamental para o desenvolvimento dos territórios rurais e de baixa densidade: “Entre o poder local e a administração central precisa de haver uma entidade intermédia, que faça a ligação entre as forças políticas e as decisões que precisam de ser tomadas”. “Quando é necessário contactar as autoridades nacionais há uma série de dificuldades em fazê-lo”, acrescenta o autarca.