Quando era criança, Jorge Costa percorria as ‘bouças’ e as ramadas de Silveiros, em Barcelos, em busca de aves. Fazia-o, à semelhança de toda uma geração, porque era hábito “andar-se aos ninhos” naquela idade. Já mais perto da adolescência, a família mudou-se para o centro da cidade de Famalicão. E acabou-se o contacto diário de Jorge com a natureza.
Anos depois, por volta dos 20, recuperou o gosto pela ruralidade, e começou a descobrir os trilhos do Parque Nacional da Peneda-Gerês. Muniu-se de uma máquina fotográfica semi-profissional e começou a fotografar as paisagens. Conforme caminhava, ia observando alguns rastos que o intrigavam, e ia imaginando que tipo de animais os fariam e, claro, por onde é que andavam, uma vez que nunca os conseguia ver, por mais tempo que passasse no único parque nacional do país.
E, conforme contou a O MINHO, foi aí que decidiu: “Que se lixe a paisagem. Vou é fotografar a bicheza!”. De lá para cá já passou mais de uma década. E Jorge foi tornando-se um ‘expert’ na fotografia de natureza, conseguindo registar animais que, muitas vezes, são ignorados pelos restantes fotógrafos, como é o caso das martas, fuinhas, corços, veados, javalis, do lobo, até ao raro gato-bravo e alguns micromamíferos.
Mas foram as raposas que lhe valeram o primeiro prémio da carreira, atribuído em maio, no InSitu – Festival de Imagem de Natureza, realizado na Beira Alta, mais concretamente em Vouzela, no distrito de Viseu, com a imagem de três pequenos irmãos que exploram pela primeira vez a liberdade que encontram fora da toca, na área protegida de Corno do Bico, em Paredes de Coura.
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Quando participava nos trabalhos do projeto “O Lobo e o Homem: proteger, valorizar e sensibilizar”, a convite do professor Francisco Álvares, doutorado em Biologia da Conservação, investigador no BIOPOLIS/CIBIO- InBIO da Universidade do Porto, Jorge, através da sua técnica apurada de fotoarmadilhagem, encontrou um covil, que aparentava ser de raposa. Estava localizado numa “pequena ilha de bosque misto”. E a descoberta foi de grande expectativa.
“A terra remexida denunciava o trabalho da mãe, e o ouvido na entrada da toca, captava tímidos e tenros sons das crias. A partir daí já sabia o que fazer, no entanto, também sabia que a atividade humana nessa ilha era existente, assim como a possibilidade de predação por um enorme navalheiro, que pude observar várias vezes a fucinhar a entrada”, contextualiza, lembrando que também o lobo, que por lá andava, poderia ser um predador.
E detalha: “O meu tempo com o set montado teria de ser extremamente curto, pela perturbação e para proteção do equipamento. Certamente não teriam um mês. As saídas da mãe eram mais numerosas e demoradas o que indicava que já estariam prontas para explorar. Eu sabia que o momento das pequenas exploradoras estava próximo. Então montei o set, duas noites no máximo. Configurações para não causar muita perturbação, cruzar os dedos e esperar”.
E “bateu certo”, recorda Jorge, explicando que foi este retrato que lhe permitiu receber o primeiro prémio do concurso de imagem, na categoria de mamíferos. Mas não se ficou por aí. É que o segundo prémio o concurso, na mesma categoria, também lhe foi atribuído, graças ao registo de uma Gineta nos carvalhais de Paredes de Coura. Ambas imagens foram captadas com fotoarmadilhagem noturna.
Um dos primeiros a registar uma marta e foto rara de gato bravo
Em 2016, Jorge conseguiu um dos maiores incentivos que lhe permitiram continuar a fotografar. Captou uma marta na zona do PNPG, tornando-se um dos primeiros portugueses a conseguir tal feito com recurso a fotoarmadilhagem. O registo acabou por ser publicado na edição portuguesa da National Geographic, à semelhança de outros trabalhos que foi fazendo, ao longo dos últimos anos.
A aventura na fotoarmadilhagem também recebeu outro incentivo importante, de um professor, da Universidade do Porto, ligado ao projeto CiBio. Desta feita, um projeto de fotoarmadilhagem para seguir martas e arminhos. “Foi aí que me senti mais realizado, porque percebi que o meu trabalho era útil e que estava a ser convidado para o fazer em outra escala”, contou. Infelizmente, a falta de fundos não permitiu que o projeto tivesse uma duração mais longa.
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Jorge tem também um registo de um animal raro, gato-bravo.
Caminhos cruzados
Jorge participou no projeto “O Lobo e o Homem: proteger, valorizar e sensibilizar”, um projeto do Município de Paredes de Coura que procura dar resposta a esta necessidade de intervenção. Durante esse período, e novamente através de fotoarmadilhagem, conseguiu registar animais (predadores e presas) como os lobos ou os corços a cruzarem os mesmos caminhos que os humanos. Publicou um vídeo com isso no YouTube, chamado “Caminhos Cruzados“, do qual também se orgulha.
“Durante o tempo que estive em Paredes de Coura andei a fazer seguimento de lobos e ao mesmo tempo ver como é que o lobo as pessoas e o resto dos animais interagiam. Foi interessante ver que os caminhos eram os mesmos, apenas algumas horas marcavam a diferença das passagens, acredito que cruzar-se-iam se tivéssemos os mesmos padrões de atividade. Há formas de coexistência e soluções e essas soluções deviam ser levadas mais a sério”, considera o fotógrafo de 37 anos.
E, em jeito de conclusão, salienta: “O conflito atual não permite a escolha entre o lado do lobo e o lado das pessoas. A opção é entre o lado do problema e o lado da solução. Todos podemos escolher continuar do lado do problema ou então arriscar e procurar o lado da solução. Para mim foi um grande privilégio. Conheci muita gente, é muito bom trabalhar em Paredes de Coura, é um município muito empenhado na preservação da natureza”.