Amantes das viagens espaciais rejubilam, esta quinta-feira, com quatro foguetões a serem lançados em direção à atmosfera. Um deles com um português – e um grande passo para Portugal – que passa assim a frequentar o clube dos países com cidadãos que já foram ao Espaço. Pode assistir a lançamento, viagem e aterragem aqui ou no vídeo embutido no topo deste artigo.
Na cabine da CS-22, o empresário Mário Ferreira, com fortes ligações económicas a Viana do Castelo à conta de lá mandar construir navios oceânicos para a sua empresa de turismo, torna-se no primeiro turista espacial português e o primeiro a atingir os 100 quilómetros de altitude, onde comprova o ‘peso’ (ou a falta dele) da gravidade zero e que a Terra realmente é esférica.
O dono da Douro Azul é um dos seis tripulantes da 22.ª viagem espacial da empresa Blue Origin (Jeff Bezzos/Amazon), e a sexta com tripulação, que parte esta quinta-feira, de Corn Ranch, no Texas (14:50 em Portugal), rumo aos limites exteriores da atmosfera terrestre, onde permanece durante 11 minutos numa viagem suborbital de turismo espacial, sem pilotos, apenas uma janela para cada tripulante apreciar a vista.
“Efeito-tripa”
Nos últimos dias, o empresário que detém a Mystic Cruises – um dos principais clientes dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, onde já vai na construção do quarto navio oceânico em quatro anos – esteve na “vila dos astronautas”, no Texas, EUA, em preparação para a viagem. Neste caso, como se trata apenas de uma passagem com onze minutos, não há necessidade de preparativos extremos para problemas como a redução óssea, mas há sempre o “efeito-tripa”, popularizado pelo cientista brasileiro Sergio Sacani, que expõe as fragilidades do corpo humano na viagem pelo cosmos.
Durante a viagem de ida, o corpo suporta velocidades de dezenas de milhares de quilómetros por hora (cerca de 11 quilómetros por segundo), com o “efeito-tripa” a ser testado. É comum, tanto em voos turísticos como para a Estação Espacial, que algum elemento da tripulação desmaie durante a viagem.
“O treino tem sido muito intenso, ontem [terça-feira] foram 13 horas seguidas, hoje umas 12. O treino nesta fase é muito assente nas questões de segurança e repetição de movimentos”, disse o empresário à agência Lusa, na quarta-feira, um dia antes da viagem, acrescentando que os tripulantes já têm noção do tempo e “das forças adversas” que sentem no corpo.
Os astronautas
Ainda que amadores, os elementos da tripulação não só ‘vestem a pele’ (e o fato) de astronauta, como passam a ostentar esse nome, pois viajaram no Espaço.
Após uma consulta por entre a imprensa internacional e portais de astronomia e aeroespacial, é possível perceber que Mário Ferreira, arguido na “Operação Ferry”, que investiga eventuais crimes de fraude fiscal qualificada e branqueamento no negócio da compra e venda do navio Atlântida é, a par do youtuber norte-americano Coby Cotton, o destaque por entre os aventureiros desta viagem. A esse facto não será estranho terem sido os dois autorizados a captar imagens, talvez por estarem os dois ligados profissionalmente ao audiovisual (Mário Ferreira é dono da empresa que detém a maioria da TVI e da CNN Portugal).
Para além dos dois empresários, viajam ainda Sara Sabry, a primeira egípcia no Espaço (e cujo o bilhete foi pago integralmente por uma ONG criada para oferecer este tipo de viagens), de Vanessa O’Brien (primeira mulher a escalar o Everest), do engenheiro Clint Kelly (responsável pelas bases dos carros autónomos), e do empresário das telecomunicações Steve Young.
Sentado numa ‘bomba’ com quase 50 toneladas de hidrogénio
É, de igual modo, bom lembrar que o português, juntamente com os seus cinco companheiros de viagem, sentou-se numa autêntica ‘bomba’: 48,5 toneladas de peróxido de hidrogênio e 5,8 toneladas de querosene RP são o propelente do foguete espacial reutilizável New Shepard, com onze metros de altura, construído pela Blue Origin propositadamente para turismo e para lançamentos suborbitais.
O foguetão serve para impulsionar a cápsula tripulada (que fica no topo do foguetão). Quando é atingida a velocidade certa para que a cápsula faça o voo sozinha, o foguetão desencaixa da nave e regressa à base, onde aterra verticalmente de forma autónoma, enquanto a tripulação prossegue acima dos 100 quilómetros, na cápsula, durante cerca de 11 minutos até reentrar na atmosfera terrestre, prosseguindo à aterragem com ajuda de paraquedas e de um motor que reduz a velocidade para até oito quilómetros por hora.
100 quilómetros já é espaço?
Esta questão – um voo suborbital é considerado um voo no Espaço? – vai sendo debatida por especialistas, sobretudo por entre a comunidade astronáutica, habituada aos cerca de 400 quilómetros de altura da Estação Espacial Internacional. Mas as viagens da Blue Origin (e da Virgin, que também se dedica ao turismo espacial) são reconhecidas pela Federação Internacional de Aeronáutica como idas ao Espaço. E a altura de 100 quilómetros acima do nível do mar já faz parte da influência espacial, algo que é amplamente reconhecido por entre a comunidade internacional.
Quatro lançamentos num só dia
Conforme descrito no início deste artigo, este dia 04 de agosto de 2022 é importante para Portugal, mas também para quem se interessa por assuntos aeroespaciais. Para além do New Shepard, são lançados dois satélites e um radar sul-coreano (com lançamento a cargo da SpaceX, de Elon Musk) em direção à Lua para sondar campos magnéticos e encontrar eventuais locais de alunagem para missões futuras do país mais a Sul da península coreana.