Ainda existe uma atitude passiva, na região do Minho, em relação aos refugiados. Maria João Faria desenvolveu um estudo, no âmbito da tese de mestrado, junto de famílias de refugiados, em Guimarães.
“Penso que ainda existe muito a mentalidade e a atitude passiva em que não se discrimina, mas também não existe aquela proximidade e preocupação em conhecer a realidade”, referiu a investigadora contactada por O MINHO, ainda que “na generalidade, os refugiados sejam relativamente bem recebidos e integrados”.
“Obviamente” que as questões políticas têm influência no acolhimento dos refugiados.
“Portugal ainda acolhe, mas para que o acolhimento possa ser mais efetivo, devemos deixar de lado o egoísmo e o preconceito. Existe receio ou preconceito em ajudar a integrar estas pessoas que passaram e passam por situações em que não imaginamos sequer o sofrimento”.
A nível mais local, nas autarquias, nos gabinetes de apoio aos migrantes, dever-se-ia questionar sobre “a forma como podemos ajudar estas famílias. Existem associações, lojas sociais, apelos no Facebook de voluntários que ajudam diariamente refugiados. Basta parar para refletir e termos de fato vontade de ajudar”.
Maria João Faria foi a primeira mestre em educação não formal de adultos em Portugal com refugiados. “No último ano do mestrado é-nos dada a oportunidade de escolher um público-alvo para fazermos o nosso estágio, que tem a duração de aproximadamente nove meses. Escolhi então os refugiados”.
Os primeiros contactos surgiram através da Segurança Social que indicou duas famílias. “O trabalho de intervenção foi sendo feito nas residências dessas famílias e em algumas cidades portuguesas”.
Uma das famílias é oriunda do Congo e a segunda, um casal cujo marido é do Bangladesh e a esposa da Ucrânia.
Dificuldades
Maria João Feria reconhece que, na fase inicial sentiu “algumas dificuldades sobretudo por parte da segunda família, oriunda da Ucrânia, que demonstrou alguma resistência em ser ajudada e em compreender a minha função”.
Segundo a investigadora “a família tinha um historial complicado, pois já haviam sofrido de racismo e discriminação em três países onde não conseguiram integrar-se”.
Por isso, foi necessário conquistar a confiança “com pequenos gestos”, que passaram por aulas de português, à recolha de brinquedos e alimentos, ou à organização de almoços de convívio com outras famílias refugiadas”.
Para além da comunicação verbal, também o problema da cultura religiosa se levantou: “dada a variedade na cultura religiosa das famílias (islâmica, católica evangélica e ortodoxa), senti alguma dificuldade em realizar algumas visitas guiadas em que estivesse incluída a visita a santuários ou monumentos religiosos católicos”.
IntegrArte
A experiência com refugiados levou à criação de um projeto comunitário intitulado: IntegrArte. “Não é mais do que inserir a arte como uma estratégia de inclusão de pessoas refugiadas na nossa sociedade”.
E sendo Maria João uma pessoa ligada à educação, “acredito que a educação e a cultura podem ajudar na mudança de mentalidades e a melhorar o mundo”, o projeto teria que integrar as duas componentes.
O ‘IntegrArte’ foi realizado nas residências das famílias e em várias cidades portuguesas. “Criei um atelier de língua portuguesa para que estas famílias aprendessem a ler e a escrever em português pela via não-formal, através do alfabeto analógico. Diariamente, conciliando com horários de trabalho e das aulas das crianças, auxiliei na questão oral e escrita destas famílias, para que assim tivessem uma melhor integração na nossa sociedade”.
A gastronomia foi outro ponto de união: não só “para incitar uma maior proximidade com a sociedade portuguesa e dar a conhecer a cultura e as tradições portuguesas” mas também para que as famílias pudessem mostrar a sua cultura.
Há ainda um atelier de jogos, que “teve também um forte impacto neste projeto”, realizado em parceria com Alberto Pereira da Associação Cidade Curiosa de Braga e com o projeto Integration Game desenvolvido pelo Nuno Pedro Fernandes, onde foram desenvolvidas várias sessões de jogos de tabuleiro com estas famílias.
A música não podia faltar com quem Maria João tem uma relação muito próxima, com a criação de um atelier, “em que as famílias escreveram uma letra com os três idiomas. As famílias criaram também a melodia para essa letra, e assim se criou um tema musical”.
Moreira de Cónegos
Maria João Faria começou o seu percurso escolar em Moreira de Cónegos onde esteve até ao terceiro ciclo e conciliando a música, aulas de guitarra e canto. O Secundário foi em Vizela e na área de Línguas e Humanidades.
No final do ensino secundário, concorreu para o curso Ciências Musicais na Universidade do Minho, contudo “não passei numa das provas e como adorei desde sempre a áreas das letras e a área social, falaram-me do curso de Educação na Universidade do Minho, achei que poderia aliar, no futuro, a música e qualquer tipo de arte à educação e vice-versa”.
Neste momento realiza um estágio profissional como animadora sociocultural na Santa Casa da Misericórdia de Vizela, no Lar Torres Soares e no futuro, “gostaria de continuar a trabalhar com refugiados, mais especificamente no auxílio à integração e empoderamento deste público”.
Escolha dos refugiados
Antes de iniciar o estágio, na fase em que estava a decidir o tipo de público e intervenção que iria desenvolver, a orientadora, Professora Doutora Clara Costa Oliveira, sugeriu a intervenção com refugiados.
“Nunca me tinha ocorrido intervir com este público, pois até então, ninguém do mestrado de EAIC tinha elaborado um projeto de mestrado com refugiados. Decidi agarrar o desafio, pois considerei o tema tão pertinente e ao mesmo tempo carente de intervenção por parte de profissionais desta área”.
Conheceu de forma mais aprofundada a situação e a crise dos refugiados em Portugal e no mundo, bem como a situação geopolítica e socioeconómica destes países.
“A questão cultural e religiosa, teve também um forte impacto na minha intervenção pois trabalhei com três religiões e nacionalidades diferentes, consequentemente aprendi imenso sobre a religião destas famílias e as suas tradições”.
Não se arrependeu: “foi das melhores experiências da minha vida”.