É em Lindoso, uma freguesia beirã em Ponte da Barca, já dentro do Parque Nacional Peneda-Gerês, onde decorre um dos carnavais mais antigos de Portugal: “Remonta à época celta, ainda antes dos romanos”, afirma o povo, que, ao contrário de outros entrudos, é quem organiza e protagoniza os três dias festivos de tradição minhota. “Uma espécie de auto-gestão”.
As curvas sinuosas da Estrada Nacional (EN) 203, transformada em EN 304-1 já na entrada dos três lugares que compõe a freguesia (Cidadelhe, Parada e Lindoso), revelam uma atmosfera em todo atípica aos carnavais brasileiros ou italianos.
A neblina sobre os ribeiros que vão descendo do sopé da Serra Amarela, uma das mais imponentes do parque geresiano, revela o que nos espera. Uma tradição folclórica, com gado cangado, carros de bois decorados e, claro, muitas concertinas e danças, à boa forma pagã que deu origem a esta festa.
Ana Teresa, proprietária do café Vilarinho, situado à face da EN 304-1, já no sopé do Castelo de Lindoso, não vai muito “em carnavais” minhotos, mas confidencia que “triplica” a clientela durante uma fase menos boa de turismo – o inverno.
“No domingo esteve muita gente, mas estava um dia bom, mas hoje o dia vai melhorar e também esperamos que esteja bem composto, geralmente triplicam os clientes aqui no café”, diz a comerciante, fã de “outras músicas”, como “zumba, sertanejo ou latina espanhola”. “Nunca gostei de folclore”, diz, mas admite que “a festa é muito importante para a terra”, tanto pelo comércio como pela tradição.
Desfile não tem hora marcada
O cortejo do Pai Velho, na terça-feira de Carnaval, nunca tem horário definido: “é durante a tarde”. Por ser organizado “pelo povo e para o povo”, sai quando estiver tudo em ordem para percorrer a freguesia.
Depois da partida junto a uma zona mais central do lugar de Lindoso, o cortejo segue em direção a Espanha, entrando no primeiro quilómetro da estrada portugusa.
Rodrigo Vaz é quem conduz o carro de bois que acarreta o Pai Velho. “Sou o dono destas duas vacas por isso é que venho na frente”, explica. Com quatro vacas de raça cachena, aos 59 anos, o produtor não se recorda da primeira vez que participou no Carnaval de Lindoso.
“Isto tem muitos anos, é de épocas imemoriais, e eu já ando nisto desde que me lembro”, sublinha. O “senhor Vaz” explica que esta tradição serve para “assinalar a saída do inverno”. “O carro é escarpado, só com o que há no inverno, para dar as boas-vindas à primavera”, aduz.
Guiar as vacas. Essa é, também, a missão de Manuel Fernandes, que conduz o segundo carro de bois. “Venho eu porque estas são da minha avó, mas estou habituado às vacas”, assinala o barquense que é também Sapador Florestal.
“Esta tradição faz com que venha cá muita gente, de todos os lados. Se dividirmos, diria que apenas um quarto das pessoas que participam são aqui de Lindoso, o restante vem de fora”, acrescenta.
De Santiago de Compostela para recordar tradições do Entrudo em Portugal
Dos “três quartos” de visitantes que vêm de fora, alguns são do Porto, outros da Galiza. De Santiago de Compostela chegam dois casais: Maria Lopez, Alfredo Solla, Lola Garcia e Gerardo Martinez. Vêm em busca das tradições do Carnaval português, tendo já estado em Macedo de Cavaleiros, para assistir ao desfile dos Caretos de Podence.
“Há três anos passámos aqui, por acaso, e vimos passar o desfile. Este ano resolvemos voltar e trazer amigos porque este tipo de tradição popular já não se encontra em muitos locais”, explica Maria.
Alfredo salienta que, tanto em Portugal como na Galiza, os desfiles de Carnaval estão “institucionalizados”. “Em Lindoso ainda é um desfile do povo para o povo, onde não existem mil subsídios para as associações que organizam, e é isso que queremos ver”, diz o galego.
Os carros cangados e decorados, as concertinas, o Castelo de Lindoso, os espigueiros, tudo ajuda para que estes vizinhos atravessem a fronteira em busca das tradições barquenses, embora salientem que “o português do Norte é mais parecido com os galegos do que um espanhol do Sul”.
“Temos muitas coisas parecidas, o vinho, o povo, a economia, a cultura, é tudo muito similar”, reforça Alfredo. Questionado sobre se Minho e Galiza poderiam ser uma “euroregião”, Alfredo responde com algum humor e, como é Carnaval, ninguém levará a mal.
“O problema seria episcopal, pois seria preciso escolher qual a arquidiocese que seria superior na região, se a de Braga ou a de Compostela”, brinca, recordando o furto das relíquias de São Frutuoso, em Braga, por parte de concidadãos galegos.
Não há horários
Gerardo Martinez também concorda que esta é uma festa “do povo e para o povo”. “É tão popular que nem conseguimos encontrar horários, mas penso que por ser organizado por populares, é difícil ter horários, porque depende de várias pessoas que funciona por vontades aleatórias”, afirma.
Cortejo passa em vários lugares para anunciar o fim do inverno
Depois de partir do centro do lugar, o desfile vai à fronteira com Espanha, regressa ao lugar de Parada, no ponto oposto da freguesia, subindo depois por entre as estreitas ruelas com calçada e casas feitas em pedra, já bem no interior do parque da Peneda-Gerês. Do outro lado do rio Lima, que banha as encostas de Lindoso, vê-se as montanhas do Soajo, outra “pérola” da cultura e tradição do Alto Minho.
Patrícia Costa, de Amarante, veio propositadamente para o evento. “Gosto muito de Lindoso porque, desde criança, sempre passeei muito com os meus pais pelo Alto Minho e aprendi a gostar”, refere.
“Já tinha vindo cá há pouco tempo para a Maratona de Concertinas e soube deste cortejo, então decidi vir este ano para conhecer a tradição e não me arrependi”, diz Patrícia, enquanto tenta retratar o desfile de todas as formas possíveis.
Tristão Gonçalves, filho da terra, não perde um desfile. Responsável pelas castanholas (insturmento que toca há mais de 20 anos), vai marcando o compasso das concertinas e das rodadas dos carros de bois conforme chegam ao centro da freguesia, junto ao imponente Castelo de Lindoso.
“Esta é a minha paixão e a minha festa favorita”, confessa. “Gosto de folclore e gosto das palhaçadas que muita gente faz, isso faz-me rir”, acrescenta.
Tristão reforça que esta festa “triplica” a população entre o domingo gordo e a terça-feira de Carnaval. “Três partes vêm de fora e uma é daqui”, reforça.
Chegados ao Castelo de Lindoso, seguem-se as rodas de vira e de Cana Verde ao som das concertinas e das castanholas, enquanto o gado descansa e o Pai Velho observa o local onde será queimado mais logo à noite.
A partir da meia-noite, depois de lido o testamento que, habitualmente, aponta “coisas menos boas” ao padre, ao presidente da junta e à própria Câmara Municipal. À boa moda do Minho.