“O Libertino”, de Luiz Pacheco, que sobe hoje ao palco do São Luiz, em Lisboa, com encenação de António Olaio, mostra “um homem que quer ser livre, viver a vida e desfrutar do prazer”, assinalando o centenário do escritor.
“O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o Seu Esplendor” é um monólogo, interpretado por André Louro, baseado na obra homónima de Luiz Pacheco, que vai estar em cena entre hoje e 19 janeiro, no São Luiz Teatro Municipal.
Algures em outubro de 1961, Luiz Pacheco passou um dia em Braga, e foi nessa cidade, enquanto esperava para o almoço, na Pensão Oliveira, que lhe saiu a história de “O Libertino passeia por Braga, a idolátrica, o seu esplendor”.
O anti-herói deste texto é o próprio Luiz Pacheco, que, naquela época, andou nas carrinhas da biblioteca itinerante da Fundação Calouste Gulbenkian, percorrendo o país e distribuindo livros pela população, sobretudo os mais jovens.
Foi à sombra de uma dessas carrinhas, estacionada em Braga, que o Libertino tentou seduzir lolitas e magalas, mas este sedutor era o oposto de um D. Juan, apenas um libertino à escala do país de então.
Neste passeio por Braga, o Libertino não viola nenhuma ética, pelo contrário, as suas conversas e reflexões descrevem e dão uma imagem muito mais exata da realidade portuguesa, da vida acanhada em tempos de opressão, num país cinzento de violências contidas, do que toda uma literatura que se pretendeu interferente.
Para o encenador, esta “é a exposição de um homem que quer ser livre e que, além de querer exercer a liberdade, quer viver a vida e desfrutar do prazer”.
“E quer desfrutar do prazer, curiosamente, numa cidade que é Braga, uma cidade conhecida pela sua tradição católica, catolicismo esse que tantas objeções coloca ao prazer, portanto o prazer é uma coisa que para a religião é pecado”, disse António Olaio à Lusa.
É, portanto, esta contradição que é exposta, esta personagem neste ambiente, num Portugal dos anos 1960, “um Portugal que é descrito nesta peça com muita clareza, com todas as suas questões: a igreja, a guerra colonial, a questão da falta de cultura”.
Apesar de datar de 1961, o texto “continua atual, e eu temo que em alguns aspetos esteja a recuar para esse ambiente”, afirmou o encenador.
Luiz Pacheco foi um homem de coragem, pela sinceridade com que escrevia os seus textos autobiográficos, sem “receio de se expor”, sem se esconder “atrás de falsas moralidades”, mostrando-se tal e qual como era.
“Hoje voltamos a ver que, depois de um período a seguir ao 25 de Abril, em que as pessoas se preocuparam, procuraram libertar e procuraram estar mais de acordo com aquilo que eram, e de se expor, e não ter receio de se mostrar tal e qual como eram, hoje parece que as pessoas voltam novamente a esconder-se atrás dessas máscaras, atrás dessa falsa moralidade, desses falsos conceitos”, considerou.
Criado em 1998, este espetáculo estreou-se inicialmente com mais personagens, tinha figurantes que representavam outras figuras que aparecem no texto de Luiz Pacheco, como a Deolinda ou o magala.
Em 2010, foi novamente apresentado, mas já em formato de monólogo e, aqui, “o texto mudou, ficou mais de acordo com o texto original”.
“Hoje, quando nós estamos a repor novamente o espetáculo, uma pessoa questiona-se sobre o que é que quis dizer, e repensa tudo isto. Quer dizer, há sempre um reequacionar das coisas e, curiosamente, agora, é uma questão que se me coloca, porque, por exemplo, para as novas gerações, há aqui determinadas coisas que (…) já não fazem muito sentido”, afirmou, exemplificando com a figura do magala: “Será que os jovens, hoje em dia, sabem o que é que é um magala?”.
Por isso, considera o encenador, as coisas evoluíram, mas a personagem principal, o libertino, essa sim, “ela é presente [atual] e as pessoas entendem”.
Em 2025, celebra-se o centésimo aniversário do nascimento de Luiz Pacheco, escritor, editor, polemista, epistológrafo e crítico de literatura português que nasceu em Lisboa, em 1925, e morreu no Montijo em 2008.