O “saco preto” da Associação das Feiras Novas abriu uma ‘caixa de Pandora’ que promete chamuscar o executivo municipal de Ponte de Lima nos próximos meses.
As alegadas irregularidades denunciadas pela vice-presidente, Mecia Martins (CDP-PP), ao jornal Alto Minho, já estão no Ministério Público por iniciativa do Partido Socialista local.
Mecia Martins revelou, na última Assembleia Municipal, que “ainda não” enviou as denúncias para as instâncias judiciais “por não ter reunido as provas todas”. Instada a comentar as suas declarações por António Carlos Matos, do PS, a vice-presidente, numa atitude inédita, assomou ao parlatório para esclarecer o que tinha dito, acabando por confirmar quase tudo.
Vamos ao início do caso. Mecia Martins, numa entrevista ao Alto Minho, lançou uma série de insinuações e levantou um conjunto de suspeitas sobre a associação presidida por Ana Machado, sua colega do CDS na vereação. Entre outras coisas e a propósito da concessão dos parques estacionamento à Associação, por altura das festas, a vice-presidente referiu que “é uma situação que me incomoda. Tem que vir tudo discriminado. Não posso compactuar em atirar o dinheiro do povo para dentro de um saco preto”.
A não apresentação das receitas dos parques nem das contas da Associação dos anos de 2017 e 2018 mereceram também críticas. “Eu ainda hoje estou sem saber as contas do ano passado, porque não foi apresentado o relatório. E eu não me sinto bem, porque nós fomos eleitos para olhar pelos interesses do concelho e temos de saber o que se passa”, afirmou.
PS envia para o Ministério Público
Ora foram estas e outras declarações que agitaram as ondas políticas de Ponte de Lima e levaram o deputado municipal do PS, António Carlos Matos, a pedir um conjunto de documentação ao executivo municipal, entre eles os estatutos da Associação e os relatórios de contas de 2017 e 2018.
O PS anunciou, também, que tinha enviado as declarações de Mecia Martins para o Ministério Público por considerar “haver acusações graves e merecedoras de uma investigação judicial”.
Na Assembleia Municipal, no passado sábado, o deputado socialista tomou em mãos o assunto e pediu uma série de esclarecimentos sobre esta matéria.
“Ao dizer que a Associação não apresentou nem aprovou as contas, a vice-presidente acusou o presidente da Câmara, como presidente da Assembleia Geral da Associação, de não ter feito cumprir a lei, e insinuando a existência de possíveis actos de corrupção da presidente da Associação, sua colega vereadora”, lembrou o socialista.
Depois de questionar Mecia Martins se já tinha sido consequente com os seus actos e pedido uma investigação judicial, António Carlos Matos lançou um desafio a Vitor Mendes: “não é possível ter, em simultâneo, confiança política de quem está sentado ao seu lado direito (Mecia) e ao seu lado esquerdo (Ana Machado). Se as acusações são falsas a vice-Presidente não pode continuar, se são verdadeiras a vereadora Ana Machado, tem que ser exonerada”.
Aproveitando a máxima do CDS/PP na campanha, “estabilidade e confiança”, o socialista deixou mais umas farpas: “se há coisa que não existe neste caso é a estabilidade e confiança”, pedindo ao autarca que acabe o mandato com dignidade.
Mecia responde
Num momento inédito, a vice-presidente quis ‘dar o troco’ e, para além de reiterar algumas ideias, fez mais revelações.
“Já votei verbas sem ter as contas aprovadas porque eram tantas coisas para ver que não tinha tempo para ler ao pormenor os dossiers. Com o tempo, fui conhecendo os dossiers com mais profundidade”.
A vice-presidente disse que “continua sem saber a renda fixa da Associação em relação aos parques de estacionamento. O que sei é que a Feira Semanal rende 15 mil euros para a autarquia e o valor das taxas é público”.
Mecia Martins negou falta de lealdade, “é mentira que não seja leal, sou frontal para o bem da transparência, para que tudo fique certo” e revelou: “todos sabem, antecipadamente, qual é a minha intenção de voto na reunião de câmara”.
Ana Machado: “A associação tem que apresentar contas”
A presidente da Associação das Feiras Novas e também vereadora do CDS, Ana Machado, subiu ao parlatório para dizer de sua justiça, num discurso mais emotivo mas bastante esclarecedor.
“As Feiras Novas não são da Câmara, da Associação ou das colectividades, são de Ponte de Lima”, começou por dizer garantido que “a Associação tem obrigação de apresentar as contas e quem chega de novo tem que se inteirar do que se passa”.
Segundo Ana Machado, “sempre tive o apoio para todas as decisões que foram tomadas”, nomeadamente, no que se refere às taxas do terrado, decisão tomada há dois anos. “Os parques de estacionamento são todos da Câmara”.
A propósito acrescente-se que segundo os relatórios de contas, os parques deram um lucro em 2017 e 2018 de dez mil euros, três no primeiro e sete mil euros no segundo ano. “As Feiras Novas são apartidárias e não são políticas”, garantindo que se sente “bem ao lado do presidente”.
“Mantenho a confiança política nas duas”
Vitor Mendes entrou no debate e começou para manifestar manter “a confiança política nas duas vereadoras” e lembrou que “o presidente da Câmara não ficará de parte daquilo que são as suas responsabilidades” neste caso e “estarei cá para [as] assumir”.
Sobre a aprovação, só agora no mês de setembro, das contas de 2017 e 2018, o autarca justificou que “só agora houve condições para as aprovar e que, em breve, serão apresentadas ao executivo”.
Ora, Vitor Mendes foi, ainda, mais longe nas suas considerações: “não descarto as responsabilidades judiciais que possam existir e enviaremos para as autoridades caso haja motivo para tal” porque “estamos a falar de dinheiro público e temos que ter a certeza que estamos a cumprir o nosso papel. Não podemos ter dúvidas sobre isso”.
Para o autarca, “há pessoas mais interessadas em fazer aproveitamento político” desta questão, reiterando que “a estabilidade e a confiança continuam a existir “ e não vale “tentar destabilizar as relações entre a Associação e o executivo”.
A Associação Concelhia das Feiras Novas
A Associação Concelhia das Feiras Novas foi constituída em 16 de janeiro de 2001 para “organizar e promover festas e outros eventos culturais e recreativos, nomeadamente a organização e realização das festas concelhias, tradicionalmente denominadas Feiras Novas”.
A Assembleia Geral é presidida pelo presidente da Câmara em exercício tendo por secretários um elemento nomeado pelo Município e outro pela Associação Empresarial de Ponte de Lima.
A direcção tem um presidente, um secretário geral, um tesoureiro e dois vogais competindo-lhes a gerência, social, administrativa, financeira e disciplinar. Os três primeiros são nomeados pela autarquia e os dois vogais pela Associação Empresarial.
Entretanto sob a sua alçada ficaram o Museu do Brinquedo Português e a Feira do Cavalo de Ponte de Lima a quem a câmara, segundo o relatório de contas, atribuiu um subsídio de 100 mil euros em 2017.