Ernesto Salgado, o advogado que recentemente defendeu um padre e três “freiras” de Famalicão, todos condenados pelo Tribunal de Guimarães, por crimes de escravidão, entre 17 e 12 anos de prisão efetiva, teve agora o próprio causídico de uma pena suspensa de quatro anos, pelo Tribunal de Braga, por ter sido provado que sacou 100 mil euros da conta do familiar de um cliente, tendo que indemnizar a Caixa Geral de Depósitos em 60 mil euros, caso contrário terá que cumprir prisão.
Ernesto Salgado, como advogado, foi procurado no seu escritório, em Famalicão, por um cliente, com uma procuração para o recebimento da doação de um tio, de Santo Tirso, no ano de 2009, mas aproveitando tal documento para no ano de 2010 falsificar uma declaração, a fim de levantar 100 mil euros como se correspondesse à vontade do ancião, Joaquim Carneiro de Oliveira, entretanto já falecido, factos que se provaram durante o julgamento, no Palácio da Justiça de Braga.
Segundo essa “procuração”, apresentada pelo advogado Ernesto Salgado na agência de Lamaçães (Braga) da Caixa Geral de Depósitos, o “procurador” do idoso de Santo Tirso seria o empresário Luís Pinheiro Sá Couto Reis, da Trofa, que está agora fugido em Espanha, tendo por essa razão o causídico famalicense sido julgado sozinho, com separação do processo, negou toda a acusação do Ministério Público, com versão que não convenceu os juízes do Tribunal Coletivo, em Braga.
Por se provarem crimes de burla qualificada e de falsificação de documento, as penas parcelares foram, respetivamente, de três anos e meio e de um ano e quatro meses de prisão, em cúmulo jurídico quatro anos, suspensos por igual período, na condição de Ernesto Salgado indemnizar a Caixa Geral de Depósitos em 60 mil euros na proporção, de 15 mil euros a cada um dos quatro anos, para que a pena continue suspensa, para além de submeter-se a um plano de reinserção social.
Os três juízes concluíram durante o julgamento “ser certo ter o arguido Ernesto Carlos da Costa Salgado faltou à verdade e não contou todos os factos, mas a mentira, a ocultação de factos ou o depoimento parcial são realidade que infelizmente o Tribunal presencia quotidianamente em audiência”, pelo que não se convenceu da versão do advogado Ernesto Salgado.
Segundo o acórdão condenatório do Tribunal Coletivo de Braga, o trabalho da Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais terá em vista “a consciencialização dos deveres por parte do arguido [Ernesto Salgado] perante a lei e para o respeito da propriedade alheia”, com a finalidade de “manter-se afastado da prática do mesmo tipo de crimes ou outros”,
Ernesto Carlos da Costa Salgado, de 47 anos, casado, natural e morador em Requião, Famalicão, negou sempre todas as acusações, afirmando “feito ter feito um favor a um empresário de sucesso de Famalicão, meu amigo, limitando-me então a acompanhá-lo à CGD, cujo gerente também era meu amigo, mas de onde saí ainda antes de ter sido levantado o cheque”.
Ernesto Salgado jura a pés juntos que nunca viu sequer a cor do dinheiro, nem sabia de qualquer tramoia, relacionada com a situação do cheque, cujo levantamento só foi possível porque foi apresentada uma procuração falsa, com assinatura falsa certificada pelos CTT, ao gerente da CGD de Lamaçães, que era conhecido de Ernesto Salgado através de convívios proporcionados por jantares em comum, pelo que em 20 de julho de 2010 pediu à subgerente da agência que com ele assinasse um cheque, devido à “procuração” apresentada ao balcão por Ernesto Salgado e Luís Pinheiro Sá Couto Reis.
O advogado de Vila Nova de Famalicão foi condenado por crimes de burla qualificada e de falsificação de documento, já que segundo se provou durante o julgamento, “fabricou” uma procuração falsa com a qual, recorrendo a um empresário seu amigo, em nome do qual foi emitido o cheque de 100 mil euros, se terá locupletado com o dinheiro, quantia que o Ministério Público requereu seja devolvido ao Estado em caso da condenação de Ernesto Salgado ser definitiva, tendo a Caixa Geral de Depósitos devolvido essa verba para a conta do cliente, pelo que será agora indemnizada pelo advogado.
Ernesto Carlos da Costa Salgado, de 47 anos, casado, natural e residente na freguesia de Requião, concelho de Vila Nova de Famalicão, onde nasceu a 28 de maio de 1975, negou qualquer tipo de intervenção, pelo menos conscientemente, do que se passou, com tal levantamento fraudulento de 100 mil euros, na agência da Caixa Geral de Depósitos de Lamaçães, em Braga, tendo já referido ao Tribunal Coletivo que “eu limitei-me a acompanhar um amigo da Trofa, à data empresário de sucesso em Famalicão, pelo que não desconfiei de nada”, quando pela primeira vez prestou declarações sobre o caso.
Empresário também suspeito fugido em Espanha
Segundo se provou na Instância Central Criminal de Braga o advogado Ernesto Salgado, enquanto advogado, com escritório em Vila Nova de Famalicão, teve conhecimento das “fragilidades” de Joaquim Carneiro de Oliveira, um idoso, de Santo Tirso, aproveitando-se então do facto de um sobrinho, a quem o tio iria doar, ainda em vida, bens, terá engendrado um esquema, para logo aceder a uma conta da Caixa Geral de Depósitos, quando o familiar o procurou em Famalicão, porque não queria que ninguém soubesse da doação do tio, em Santo Tirso, o concelho onde ambos residiam.
O Ministério Público sustentou na acusação que Ernesto Salgado “na execução de atos próprios da profissão que exerce, apercebeu-se que Joaquim Carneiro de Oliveira possuía uma avultada quantia depositada na Caixa Geral de Depósitos e conhecendo as suas fragilidades, engendrou um plano que tinha como finalidade apropriar-se do património” do idoso, residente em Santo Tirso, “sob pretexto de ser seu representante, contando com a colaboração” de um empresário seu amigo, tendo sido o seu primeiro passo “o pedido de uma procuração para a doação legal”, o que se provou no julgamento.
Segundo acusava o Ministério Público e se provou findo o julgamento, Ernesto Salgado, “aproveitando essa procuração que elaborou como advogado de Joaquim Carneiro de Oliveira, com a estrutura montada, fabricou uma procuração, semelhante” à inicialmente já prestada pelo idoso, em 23 janeiro de 2009, num cartório notarial que funcionava no mesmo edifício do seu escritório de advocacia, com a assinatura do titular da conta bancária certificada numa Estação dos CTT.
Com assinaturas falsificadas do titular da conta na CGD de Santo Tirso, Joaquim Carneiro de Oliveira, bem como a de um notário de Vila Nova de Famalicão, o advogado Ernesto Salgado terá, segundo refere o Ministério Público, com base em investigações da Polícia Judiciária do Porto, ido com o empresário seu amigo, residente na Trofa, estabelecido em Famalicão, agora fugido em Espanha, até à agência da CGD de Lamaçães, em Braga, “munido de uma cópia autenticada da procuração fabricada por Ernesto Salgado e com a sua credibilidade junto do gerente da CGD, seu conhecido”, conseguido que fosse emitido um cheque não à ordem” a favor de uma imobiliária, que tendo como o sócio estatutário o empresário seu amigo, “era Ernesto Salgado quem tomava as decisões e detinha os poderes de acesso à conta bancária”.
Ainda segundo o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do MP de Braga, o cheque foi emitido a favor da imobiliária, em nome de Luís Pinheiro Sá Couto Reis, atualmente fugido algures em Espanha, por isso não estando a responder ao lado de Ernesto Salgado, tendo sido este último, na versão do Ministério Público, quem depositou o cheque e imediatamente levantou todo o dinheiro”.
A partir daí os familiares do idoso averiguaram a situação e tendo conhecimento da intervenção do advogado Ernesto Salgado no caso do levantamento fraudulento dos 100 mil euros, contactaram-no logo, só que o advogado famalicense, segundo uma familiar, “foi evasivo e só queria saber se o nosso tio já tinha morrido ou não”, após o que todos cortaram relações com aquele causídico, desde então convencidos que Ernesto Salgado estaria de algum modo relacionado com o levantamento fraudulento, tendo entretanto Joaquim Carneiro de Oliveira falecido em 2017, enquanto o empresário de Famalicão está ainda fugido em Espanha.
Ernesto Salgado disse “estar inocente”
Mas Ernesto Salgado nega tudo, de fio a pavio, salientando desde logo que “nunca deixei de ser advogado, nem tive quaisquer tipo de condenações disciplinares da Ordem dos Advogados”, mostrando-se mesmo notoriamente incomodado porque está a ser julgado e agradeceu aos três juízes “a oportunidade de pela primeira vez falar, o que até aqui não fiz, devido à imposição do sigilo profissional”.
Ernesto Salgado afirmou, na Instância Central Criminal de Braga, “ser tudo completamente falso” e “ser alheio a toda essa situação”, salientando “ter uma carreira sempre pautada pela correção, ética e deontologia, eu nunca foi castigado pela Ordem dos Advogados”, enquanto a Caixa Geral de Depósitos já devolveu os 100 mil euros na conta do seu cliente, após uma ação cível movida pelos familiares, mas agora será o advogado Ernesto Salgado a ressarcir a CGD caso seja a condenação de primeira instância confirmada pelos tribunais superiores, em face de prováveis recursos a apresentar.
O advogado, à data com escritórios em Famalicão e Barcelos, declarou aos juízes “ter feito um favor a um empresário de sucesso de Famalicão que era meu amigo, de uma família tradicional da Trofa, tudo gente insuspeita, limitando-me a acompanhá-lo à agência da Caixa Geral de Depósitos, em Lamaçães, cujo gerente também era meu amigo, mas de onde saí antes de ter sido levantado o cheque”.
“Eu ia a sair do Tribunal de Santo Tirso, quando por coincidência dei com o Luís Pinheiro, acabado de sair dos Correios com uma sua procuração autenticada, a perguntar se eu conhecia alguém na Caixa Geral de Depósitos, eu disse que sim, mas em Braga, pelo que a seguir fomos a Braga, eu apresentei-o ao gerente da agência de Lamaçães, já que eram ambos meus amigos, tendo-me vindo embora, nunca assisti à emissão de nenhum cheque, não recebi dinheiro algum, nem soube de mais nada, até ser ouvido pela Polícia Judiciária do Porto”.