Um programa de inclusão digital para adultos está a decorrer em várias escolas secundárias do país. Em Braga, é na Escola Carlos Amarante que jovens alunos voluntários, em sala de aulas, todas as semanas e gratuitamente, dão formação a adultos sobre como interagir com o mundo online. Chama-se ‘Muda na Escola’ e O MINHO foi conhecer os pormenores.
José Ferreira, “a caminho dos 65 anos”, já está sentado com um computador à frente. Veio da freguesia de S. Mamede, depois de se inscrever no projeto por “sugestão da família”.
“Gosto muito de saber coisas novas e isto da internet tem muito que se lhe diga”. Apesar de já ter uma ou outra aplicação instalada, por um familiar, no telemóvel, “há muitas outras coisas que se podem fazer e que me podem vir a ser úteis”.
À sua frente estão o João e a Inês, alunos do 12º ano da área de Humanidades. Preparam a aula enquanto se espera por Manuel Ferreira, mais um sénior que se inscreveu. Acabaria por não aparecer.
Aula personalizada
“A ideia do projeto é que para cada sénior haja um aluno disponível para iniciar uma série de procedimentos sobre como usar a internet de forma consciente”, dizem os promotores do ‘Muda na Escola’.
“Se tivermos em conta que o futuro passa pela desmaterialização de processos, os idosos serão os mais prejudicados porque quase não têm acesso à internet ou não sabem como mexer”.
João e Inês começam por explicar o que é um motor de busca, qual o mais conhecido e o que se pode pesquisar. Google conhecido parte-se para os casos práticos.
“O Sr. José pode pesquisar conselhos sobre saúde, nomeadamente os sintomas, para, depois, facilitar a sua comunicação com o médico”, diz Inês que se apressa a mostrar as diferenças entre um site “fiável” de outro “cuja informação é mais duvidosa”.
Sites públicos
A aula continua para a simulação de consultas on-line, pedidos de receitas; horários de transportes ou compra de bilhetes; depois é o portal do cidadão que é dissecado onde José Ferreira fica a conhecer como renovar o bilhete de identidade ou pedir uma certidão.
O posto seguinte são as finanças, há ainda a passagem pela justiça, terminando na Bolsa Nacional de Voluntariado. “Todos estes sites permitem-lhe não ter que se deslocar aos sítios, nem ficar em filas só para pedir um documento ou uma receita”, diz João.
As promoções de produtos em ‘grandes superfícies’ também foram afloradas: “pode comprar on-line e pedir para entregar em casa e paga nessa altura”. José, fã de Zé Amaro e Canário, teve oportunidade de pesquisar os próximos concertos, tem “muitas reticências em divulgar os meus dados”.
Os dois jovens, “percebendo os seus receios”, dizem, no entanto, que “nestes sites públicos os riscos são muito menores”. José, que já usa o telemóvel para alguns procedimentos, quis ainda saber se no computador os passos são iguais.
Aniversário da neta
José Ferreira ainda teve oportunidade de simular uma reclamação para o Presidente da sua Junta. “Não sou muito viciado ‘nisto’, vou quando posso”. Curiosamente, no dia da reportagem de O MINHO, a neta de José estava de aniversário: “aproveitei o Facebook para lhe dar os parabéns”.
Com a aula a chegar ao fim, o adulto ficou “a saber mais uma quantidade de coisas que me podem ser muito úteis mas reconheço que ainda me falta muito para estar mais ‘envolvido’ nisto”.
Inês e João
Inês Azevedo e João Borges foram os professores desta sessão. Pertencem ao projeto de voluntariado da Carlos Amarante. “Vieram cá os responsáveis pelo projeto ‘Muda na Escola’, nós gostamos do que ouvimos e decidimos aprofundar os conhecimentos”.
Têm umas notas como ‘cábulas’ com algumas dicas mas “as aulas dependem sempre das pessoas que aparecem e do conhecimento que têm sobre as novas tecnologias”. No total, são 16 alunos do 12º que estão envolvidos com o ‘Muda na Escola’.
Por isso, “podemos ir rodando por todos, em função das nossas disponibilidades e do número de adultos” porque, como já foi referido, o projeto prevê que cada adulto tenha um aluno professor.
“Para nós, esta é uma excelente ideia. Nós, porque estamos muito habituados à internet, podemos explicar de forma mais prática, com uma linguagem mais simples e até perceber algumas dúvidas que eles possam ter”.
João Borges que quer seguir criminologia em Inglaterra e Inês Azevedo que pensa em Ciências da Comunicação como futuro, encaram o voluntariado como “uma forma de ajudar pessoas. Até porque nós, no futuro, podemos vir a precisar e não sei se vamos ter projetos assim”.
Dados nacionais
Segundo dados nacionais disponibilizados pelo projeto, mais de dois milhões de portugueses nunca usaram a internet e quatro milhões fazem uma utilização muito básica.
Celiana Azevedo, da Universidade Nova, reconhece que “a capacidade de usar tecnologias digitais, em particular, a internet pode ser considerada uma habilidade essencial para ser viver em sociedade e as pessoas mais velhas ficam em desvantagem quando não possuem competências suficientes para gerir e avaliar as várias fontes de modo a facilitar as actividades do quotidiano”.
Para a investigadora em Ciências da Comunicação, “o uso das TIC pode fazer parte de um processo de optimização de oportunidades para a participação social das pessoas mais velhas ao proporcionar maior independência, pois esse uso é cada vez mais essencial para fazer frente aos diversos constrangimentos que podem acompanhar o processo de envelhecimento avançado”.