A mortalidade até março deste ano, no território abrangido pela ARS Norte, situou-se na média dos últimos cinco anos, em algumas semanas andou mesmo abaixo dessa média. Até que, com a primeira vaga de covid-19 no país, o cenário mudou, a curva da mortalidade subiu e tem-se mantido elevada, desde essa altura. Os distritos que compõem o Minho, Braga e Viana do Castelo, acompanham esta tendência de aumento da mortalidade.
Nada disto seria de estranhar se fosse possível explicar este aumento com as mortes provocadas por covid-19. Mas não é assim. Em maio-julho houve um pico de mortalidade que a Direção-Geral da Saúde (DGS) afirma que coincide “com períodos em que se registaram temperaturas mais elevadas em Portugal”. A DGS afirma que foi no período entre de 6 de julho a 2 de agosto que o “sistema ÍCARO (instrumento de observação epidemiológica coordenado pelo INSA, que mede o efeito do calor na saúde) identificou precocemente um período de calor extremo, prevendo impactos significativos na mortalidade”.
Os dados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) revelam que o mês de julho de 2020 foi o mais quente desde 1931. As ondas de calor do mês de julho atingiram principalmente a região Centro e o interior Norte do país. Pode estar aqui uma parte da explicação para o aumento da mortalidade no Norte.
Já para a primeira subida abrupta da mortalidade, logo em março, a DGS só encontra explicação na covid-19. Na falta de “outra explicação robusta, coloca-se como hipótese que a pandemia de covid-19 tenha sido a causa mais provável do aumento de mortalidade neste período”.
Continuando a seguir o gráfico, contudo, verifica-se que a mortalidade voltou a ter um pico em setembro e outubro e que chega a novembro em alta. Relativamente a esta última fase, ainda não se conhece uma apreciação da DGS, mas é provável que a explicação esteja na redução da atividade “não covid” do SNS.
“Nos cuidados primários perdemos sete milhões de contactos presenciais, entre enfermagem e consultas médicas, nos hospitais estamos a falar de mais de um milhão de consultas, mais de 100 mil cirurgias, isto até julho deste ano, o que pode ter efeitos sobre a saúde, principalmente dos doentes crónicos e doentes com mais idade”, refere Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares. “Nestas atividades programadas – nas cirurgias, nas consultas – estamos agora a verificar alguma recuperação, mas continuamos com uma atividade inferior à da era pré-covid”, acrescenta.
Como O MINHO noticiou anteriormente, em julho deste ano havia menos 31% de doentes diabéticos com o exame do pé realizado e menos 29% de hipertensos com tensão arterial inferior a 150/90, nos últimos seis meses, na ARS Norte. Estes dois indicadores representam a proporção das populações de diabéticos e hipertensos que o sistema tem sob controlo. Em ambos os casos a redução foi muito grande.
Na ARS Norte morreram em 2020, até 31 de outubro, 31.267 pessoas, mais 2.688 que em 2019 e mais 3.254 que a média dos últimos cinco anos. Se olharmos para o dia 25 de outubro, a título de exemplo, em 2020, na ARS Norte, morreram 115 pessoas, no mesmo dia, em 2019, morreram 80 e, no pior ano dos últimos cinco, 2018, morreram, nesse mesmo dia, 94.
Há um aumento de 1.577 mortes que não pode ser explicado pela covid-19
Sabemos que 1.111 destes óbitos foram devido à covid-19, restam 1.577 que terão de ser atribuídos a outras causas. Isto numa altura, em que o governo voltou a autorizar as unidades de saúde a suspenderem a atividade “não covid”, para dirigir os recursos ao combate à pandemia. O Hospital Senhora da Oliveira, em Guimarães, é um exemplo desta gestão de recursos. Neste hospital uma das salas do bloco operatório foi transformada em extensão da Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente Covid, permitindo colocar três camas adicionais. Outras duas salas de operações poderão seguir o mesmo rumo em breve. Esta alocação de meios é feita com natural prejuízo das cirurgias não urgentes.
O aumento da mortalidade foi maior no distrito de Braga que no de Viana do Castelo
O aumento da mortalidade notou-se mais no Baixo Minho, com o distrito de Braga a registar uma subida da mortalidade, de 2019 para 2020, de 10,4%. O aumento do número de óbitos, relativamente ao ano anterior, no distrito de Viana do Castelo, ficou pelos 6,3%.
Entre os concelhos do distrito de Braga, só três registaram uma mortalidade mais baixa em 2020 que em 2019: Terras de Bouro, Vieira do Minho e Vizela. O primeiro faz parte da curta lista dos concelhos minhotos que não integram a lista dos municípios com elevado risco de transmissão. Em todo o caso, as reduções são ligeiras, dentro daquilo que se poderia esperar num quadro de normalidade. Em Terras de Bouro baixou de 69 mortos, em 2019 para 67, este ano. Vieira do Minho, que passou a integrar a lista dos territórios de alto risco depois da reavaliação feira pelo Governo, no dia 12 de outubro, registou uma descida de 136 para 122 falecimentos. Em Vizela, houve uma redução de quatro óbitos relativamente ao mesmo período do ano passado, mas o concelho está rodeado por alguns dos mais afetados pela pandemia e por isso integra a lista dos de “alto risco”, desde o primeiro momento.
Os critérios definidos pelo Governo para considerar um concelho como de “alto risco” são dois: o primeiro é a existência de 240 caso por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias, o segundo é a proximidade de outros concelhos que se encaixem neste critério.
Nos concelhos de Viana do Castelo e Ponte de Lima a mortalidade baixou
No distrito de Viana do Castelo, são dois os concelhos que não acompanharam a subida dos números da mortalidade, em 2020: o concelho de Viana e o de Ponte de Lima. Em Vila Nova de Cerveira a mortalidade até outubro, em 2020, estava exatamente igual ao ano anterior. O facto de o concelho de Viana do Castelo não registar uma subida da mortalidade acaba por contribuir para o comportamento do distrito como um todo, registaram-se apenas mais 161 mortos neste território, no ano corrente. Apesar de haver concelhos, como Arcos de Valdevez (outro dos concelhos integrados no grupo de alto risco desde dia 12) e Monção, onde houve aumentos expressivos da mortalidade, mais 36 e 57 óbitos respetivamente.
Em Braga registaram-se mais 133 óbitos, só 80 foram atribuídos à covid-19
Olhando apenas para um concelho, a diferença entre o número total de mortos e os óbitos por covid não é tão óbvia como quando se alarga a análise ao distrito ou à Região de Saúde. No concelho de Guimarães, o número de mortos por covid-19, anunciado pelo ACES do Alto Ave, é de 33. Neste concelho, houve mais 31 óbitos, em 2020, quer dizer que, aqui, a pandemia explica completamente o crescimento da mortalidade.
Já em Braga, o aumento da mortalidade foi de 133 registos, destes só 80 é que são atribuídos à covid-19. Um cenário semelhante ao que se passa nos Arcos de Valdevez, onde se registaram mais 36 falecimentos que em igual período de 2019, embora só tenha havido dez mortes por covid-19. O mesmo acontece em Monção, onde houve um aumento de 57 mortes, mas apenas 33 delas são atribuídas ao novo coronavírus.
A DGS ainda não começou a apurar as causas deste excesso de mortalidade e não se sabe quando é que o fará. Certo é que, por quase toda a região do Minho (à semelhança do que acontece pelo país) os portugueses estão a morrer mais em 2020 do que nos anos anteriores e a covid-19 só explica uma parcela destes óbitos.