ARTIGO DE OPINIÃO
Carla Pires
Enfermeira no Serviço de Neonatogia – Hospital de Braga. Educadora parental – Academia de Parentalidade Consciente (LIFE training). Instrutora de meditação e Mindfulness – Escola de Meditação para Crianças em Portugal.
Estamos oficialmente no mês do natal, e com esta festividade, algumas questões se levantam em relação ás crianças.
“Se não te portas bem, o Pai Natal não te vai trazer presentes.” Esta frase é para si familiar?
Será este o melhor caminho para conseguimos das crianças o dito bom comportamento?
É importante começarmos pelo princípio e explicarmos o que é um “mau comportamento”.
Os comportamentos desafiantes, mais conhecidos por birras são sempre, como o nome indica, um verdadeiro DESAFIO, mas para conseguirmos encarar estes comportamentos de uma forma mais saudável e tranquila, devemos ter em conta alguns fatores:
- Quando as crianças nascem, ainda em bebes, temos a preocupação de atender o choro (comportamento) com a devida atenção e tornamo-nos uns verdadeiros detetives, pois procuramos saber se é fome, frio, calor, fralda suja, sono, entre tantas outras coisas e só descansamos quando finalmente conseguimos resolver a causa que desencadeou o comportamento (choro).
- No entanto, à medida que a criança cresce, há uma tendência natural para deixarmos de lado esta veia de detetives e o foco passa a ser a educação. Queremos crianças com um comportamento exemplar e obediente com pouca abertura para manifestarem as suas opiniões e necessidades. As expectativas dos pais ficam também defraudadas e as birras são encaradas como um comportamento negativo em vez de serem observadas como algo natural e intrínseco ao desenvolvimento individual de cada criança.
- Contudo, é importante também, reconhecer que o cérebro da criança está em constante evolução, desde o nascimento ate á vida adulta e atinge a maturidade máxima por volta dos 25 anos. Esta evolução depende das interações físicas e emocionais que a criança tem no ambiente onde se encontra inserida, portanto, a quanto mais interações positivas a criança for exposta, mais facilmente desenvolve a sua inteligência emocional ao longo do seu desenvolvimento.
Posto isto, temos de entender que atrás de uma birra há sempre uma necessidade emocional ou fisiológica por satisfazer e que todo o comportamento, seja ele bom ou mau, é uma forma da criança manifestar que algo está a acontecer com ela e por este motivo, a birra deve ser olhada como um comportamento positivo manifestado de uma forma menos regulada.
Cabe-nos a nós adultos, desenvolvermos as nossas competências emocionais, para que possamos orientar as crianças não só através do exemplo, mas também através de estratégias implementadas individualmente a cada criança.
Deste modo, verbalizar frases como estas não deve acontecer:
“Deixa de ser bebé, o Pai Natal não existe.”
”Se não te portas bem, não recebes presentes.”
“Vê lá se comes tudo, porque o Pai Natal só traz muitos presentes a quem se porta bem.”
“Olha que o Pai Natal está a ver tudo.”
“Muito bem. Conseguiste. O Pai Natal assim, já é teu amigo.”
É certo que a maior parte das vezes que comunicamos com os nossos filhos é de forma inconsciente, mas o que nos distingue enquanto adultos das crianças é a nossa capacidade de escolher a forma como comunicamos para transmitir a mensagem que queremos passar. Costumo dizer que a comunicação positiva e consciente é como uma poção mágica para obtermos colaboração da parte das crianças e é através dela, que transmitimos os nossos valores, essencialmente o igual valor e o respeito pela integridade física e emocional da criança.
Através deste tipo de ameaças/chantagens, para além de o adulto não estar a colocar a criança numa posição de igual valor, porque não está a reconhecer as suas emoções, sentimentos e opiniões, também não está a assegura a necessidade de conexão, reconhecimento e segurança.
Pois, sejamos sinceros. Quem é que é o adulto que depois de todas estas ameaças ou chantagens, as cumpre na totalidade? Será que deixa a criança sem prendas? Ou será que ameaça para resolver o comportamento e posteriormente, no dia de natal, o Pai Natal afinal aparece lá com uma prendinha.
O facto de o adulto não ser congruente e não cumprir com aquilo que ameaçou, deteriora a relação com a criança através da desvinculação afetiva, perda de confiança no adulto e diminuição da autoestima e autoconfiança.
Em suma, quando o adulto não consegue obter colaboração da parte da criança, o melhor caminho é percecionar o tipo de comunicação que está a ter com a criança e se a que está a utilizar não resulta, tem de existir flexibilidade e consciência para procurar outro tipo de estratégia. A ameaça ajuda a construir um caminho onde o adulto se torna resistente e consequentemente a criança também.
Não roubem a magia do Natal ás crianças utilizando o Pai Natal e os presentes como alvo de chantagem.
Lembrem-se sempre: Durante uma Birra não se educa. Regula-se.