Os 50 voluntários que compareceram, no passado sábado, no canil de Guimarães, surpreenderam Isabel Rodrigues vice-presidente da Sociedade Protetora dos Animais de Guimarães. “Mas são bem precisos, porque, de outra forma, há animais que não vêm a luz do dia durante semanas a fio”, conclui.
Estão entre 80 a 90 cães no Centro de Recolha Oficial (CRO) do Município de Guimarães. Há 46 que estão numa ala em tudo semelhante à pior prisão que se possa imaginar. São dois corredores estreitos, ladeados por jaulas exíguas, onde os animais ficam durante dias consecutivos, num espaço em que os maiores têm até dificuldade de dar uma volta completa. Há apenas duas jaulas com o dobro do tamanho para animais de maiores dimensões, como o Snow, um gigante de pelo branco que “felizmente já foi adotado”.
O canil até tem parques exteriores de dimensões generosas, mas os animais têm proveniências muito diversas e não podem ser reunidos num cercado todos juntos, por questões de socialização. Nos parques estão meia dúzia de felizardos porque têm um feitio mais dócil ou porque são mais sociáveis. A grande maioria está nas jaulas, num ambiente escuro e permanentemente desassossegados pelo imparável ladrar dos outros animais frustrados.
Mesmo nestas jaulas, o canil já não tem mais espaço, há uma cadela que foi esterilizada a convalescer na zona destinada aos banhos e uma zona de gatil está transformada em enfermaria para cães.
As obras estão prometidas há anos
“Se houvesse mais divisórias nos parques exteriores, não era preciso ter tantos animais presos”, esclarece Isabel Rodrigues. As obras no Canil/ Gatil Municipal são uma luta antiga da SPAG e estão prometidas pela Câmara de Guimarães há vários anos, mas tardam em avançar. Em fevereiro de 2020, a vereadora Sofia Ferreira – que tem sob a sua alçada o CRO – avançou com a informação de que a autarquia só estaria à espera da entrega do projeto final, sujeito a modificações, “tendo em conta a alteração da legislação.” Contudo, passado dois anos, o Município ainda não se comprometeu com uma data para o arranque das obras.
Outras das reclamações da SPAG está relacionada com os horários do canil e com as facilidades de acesso aos voluntários da associação. “Só podemos estar no canil quando ele está aberto ao público, ou seja, das 9:30 às 12:00 e das 14:00 às 15:30, durante a semana e ao sábado das 9:30 às 11:30. Durante a semana, nestes horários, os nossos voluntários estão a trabalhar, portanto, não é possível trabalhar com os animais. “Devia haver mais horários pós-laborais e ao fim de semana”, queixa-se Isabel Rodrigues.
Este sábado todos os animais passearam, porque as notícias criaram uma onda de solidariedade que fez com que o grupo aumentasse de quatro ou cinco para 22, há dois fins de semana, e para 50 agora. “Hoje todos os animais saíram, mas esta não é a norma. O que acontece é que os voluntários chegam aqui e, como só têm duas horas e há 46 animais para levar à rua, fazem escolhas. Levam a passear os que estão em pior estado, os outros têm que aguentar mais uma semana”, lamenta Isabel Rodrigues.
Apesar de serem muitos, todos os animais têm nome e, na grande maioria dos casos, são meigos. Os voluntários que vieram pela primeira vez descrevem uma experiência ótima. “Sentia muita falta, sempre tive animais, agora não tenho condições e esta foi uma forma de conviver com eles durante um bocado”, conta Anita Domenico. Nos arredores do canil há dezenas de pessoas com um ou dois cães pela trela, os animais irradiam felicidade, depois de uma semana em cativeiro, e as pessoas, muitas delas com crianças, parecem contagiadas pela alegria dos bichos.
A SPAG vive muito da boa vontade destes voluntários, seja pelo tempo que dedicam ou mesmo pelas contribuições. “Há animais que estão em tão más condições que não podem vir para um lugar como este”, refere Isabel Rodrigues. Foi o caso do Jaime, um cão que esteve, durante dois anos, desde que nasceu, preso com uma corrente de meio metro. “Se saísse de uma prisão para vir para outra não valia a pena”, afirma a dirigente da SPAG. Nestes casos, valem os padrinhos e madrinhas que, com o seu contributo, permitem colocar estes animais em santuários. Como o Pedro e da Juliana, emigrantes na Bélgica, que frequentemente ajudam a SPAG nestas situações. “Como estamos longe não podemos estar sempre presentes nas ações, mas procuramos ajudar como podemos”, diz Pedro, com a filha do casal, a Mafalda, ao colo.
A enfermeira veterinária Rafaela Rocha traça o perfil dos animais que vêm parar ao CRO: “cachorros abandonados, mais fêmeas, no caso dos gatos, ninhadas a partir desta altura, dois meses depois do cio das gatas”. Depois de 2019, por lei, todos os cães deviam ter microchip, para os gatos o prazo de adaptação acaba em outubro deste ano, todavia, não faltam animais no canil sem qualquer tipo de identificação.
Esterilização de gatos atrasada
No caso dos gatos, o programa CED (capturar-esterilizar-devolver) é a solução que está em marcha para controlar os grupos de animais de rua, explica a enfermeira. A SPAG reconhece que é uma boa medida, mas sublinha que está atrasada e que é preciso abrir a possibilidade de as esterilizações serem feitas por clínicas particulares, uma vez que, “a veterinária municipal sozinha não consegue”. Os gatos que são alvo deste programa são marcados com um corte na ponta da orelha, de forma a serem reconhecidos, para não voltarem a ser apanhados.
Os gatos capturados são também testados para a FIV (imunodeficiência felina) e para FELV (leucemia) e, no caso de darem positivo, não podem ser libertados novamente, contudo, também não podem ser mantidos no gatil, porque a lei não o permite. Estes animais têm que ser abatidos. A SPAG acha que esta é uma lacuna na lei e que os gatis deviam criar condições para isolar estes animais.
Quem adota um animal no CRO de Guimarães, já o leva com as principais vacinas, com a desparasitação e com o microchip. As pessoas que quiserem ajudar, como voluntários, podem inscrever-se até quarta-feira de cada semana, através das redes sociais da SPAG.
No final da manhã de sábado, os animais voltam às jaulas cansados, mas felizes. Se, nos próximos fins de semana o número de amigos humanos voltar a cair, os cães voltam a passar semanas consecutivas sem ver a luz do sol. A SPAG apela à participação de todos os que puderem ceder um pouco do seu tempo a esta causa.