Ponte Pênsil do Porto e Vila Nova de Gaia (1841-1887): Obra de Arte do nosso património industrial desaparecido

Ponte Pênsil do Porto e V. N. de Gaia (1841-1887)

ARTIGO DE OPINIÃO

RUI MAIA

Licenciado em História, mestre em Património e Turismo Cultural pela Universidade do Minho – Investigador em Património Industrial

Em 1837, o Governo adjudica aos empreiteiros Clarange Luccotte & C.ª a construção da estrada real de Lisboa ao Porto, contratando ao mesmo tempo, a construção de uma ponte suspensa, a fim de substituir a existente. O contrato é aprovado por lei de 7 de abril daquele ano, sendo ratificado por escritura em 5 de maio seguinte. Os proponentes apresentaram dois projetos, sendo um deles dos engenheiros Mellet e Bigot, que a situavam entre a rua de S. João e a rua Direita, em Vila Nova de Gaia. Todavia, nenhum desses projetos foi adotado, decidindo-se por último e por parecer do inspetor-geral das obras públicas, Luiz da Silveira Mouzinho de Albuquerque, que a ponte se construísse mais a nascente da antiga, entre os sítios do Penedo, do lado de Vila Nova de Gaia, e dos “Guindaes”, do lado do Porto.

No dia 2 de maio de 1841 inauguram-se as obras com toda a pompa e circunstância, coincidindo com o aniversário da Rainha D. Maria II, estando presentes todas as autoridades do Porto e de Vila Nova de Gaia. No dia 4 de janeiro de 1843 são realizadas as primeiras experiências de resistência, em que se colocam pipas cheias de água dos dois lados do tabuleiro, ao longo de um período de 16 horas. No início de fevereiro todos os trabalhos se encontravam executados, podendo a ponte ser aberta à circulação, porém, como se aguardava a ordem do Governo, a qual devia chegar no dia 10 ou no dia 12, decide a firma construtora dar ao ato de inauguração todo o aparato, tencionando solicitar a comparência das autoridades, das tropas da guarnição, etc., não obstante, uma cheia repentina ocorre no dia 17, obrigando ao desmanche da antiga Ponte das Barcas, fazendo gorar as solenidades, obrigando a que a Ponte Pênsil fosse aberta ao trânsito, o que se verificou em 18 de fevereiro de 1843.

A ponte de que se trata foi construída na antiga praia de Miragaia, onde hodiernamente existe o edifício da Alfândega, cuja construção durou um ano, nove meses e quinze dias.

A firma Clarange Luccotte & C.ª organizou um consórcio de acionistas para levar a efeito a construção da Ponte Pênsil, sendo usufruída pela referida firma pelo espaço de trinta anos, entregando-a ao Governo em 1876. Ao longo de muitos anos foi arrematante dos direitos de portagem o falecido João Coelho de Almeida, ganhando o epíteto de “Coelho da Ponte”.

A Ponte Pênsil possuía 166,70 m de comprimento e 6 m de largura, tendo os passeios 1 m de largura cada um. Elevava-se 10 m acima do nível das águas do rio Douro. O tabuleiro estava suspenso através de oito grossas amarras de arame de ferro queimado, coberto por uma espessa camada de verniz. As amarras, passavam quatro de cada lado, por sobre quatro obeliscos de granito, de 18 m de altura, 3,2 m de largo na base e 1,8 m na extremidade. Os obeliscos eram conectados entre si por uns tirantes de ferro em que se lê a legenda “D. Maria II – 1842”. As amarras encontravam-se chumbadas em rocha viva, a grande profundidade do solo, com chumbadouros dentados. Dessas amarras pendiam outras perpendicularmente mais delgadas em número de 211, sendo 108 do lado nascente, e 103 do lado poente, que seguravam pela extremidade as vigas sobre as quais assentava o tabuleiro elaborado em madeira.

Até 1806, as comunicações entre o Porto e Vila Nova de Gaia faziam-se através de barcos adequados ao transporte de mercadorias e passageiros. Todavia, tratava-se de uma solução onerosa e dependente do temperamento do rio Douro que, amiúde, se enervava e agigantava causando as temidas cheias. A população pede ao Governo uma solução, a fim de obviar o problema, razão pela qual em 14 de agosto de 1806 é inaugurada a Ponte das Barcas – dia da Senhora do Pilar.

A ponte era de cerca de mil palmos de comprimento, compondo-se de 33 barcas ligadas entre si por fortes cadeias de ferro, subia e descia com as marés, abria-se para dar passagem ás embarcações de maior lotação e desmanchava-se e restabelecia-se quando isso era necessário”.

Em 1887 é inaugurada a Ponte Luís I, e desmontada a Ponte Pênsil, que durou cerca de 46 anos, da qual pouco mais resta para além dos seus pilares.

A Ponte Pênsil representa um importante elemento desaparecido do nosso riquíssimo património industrial, merecedor de memória, cujas repercussões não se circunscrevem às cidades do Porto e de Vila Nova de Gaia, estendendo-se ao país, como ponto de passagem e comunicação fundamental.

 
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