Os pedidos de ajuda ao Banco Alimentar nos primeiros quatro meses do ano quase duplicaram face a 2022, disse a presidente do organismo, manifestando-se preocupada por nada estar a ser feito para combater a pobreza estrutural.
Em entrevista à agência Lusa a propósito da campanha de recolha de alimentos, que decorre este fim de semana, Isabel Jonet disse que, até 20 de abril, o Banco Alimentar Contra a Fome (BA) recebeu 3.330 novos pedidos de ajuda, o que representa um aumento de 93% em relação ao mesmo período de 2022, quando tinham chegado 1.725 pedidos.
“Nos quatro primeiros meses de 2023, aquilo que se verifica é que há um acréscimo muito substancial dos pedidos e esse acréscimo vem sobretudo de pessoas que têm um trabalho”, adiantou a presidente do BA.
De acordo com a responsável, os pedidos de ajuda vêm, sobretudo, de pessoas de nacionalidade portuguesa (63%), registando-se 27% de pedidos feitos por cidadãos brasileiros.
“Temos de contar aqui, sobretudo, com o impacto do acréscimo dos preços, mas também com esta expectativa de não haver a curto prazo uma previsão de alteração da situação”, apontou Isabel Jonet, acrescentando que apesar de ter havido uma redução do IVA em alguns produtos alimentares, essa situação será temporária.
Alertou, por outro lado, que mais do que a expectativa, conta a vida real dos portugueses e “aquilo que sentem no seu dia-a-dia é que o dinheiro que ganham não chega para as necessidades do agregado familiar”, muito à custa da alimentação e da habitação.
“Penso que nos próximos meses a situação se vai continuar a agravar e o que eu prevejo é que haja também algum reflexo por parte das entidades que empregam e só espero que não comece a subir o desemprego”, apontou.
Isabel Jonet explicou que este receio se sustenta no facto de estarem a verificar, ainda que seja “uma pequena tendência”, um “maior número de pessoas que ficaram desempregadas e que pedem ajuda”.
Revelando que 41% das pessoas que pedem apoio ao Banco Alimentar dizem que ficaram desempregadas, Jonet conclui tratar-se de “uma tendência”, alertando que neste grupo estão, não só pessoas que tinham vínculo laboral, mas também quem obtinha rendimentos através da chamada economia paralela, que, em Portugal, tem uma expressão “fortíssima”.
Relativamente aos apoios que têm sido criados para as famílias, Isabel Jonet apontou que muitas vezes mais não são do que um “balão de oxigénio” e criticou que nada esteja a ser feito no combate à pobreza estrutural.
“Isso é que me preocupa muito, é ver que 20% ou 22% das pessoas estão a trabalhar e continuam a ser trabalhadores pobres”, alertou.
Por outro lado, disse estar igualmente apreensiva em relação a pessoas que passaram por uma situação de pobreza conjuntural, ou seja, na sequência da crise económica, e que “vão passar para uma situação de pobreza estrutural”.
“Porque não vão conseguir nos próximos tempos ter um salário que lhes permita deixar de ser pobre”, alertou.
Perante estes dados, Isabel Jonet não tem dúvidas de que o número de pobres em Portugal vai aumentar durante 2023, independentemente de todos os apoios sociais dados pelo Governo, tendo em conta as consequências da pandemia, de fatores conjunturais e da inflação, defendendo que o aumento geral dos preços não é consequência da guerra na Ucrânia, mas sim da “quantidade de dinheiro que foi injetada na economia”.
“A minha maior preocupação é que eu não vejo a curto prazo que estejam a ser tomadas medidas que possam contrariar” o aumento da pobreza, adiantou, dando como exemplo os possíveis impactos que a inteligência artificial venha a ter no mercado de trabalho e de como isso não está a ser tido em consideração na formação e qualificação dos trabalhadores.
Isabel Jonet espera, por isso, que a próxima campanha do BA, que decorre nos dias 06 e 07 de maio, “tenha uma grande adesão” e que os portugueses percebam que “há imensas pessoas que precisam”, razão pela qual as campanhas funcionam também como “momentos de mobilização da sociedade”.