O espetáculo “O fim”, da companhia de teatro Momento – Artistas Independentes, uma história com várias histórias dentro sobre a velhice, passada num hospital e mesclando dramaturgia, literatura, música e circo, num cenário que gradualmente se torna surrealista, vai estrear na sexta-feira, em Ponte de Lima.
Com encenação de Diogo Freitas, a peça estreia-se no Teatro Diogo Bernardes, em Ponte de Lima, parte de um texto inédito de Gonçalo M. Tavares, intitulado “A velhice”, e dá continuidade ao trabalho de cruzamento de artes que a companhia tem vindo a explorar.
Tudo começou com um convite de Diogo Freitas ao escritor para criar um texto para um espetáculo “sobre a morte e sobre a velhice e a forma como os velhos envelhecem em Portugal”, contou o encenador à Lusa.
“E ele gostou muito desta ideia de escrever uma peça a uma só voz, uma história sobre esta relação da velhice e da forma como os velhos envelhecem”.
Quando recebeu o texto, surpreendeu-se ao verificar que muitas das imagens que queria conferir ao espetáculo já tinham sido colocadas no papel por Gonçalo M. Tavares, “como se fossem quase imagens comuns que as pessoas têm ao pensar nos velhos”, nesta relação com a morte e na questão do envelhecimento.
O resultado é um espetáculo cujo título, “O fim”, é diferente do título do texto original, “A velhice”, porque “o espetáculo tem texto do Gonçalo”.
Isto “significa que aquela história que o Gonçalo escreveu para nós, que é ‘A velhice’, passa-se numa sala de espera do hospital – foi o espaço que nós encontrámos aqui para contar esta história -, mas outras histórias vão surgindo nesta sala de espera do hospital”, revelou Diogo Freitas, especificando que “em texto, aparece o Gonçalo, mas outras pequenas ações, pequenos acontecimentos, acontecem sem palavra”.
Ou seja, há uma história principal sobre uma velha que conta a história de um velho que já morreu, uma velha que está sentada na sala de espera de um hospital, com a fotografia desse velho na mão.
“Pode ser uma sala de espera de um hospital qualquer em Portugal, em que vamos vendo a grávida a entrar, vamos vendo o ferido também entrar, vamos vendo a enfermeira ou o enfermeiro a passar, vamos vendo o filho que veio visitar a mãe que faz anos e traz um bolo e uns balões”.
A velha vê estas personagens da sala de espera, que se sentam ao lado dela e ela vai contando a história deste velho, mostra a fotografia e explica-lhes a relação que tinham.
O encenador destaca a beleza do jogo de palavras usado pelo escritor no texto, nomeadamente quando se conta que o velho tinha um cão chamado Morte como única companhia.
“Então esta brincadeira do Gonçalo, que é o cão, a morte que está ao lado do velho, a morte que é a única certeza do velho, a morte que é a única companhia do velho. Temos a morte como cão e a morte como companhia”.
Segundo o encenador, o espetáculo parte de algo “muito sóbrio e muito realista, para uma coisa surrealista”.
“Nós temos um artista de circo em cena, que trabalha aqui o surrealismo da morte, representando um bocadinho as alucinações sonoras de que o Gonçalo também fala no texto, quando os velhos estão a ficar xexés, quase como se tivessem uma realidade paralela, que para eles é uma realidade”.
Diogo Freitas trouxe então um artista de circo para “espelhar este surrealismo, este encantamento também, que o teatro pode ter”.
Trata-se de um trapezista, mas que irá “fazer um pouco de tudo”, porque a ideia foi trabalhar o corpo, a maleabilidade em cena, trabalhar o fantástico.
“Ele não estará a fazer um número de circo, um típico número de circo, ele vai trabalhar e dentro dessa linha narrativa, estas alucinações sonoras que os velhos têm na cabeça”, acrescentou.
Esta vertente é um dos aspetos que Diogo Freitas mais gosta de trabalhar, assume.
“Eu, enquanto artista e enquanto compositor de uma obra artística, como encenador, gosto de perceber como é que compomos a partir das várias vertentes artísticas”, e com o espetáculo “O fim”, não é diferente: existe a literatura, existe música, com ópera em cena, existe o circo e não há dança, mas há uma coreografia, “está tudo mesclado”.
O próprio espaço cénico também se transforma, de uma evidente sala de hospital em algo que vai ruindo, como o homem, que, “quando vai para velho, perde a audição, perde a visão, a pele começa a ficar enrugada, e a própria cenografia também acompanha essa evolução/ruína do ser humano”.
Inicialmente o público reconhece os elementos-chave da sala de espera de um hospital, mas todos esses objetos vão ter como que uma dupla função, ou seja, “as paredes que não são bem paredes, as luzes que vão virar trapézios, uma máquina daquelas de ‘vending machine’ que tem outra função”.
Após a estreia, o espetáculo “O fim” será apresentado no Cineteatro Louletano, em Loulé, a 12 de maio, e na Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, a 09 e 10 de junho.
Já no próximo ano, vai passar pelo São Luiz Teatro Municipal, em Lisboa, de 01 a 04 de fevereiro, e pelo Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria, no dia 23 de fevereiro.