Artigo de opinião
Rui Maia

Licenciado em História, mestre em Património e Turismo Cultural pela Universidade do Minho – Investigador em Património Industrial.
Tudo começa na alvorada do século XX, quando a família Cunha se encontra ligada ao mundo dos transportes, porém, um negócio mal solucionado remete-a para a bancarrota. É então que, António Cunha, o mais velho entre oito irmãos (entretanto órfãos de pai), toma as rédeas do destino. Nos anos quarenta do século XX embrenham-se novamente no mundo dos transportes (autocarros) e, a atual casa do Santoinho, consubstancia o papel de garagem. No termo da década organizam excursões turísticas e, passados dez anos, António Cunha funda a primeira agência de viagens do distrito de Viana do Castelo, tendo obtido as primeiras licenças de autocarros de aluguer em Portugal.
Nos anos sessenta o turismo de importação é impulsionado, pelo que a Agência de Viagens Irmãos Cunha (AVIC), despoleta a vinda de turistas provenientes da Inglaterra e da Holanda. Todavia, o turismo de sol e praia não bastava, urgindo criar novas oportunidades, então António abre a primeira boîte da cidade, inaugurando também o conceito de cruzeiros fluviais, impulsionando os primeiros restaurantes típicos da região.
Não obstante, em toda essa panóplia de empreendedorismo, António percebe que os usos e costumes regionais padecem de perda progressiva, urgindo potenciá-los, transformando-os em atrativo turístico. Nesse sentido, passa essa década de freguesia em freguesia, em particular nas que gozam de ranchos folclóricos e quintas para alugar, recriando regularmente os arraiais minhotos da sua infância. O sucesso é assim alcançado, porém, não configurando a fórmula mais adequada para um turismo mais programado antecipadamente, decide regressar a casa.
Em 1972, a casa dos irmãos Cunha transforma-se num palco de etnografia, cultura e gastronomia – o Santoinho é assim fundeado – ali bem perto do rio Lima, como um barco que atraca após a sua derradeira viagem, dando assim azo aos sonhos.
Além disso, nesse espaço pitoresco, idílico e sobremaneira autêntico, revive-se a cultura tradicional da labuta no campo, onde imperam as músicas e danças folclóricas, acompanhadas de petiscos à base de sardinhas, frango no churrasco, fêveras grelhadas na brasa e a tão típica broa, tudo isso regado com vinho verde regional, bem como o afamado champarrião, onde não poderia deixar de estar presente o saboroso e aconchegante caldo verde.
O Santoinho é uma viagem, uma paragem, uma estação ou apeadeiro, onde não faltam os elementos fundamentais que caracterizam a nossa cultura regional e nacional.

Ali se encontra estacionada uma locomotiva da CP – E54, construída pela firma Maschinen Fabrik Esslingen, fundada pelo alemão Emil Kessler, em 1837.

A locomotiva n.º 2193, é fabricada em 1886, o ano em que é inaugurada a Ponte Internacional sobre o rio Minho, entre Valença do Minho e Tui, na vizinha Galiza, término da Linha do Minho.
Todavia, apesar de estática, mesmo depois de no seu ventre padecer de todos os nervos, a velha locomotiva que outrora emitia o seu silvo e toldava a atmosfera de mensagens e progressos, continua a ser um elemento que nos permite viajar nesse espaço tão peculiar como a Quinta de Santoinho. Ali se vislumbra o Museu dos Transportes, narrando a diacronia do desenvolvimento dos meios de locomoção, e da própria família Cunha. Além dessa preciosidade, existe o Museu das Alfaias, repositório de utensílios ancestrais, que permitiram ao Homem ao longo de centúrias o trabalhar da terra e a respetiva subtração da sua subsistência. Entre noras, que não são família, mas sim engenhos para extração de água, espigueiros e outros artefactos, o Santoinho é uma mostra viva da nossa identidade, um palco de tradições, um baluarte de heranças e um guardião de memórias.
A sua importância e valor expressa-se nos números, pelo que no decurso de mais de cinquenta anos desde a sua fundação, a Quinta recebeu mais de cinco milhões de pessoas dos quatro cantos do mundo, em cerca de dois mil e quinhentos arraiais e mais de dez milhões de visitas no total dos seus espaços.
Em cada arraial consomem-se cerca de 12.000 sardinhas, 1000 frangos, fêveras de 40 porcos, 600 quilos de broa e 2500 litros de vinho branco e tinto, onde são utilizadas aproximadamente 30.000 peças de louça e 10.000 guardanapos de papel.
Este breve itinerário descritivo não dispensa a visita à Quinta de Santoinho, cujas riquezas vão muito para além de tão curto horizonte, onde muito mais há que apreciar e fruir, saciando todos os sentidos da natureza humana.
Santoinho arraial minhoto,
onde tocam concertinas.
Ao sabor de velhos pratos,
se consolam as meninas.
As dos olhos, as do ventre,
Santoinho, meu Santoinho.
És radiante e contente!