O subfinanciamento do ensino superior público é um problema que preocupa vários atores da academia minhota e nem os 30.7 milhões previstos para financiar as duas futuras residências universitárias, que “já tardam”, parecem suficientes para encerrar o assunto.
Se as notícias não corressem depressa, ainda não se saberia que a antiga Fábrica da Confiança, em Braga, e a antiga Escola de Santa Luzia, em Guimarães, vão tornar-se no primeiro semestre de 2025 em duas residências universitárias: Não há sinalética, nem aviso que indique o início de obras.
Rui Vieira de Castro é reitor da Universidade do Minho há seis anos, encontrando-se a meio do segundo mandato.
Com alguns anos de experiência, admite que a oferta pública de residências para o ensino superior “está muito aquém” das necessidades, no entanto, “por se tomar consciência destas carências”, foi lançado o Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES) em 2018, que pretende que sejam intervencionadas 18 mil camas até 2026.
“O PNAES só ganhou impulso quando entrou no quadro de desenvolvimento do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Portanto, a possibilidade de concretização deste programa foi vista por nós como uma oportunidade, sobretudo para alargar o número de camas”, refere.
Segundo fonte da Unidade de Serviços da Gestão dos Campi e Infraestruturas, as futuras residências vão dar à Universidade do Minho uma oferta adicional de 936 camas, totalmente financiadas pelo PRR e cujo orçamento global é de 30.7 milhões de euros (ME).
Para a antiga Escola de Santa Luzia estão previstas 150 camas, que vão custar ao orçamento global 5.2ME, e para a Fábrica da Confiança conjeturam-se 786 camas, cujo valor ronda os 25.5ME.
O porta-voz das manifestações que têm sido levadas a cabo pelos alunos que vivem nas residências, Gonçalo Silva, diz que estas novas infraestruturas são “uma boa forma” de colmatar as dificuldades de alojamento, mas “já tardam”.
“O fim das obras está previsto para o ano de 2024/2025, contudo, não acredito que obras daquela dimensão se construam num espaço de um ano e meio. Há aqui uma necessidade de se avançar. Já era para ontem”, nota.
Na Universidade do Minho há, atualmente, quatro residências universitárias: a de Santa Tecla e Professor Lloyd, em Braga, e a de Azurém e Combatentes, em Guimarães, todas juntas com uma capacidade de 1.399 camas.
Num universo de 19.905 estudantes inscritos na academia minhota, 3.697 destes residem fora dos concelhos onde as faculdades estão sediadas, pelo que a taxa de cobertura, quando se considera o total de 2.335 futuras camas, continua a não dar resposta a todos.
Gonçalo Silva afirma que, apesar de novas camas serem sempre bem-vindas, o número total continua a ser escasso: “Existem vários alunos deslocados e poucas vagas nas residências, mesmo que se criem mais 936 camas, muitos ainda não vão conseguir quarto, nem valores acessíveis de alojamento”.
As edificações continuam no mesmo estado: Vidros partidos, portões enferrujados, lixo por todo lado. A única diferença é que a Fábrica da Confiança tem mais grafitis e cartazes do que a Escola de Santa Luzia. É tudo uma questão de tempo.
“As coisas estão a decorrer dentro da normalidade”, clarifica o reitor.
Rui Vieira de Castro explica que em Braga adotou-se uma contratação simultânea da conceção e construção da obra, sendo que o “júri está ainda a avaliar as propostas”.
Embora não haja certezas quanto ao término do processo, quando for concluído, ficam criadas as condições para que se possa iniciar a obra.
Em Guimarães optou-se por uma contratação em duas fases. Ou seja, “o projeto do futuro edifício vai ser entregue em janeiro”, faltando ainda lançar o concurso para a realização da obra.
Para o representante da Universidade do Minho, este investimento, para além de resolver alguns problemas, vem requalificar a oferta: “Esperamos que tenha impacto na regulação de preços por parte do setor privado, na recuperação das ruas e na revitalização do comércio local”.
Também o presidente da direção da Associação Empresarial de Guimarães, Rui Dias, e o diretor geral da Associação Empresarial de Braga, Rui Marques, acreditam que estas novas camas vêm revigorar as atividades que nestas cidades existem.
“Os comerciantes de Guimarães estão expectantes que este investimento venha aquecer a procura e veem o surgimento de novos negócios com bons olhos, porque vão tornar a zona mais atrativa para outros consumidores”, salienta Rui Dias.
Rui Marques obteve a mesma reação por parte dos bracarenses e crê que, ao gerarem-se novas infraestruturas, outros edifícios possam ressurgir.
“Pode criar-se aqui um efeito de contágio. Quando se faz uma intervenção num edifício emblemático como a Fábrica da Confiança, outros proprietários começam também a reabilitar os seus pertences”, declara.
Apesar dos efeitos positivos reconhecidos pelas associações, o subfinanciamento do ensino superior público preocupa vários atores da academia minhota.
De acordo com o reitor, nos dois últimos Orçamentos do Estado (OE), a universidade viu a sua situação melhorada, visto que a taxa de cobertura que o OE2024 representa para o orçamento global da instituição anda nos 43%, mais quatro do que o ano passado. Mas não é suficiente.
“Continuo a achar que, de facto, o ensino superior público em Portugal está subfinanciado e tem nas propinas uma componente fundamental. Não pudemos abdicar dos 25ME que vêm das propinas. É receita que compensa as faltas de apoio”, revela.
Os estudantes que se manifestaram junto ao Largo do Paço, em Braga, no dia 22 de novembro redigiram um abaixo-assinado que, segundo fonte da reitoria, já foi entregue à Ministra de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato.
O documento, lê-se, exige a aplicação prática do PNAES, a “reabilitação das residências”, que enfrentam condições “agudizantes”, a celeridade na construção das novas residências e, num plano mais geral, “mais financiamento para as instituições de ensino superior”.