O meu Pediatra, e o de tantos bracarenses

Por Vânia Mesquita Machado

Artigo de Vânia Mesquita Machado

Humanista. Mãe de 3. De Braga. Pediatra no Trofa Saúde – Braga Centro.

Foi o meu Pediatra.

Tinha uma voz grave, mas calma e meiga ao mesmo tempo, assim a ouvia eu quando ainda era menina.

Ralhava muitas vezes aos Pais mas tratava-lhes sempre dos Filhos atentamente, cuidando deles com o carinho vindo da alma, ao qual acrescentava o que a Medicina lhe ia ensinando, saber zelosamente acumulado em muitos anos de experiência, de quem gostava genuinamente do que fazia.

O meu Pediatra tinha os cabelos brancos desde que me lembro, e um sorriso que sabia falar com as crianças.

Ia visitá-lo frequentemente, por causa dos bichinhos da garganta ficava muitas vezes doente.
O consultório tinha uma mesa muito grande, talvez não fosse, seria eu um nico de gente e tinha o receio normal de quem é criança pequena, o estetoscópio estava frio, arrepiava-me o peito, eu fechava a boca mal via o pauzinho, mas depois de tudo feito até sabia a pauzinho de gelado.
Passado uns dias já estava melhor, tinha passado a doença, voltava a energia, e com ela a alegria para a brincadeira pelo recreio.

O meu Pediatra não soube a verdade, nem souberam os meus pais, mas a maior fita que fiz na consulta foi por uns dias antes ter engolido sem querer uma peça de um brinquedo.
Fiquei com medo que quando o doutor me abrisse a boca descobrisse a minha asneira, visse lá no fundo da garganta a peça do brinquedo e, claro, eu teria o meu castigo.

O meu Pediatra também não soube de nada, mas fiquei mesmo muito desiludida quando diagnosticou o sarampo à minha irmã mais nova, pintalgada e a arder em febre, logo na véspera do dia da partida para o Algarve. A minha irmã ficou boa depressa, mas as férias foram por um canudo.

O meu Pediatra também não soube como fiquei aliviada por não ter precisado de ser operada à garganta, apesar de não ter gostado nada das injeções de penicilina, mas tinha que ser, era para o meu bem, e com as picas indesejadas tinha-me sido receitada muita praia também, e que melhor remédio do que brincar ao fim da tarde nas pocinhas à beira-mar.

Crescida, deixei de precisar de ir ao meu Pediatra.
Continuava a ouvir falar dele por ser amigo do meu Pai, e decidida a ser Pediatra eu também, admirava secretamente a sua forma de tratar das crianças, já reformado e ainda tão dedicado aos seus meninos, tantos sorrisos trocados com os Pais ao longo de gerações, tantos corações sarados pela felicidade dos Filhos curados.

Quando comecei a estagiar no velhinho Hospital onde o meu Pediatra tinha sido médico também, e que, mesmo aposentado, ainda visitava quase todos os dias ao fim da manhã, lembro-me bem do dia em que lhe fui apresentada na enfermaria do Serviço de Pediatria.
Não se lembrava de mim, já não era criança, vestia agora eu a bata branca.
Mas lembrava-me eu muito bem e o meu coração disparava, enquanto ele olhava para mim e me dizia em jeito de brincadeira:

“És a filha do Lino? Mais uma aprendiz de feiticeira!”.

Vinte anos depois desse dia, recordo com ternura essa e as outras memórias do meu Pediatra, que foi também o Pediatra de tantos bracarenses.

Agora que partiu para sempre de viagem pelo infinito do céu estrelado, presto-lhe a minha simples homenagem com palavras escritas, apenas mais uma entre tantas outras, merecidamente.
Porque quando um ser humano é verdadeiramente bom é, e será lembrado por muita gente.

 
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