Pouco passava das 9:00 horas da manhã desta quinta-feira quando 30 inspetores da Polícia Judiciária (PJ) e dois magistrados irromperam pelo edifício da Câmara de Vila Verde com mandados de busca nas mãos e uma má notícia: Toda a ação da autarquia ficava agora paralisada para que se analisassem documentos relativos à contratação pública.
Na mira da PJ estavam contratos celebrados pela autarquia com empresas associadas a cinco presidentes de Junta daquele concelho, e apresentaram autos de apreensão desses mesmos contratos. Esta ação acabou por forçar o adiamento da reunião de vereadores com o presidente da Câmara, António Vilela, assim como cancelar outros agendamentos previstos para o dia de hoje.
Conforme escreveu o autor destas linhas, em 2018, no Semanário V, os presidentes de Junta suspeitos Carlos Cação (UF Vade), Vitor Mota (Esqueiros, Nevogilde e Travassós), Vítor Ramos (Turiz), Joaquim Martins (Valbom e Passô) e Carlos Ferraz (UF Vilarinho, Sande, Barros e Gomide), chegaram a negociar diretamente com a autarquia, mas, antes das últimas eleições autárquicas de 2017, acabaram por se afastar dos dados oficiais por incorrerem em perda de mandato.
São esses contratos que estão na mira desta investigação das autoridades, que querem perceber se tudo foi feito dentro da legalidade ou se existe a possibilidade de crime, uma vez que era (e é) público que quem realmente administra essas firmas são os próprios autarcas, que, em 2020, continuam a celebrar contratos com a autarquia.
Ao final da tarde desta quinta-feira, a Câmara de Vila Verde enviou um comunicado às redações, confirmando as buscas, reiterando que “não foi constituído qualquer arguido”.
“Face às notícias veiculadas na comunicação social sobre diligências efetuadas pela Polícia Judiciária nas instalações do Município de Vila Verde ao longo do dia de hoje, o Município de Vila Verde confirma as diligências efetuadas e esclarece que no âmbito destas ações não foi constituído qualquer arguido”, diz a nota.
“Como sempre vem acontecendo, o Município reafirma o cumprimento total da legalidade, colaborou com as entidades competentes e continua disponível para colaborar para o cabal esclarecimento de todas as matérias e processos que estejam sob a alçada deste Município”, finaliza.
Fundou empresa antes das eleições e passou para nome da irmã
Vítor Mota, presidente da Junta de Esqueiros, Nevogilde e Travassós, um dos suspeitos nesta ‘trama’ que a PJ tenta deslaçar, constitui uma empresa (João Moreira da Mota, Lda) em junho de 2017, para fornecer produtos químicos às piscinas do concelho.
A empresa tem o seu próprio nome, embora seja mais conhecido por Vítor, e daí não o ter incluído no nome da firma para não levantar suspeitas. Pouco tempo depois, a firma passou para o nome da irmã, Paula Mota. Todavia, o autarca já tinha assinado um primeiro contrato com a autarquia, no valor de 36 mil euros, com o nome dele. O segundo contrato, no valor de 28 mil euros, assinado em 2018, já vinha com o nome da irmã como gerente da empresa.
Fonte da empresa que fornecia os produtos à firma de Vítor Mota explicou que o autarca não tinha grande trabalho, pois era essa mesma firma inicial que transportava os produtos para as piscinas, com os funcionários municipais a procederem à limpeza. Ou seja, a firma de Vítor Mota servia apenas como intermediária entre a empresa que vende os produtos, situada na freguesia de Oleiros (Vila Verde) e a Câmara Municipal. No entanto, era a firma do presidente da Junta que recebia o dinheiro.
António Vilela, presidente da Câmara eleito pelo PSD, afirmou desconhecer que a firma JMM era propriedade de Vítor Mota, apesar de ter assinado o contrato com o mesmo.
“Será desencadeada uma análise interna às ocorrências relatadas e desenvolvidos os procedimentos administrativos que se revelarem pertinentes”, disse na altura o edil, mas nada foi tornado público.
Houve ainda outro “problema”. Paula Mota, a nova gestora da empresa, também trabalhava na função pública, sendo por isso dependente da Câmara de Vila Verde. A Inspeção Geral de Finanças, atenta ao que se passava, pediu à Câmara informações que explicassem porque é que uma funcionária estaria a acumular funções como gestora privada sem que tal tivesse sido comunicado.
Empreitadas
Os restantes quatro presidentes de junta envolvidos na ‘teia’ são empreiteiros, uns de menor outros de maior dimensão, e celebraram contratos com a autarquia no valor de milhões de euros, entre 2014 e 2020.
Ao que apurámos, ainda não existem arguidos neste processo, apenas licença para ‘caçar’ os documentos relativos a esses contratos celebrados com a Câmara de Vila Verde.