“Já está tudo a andar”. Quatro anos depois, a tradição da Páscoa, em Fontão, Ponte de Lima, vai ser retomada, após o interregno forçado pela pandemia de covid-19. Norberto Fernandes, o mordomo da Cruz que tinha sido escolhido em 2019, manteve-se firme no desejo de, como manda a tradição, dar de comer a toda a freguesia no domingo de Páscoa e passar o testemunho.
O empresário que, juntamente com os filhos, gere um negócio de carpintaria, lamenta este interregno, recordando que a tristeza por a tradição não se realizar “não foi só para o mordomo, foi para toda a gente”.
Porém, manteve a determinação de levar isto em diante, ainda que “com um bocado de sacrifício”, porque, entretanto, faleceram parentes próximos que gostava que estivessem presentes. “Quem eu gostava que cá estivesse já não está: o meu pai, os meus sogros. Mas vamos fazer o que a freguesia merece, porque isto não é nosso, é da freguesia”.
No ano passado, à Lusa, Norberto Fernandes não escondia a “tristeza” pelo adiamento da tradição pascal, em 2020, para homenagear o sogro, na altura com 87 anos de idade, pelos 50 anos de ter sido mordomo da Cruz. “Tínhamos tudo preparado para fazer uma homenagem ao meu sogro. Estamos a fazer tudo com tanto gosto e foi tudo por água abaixo. O meu sogro morreu sem que lhe fosse feita a homenagem e, um mês depois, morreu o meu pai, que não vai ver o filho ser mordomo da Cruz”, desabafou.
O facto de perder esses familiares “mexeu muito” com Norberto Fernandes, que no entanto garante a entrega do ramo, ou seja a escolha do próximo mordomo, “com dignidade”. “Lógico que não há a alegria que haveria [se tivesse os referidos familiares vivos], mas vamos fazer isto”, vinca.
Ainda sem ter um número de convivas definido, o mordomo aponta para os 400/450, mas, por precaução, “há mesas para 500 e tal”.
Na freguesia, as pessoas já “está muito entusiasmadas” com o regresso da tradição. “O Fontão merece”, salienta Norberto Fernandes.
Tradição remonta ao século XIX
A tradição remonta à segunda metade do século XIX foi tomada pela freguesia, em reuniões que envolveram o pároco, a comissão fabriqueira e a população da aldeia.
A tradição secular realiza-se no domingo, com um almoço de Páscoa, que antes da pandemia chegava a juntar meio milhar de convidados.
O menu da refeição tem de incluir, entre outras iguarias, a canja de galinha velha, filetes, cabrito e a doçaria tradicional da Páscoa.
A escolha do mordomo do ano seguinte é sempre um dos momentos altos da refeição.
A mulher do anfitrião, braço direito na organização do evento, sobretudo no que diz respeito à ornamentação do espaço onde é servido o almoço, tem ainda a tarefa de entregar um raminho de laranjeira ao novo mordomo.
De ramo da cruz na mão, a mulher do anfitrião percorre as diversas mesas, simulando deixá-lo aqui e ali e pregando vários sustos aos convivas, até o depositar definitivamente nas mãos do eleito.
Além de dar de comer a quase toda a freguesia, o mordomo tem ainda que, durante um ano, assegurar a limpeza da igreja e os serviços do sacristão.
“É um momento que nos diz muito porque quando entregamos o ramo a um amigo ou colega para assumirem a função de Mordomo da Cruz, temos de o fazer como manda a tradição. Não é não fazer nada e só entregar o ramo da cruz. Isto é uma festa do povo porque a Páscoa, em Fontão, tem tradição. Se não for como se fazia até 2019 [antes da pandemia] não vale a pena”, salientava, em 2022, aquando do terceiro cancelamento consecutivo.
Nessa ocasião, lembrou que, antigamente, “havia a vaidade de só convidar as pessoas importantes da aldeia. Mas comigo não. Vai o povo todo porque é um festa do povo”.