O nome escolhido para o recém-inaugurado albergue de peregrinos no concelho de Barcelos está a colocar em polvorosa a freguesia de Pedra Furada. A autarquia local – união que agrega cinco freguesias – batizou o equipamento de “Palhuço”. Os ex-autarcas arrasam a escolha do nome considerando que “desprestigia” a freguesia e um deles ameaça mesmo instigar um boicote eleitoral nas próximas eleições autárquicas. Por seu turno, o atual presidente da Junta considera que o nome “é muito bom” e justifica que era assim que a antiga escola, em cujo edifício foi construído o albergue, era conhecida “há muitos anos”. Tese contestada pelos críticos que garantem que, até agora, nunca tinham ouvido falar de “Palhuço” e defendem que o albergue devia ter o nome da freguesia.
“What’s in a name?” (o que há num nome?), questionava Shakespeare, pondo em causa a importância de nomear as coisas, pois afinal uma rosa cheiraria da mesma forma mesmo que tivesse outro nome. Mas tal como as suas personagens “Romeu e Julieta” percebem, da pior forma, que o nome – no caso, os seus apelidos de famílias rivais – importavam, também nesta freguesia de Barcelos o nome dado a um edifício histórico e agora restaurado para albergar peregrinos está a gerar acalorada polémica.
O que há, então, neste nome? Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora (7.ª Edição), “Palhuço” significa “palha miúda, traçada ou moída”. No Dicionário Priberam encontram-se hiperligações para textos literários que usam o termo para descrever a palha fraca que serve de leito aos animais. O significado que, aliás, tem a palavra galega da mesma família, “palhuçada“.
Seja qual for a interpretação desta arcaica palavra, José Torcato, durante 12 anos presidente da Junta de Pedra Furada, até 2009, não tem dúvidas: “O nome não tem qualquer cabimento. Se fosse Escola Velha ou Escola Antiga de Pedra Furada…”.
Chamar “Palhuço” àquele edifício? “Nunca ouvi isso na minha vida”, garante. Só agora, com o estalar da polémica, é que ouviu dizer que “há catraios que, quando foram para a escola nova e porque a antiga estava degradada”, começaram a chamar-lhe “Palhuço”.
“Vou impulsionar a freguesia a fazer um boicote eleitoral”
Relativamente à obra, o ex-autarca de 75 anos realça que “está impecável”, mas o nome “desprestigia a freguesia” e classifica-o mesmo de “ridículo dos ridículos”. O facto de o presidente da Junta ser de Góios, uma outras das cinco freguesias agregadas em 2013, aumenta as desconfianças de José Torcato. “Como ele não é daqui, se calhar quer acabar com o nome de Pedra Furada”, pondera o ex-autarca que, na Páscoa, tomou o lugar do pároco na freguesia e a quem “toda a gente perguntava o porquê desse nome”.
José Torcato vai mais além e promete que, “se ainda for vivo”, nas próximas eleições autárquicas, vai “incentivar as pessoas para nunca mais votarem nem em Pedra Furada nem para a Câmara de Barcelos”.
“Vou impulsionar a freguesia a fazer isso. Vou fazer um boicote”, garante.
“Piada de mau gosto”
Joaquim Gonçalves, ex-presidente da Assembleia de Freguesia, entre 2009 e 2013, é que diz já não ter idade para avançar ele próprio com um movimento de contestação, mas “se houver algum abaixo assinado [é] o primeiro a assinar”.
Tanto ele como os seus pais aprenderam naquela escola a ler e a escrever e considera que dar-lhe o nome de “Palhuço” só pode ser “uma piada de mau gosto”. E assegura que jamais o edifício assim fora chamado: “Tenho 78 anos e nunca ouvi esse nome, só agora”.
Quando soube o nome que ia ser dado ao albergue de peregrinos, desistiu de ir à inauguração, no dia 10 de abril, que contou com a presença do presidente da Câmara, Mário Constantino.
“No dia da inauguração, até estava a pensar em ir, mas quando soube o nome que lhe puseram, fiquei logo mal dispoto, nem sequer fui à cerimónia, fiquei em casa”, conta, justificando com o receio de dizer algo desadequado a uma cerimónia solene. E acrescenta: “Há coisas que não compreendo. A vereadora da Cultura e o presidente da Câmara estiveram aí [na inauguração], e aceitam um nome desses? Não têm nada a dizer?”.
Defendendo que o albergue devia mencionar a freguesia, afirma que de todas as pessoas com quem tem falado “ainda não [encontrou] nenhuma a defender” o nome. “Palhuço, o que é que é isso?”, critica.
“Palhuço é uma palavra muito feia, que nos ofende”
António Herculano, proprietário do restaurante Pedra Furada e individualidade conhecedora e muito ligada ao Caminho de Santiago, também lamenta a escolha do nome por parte da Junta de Freguesia. “Foi uma decisão muito infeliz para Pedra Furada, para Barcelos e para todos os peregrinos. O nome Palhuço é uma palavra muito feia, que nos ofende e, muito sinceramente, da qual eu nunca tinha ouvido falar”, sublinha.
“A minha ideia é que o nosso nome é como uma segunda pele, reflete toda a nossa história de vida, todo o nosso percurso. O mesmo para um edifício. O nome de um edifício é uma coisa muito importante. Porquê ‘Palhuço’, que nada tem a ver com aquele edifício tão nobre?”, questiona António Herculano, que ainda está “convencido que o bom senso vai imperar e que a denominação vai ser alterada para bem de todos”. “Estou convencido disso, posso estar enganado”, assume.
Mudar o nome? “De maneira nenhuma”
Pelo que Nuno Oliveira, presidente da Junta e também secretário do presidente da Câmara de Barcelos, afirma a O MINHO, não há volta a dar. Questionado se pondera mudar o nome, responde categoricamente: “De maneira nenhuma”. “É o nome com que estamos a trabalhar e vamos manter”, afiança.
Pelo restaurante de António Herculano, paragem obrigatória no Caminho de Santiago, famoso pelo seu Galo Assado Recheado no Forno e outras especialidades regionais, passam diariamente inúmeros peregrinos que o questionam sobre as curiosidades que encontram pelo caminho, nomeadamente a lenda que está no origem do nome Pedra Furada.
“Ainda uma senhora de Sidney passou junto à igreja e perguntou-me o porquê de Pedra Furada. A Pedra Furada está associada à lenda de Santa Leocádia, padroeira da freguesia, portanto isto tem história. A senhora depois escreveu no nosso livro de visitas que saiu daqui mais rica, aprendeu alguma coisa”, conta António Herculano, justificando o porquê de achar que o albergue devia ter o nome da freguesia.
“Se estivesse numa outra freguesia – Chorente, Gueral, Courel ou Góios – achava na mesma que devia ter o nome da terra. Era uma forma de perpetuar o nome da terra. Como houve a reforma administrativa [de 2013], com a união das freguesias, os nomes vão desaparecendo, e pelo menos ficava isto para memória futura”, realça.
Nota que as pessoas da freguesia estão “muito revoltadas e ofendidas com o nome” porque, apesar de não ser uma palavra “muito usada”, tem uma “conotação muito pejorativa”. Presente na inauguração a convite do pároco para a leitura de um texto, António Herculano falou com “várias pessoas” e “nenhuma tinha ouvido falar em tal nome”.
“São mais questões políticas”
Entendimento diferente tem o presidente da União de Freguesias de Chorente, Góios, Courel, Pedra Furada e Gueral e também secretário de Mário Constantino, presidente da Câmara. “Acho que o nome é muito bom, representa bem aquele edifício. E é no mínimo estranho alguém criticar um nome”, afirma Nuno Oliveira a O MINHO, passando ao ataque: “São mais questões políticas do que propriamente a ver com o nome, porque aquilo era um edifício que anteriores juntas sempre tiveram como promessa eleitoral requalificar e nunca o fizeram”.
“Aliás, o último presidente de Junta de Pedra Furada esteve lá na inauguração e nem sequer se manifestou, por isso essa polémica não existe, alguém inventou isso”, afirma. Isto, pese embora a tal polémica que diz não existir já ter sido noticiada, na semana passada, pelo jornal local Barcelos Popular numa notícia em que são citadas críticas do referido último presidente de Junta de Pedra Furada ao nome escolhido.
Contactado por O MINHO, Luciano Silva, presidente da Junta entre 2009 e 2013, afirma que a crítica do seu sucessor “não corresponde à realidade”. “Fui o último presidente do executivo antes da agregação, e até fui que pedi ao município a doação da escola, que na altura ainda estava sob a alçada do Ministério da Educação, já com a ideia de fazer ali algo de cultural. Claro que, como foi no último mandato, não tive oportunidade de fazer algo mais”, justifica.
“Por coerência, devia chamar-se Albergue de Pedra Furada”
Luciano Silva veria com “bons olhos” que o albergue se chamasse Pedra Furada e nota que “há alguma contestação popular na freguesia pelo nome que lhe atribuíram”.
“Por coerência, devia-se chamar-se Albergue de Pedra Furada e a freguesia acabava por ficar representada”, defende o ex-autarca, acrenscentando que só “algumas pessoas localmente” é que tratavam a escola por “Palhuço”, uma “alcunha” que terá sido posta “depois de acabar a telescola” devido ao estado de “degradação” do edifício.
Barcelos tem novo albergue de peregrinos (e teve 17 dormidas logo na primeira noite)
Já o presidente atual garante que “aquele edifício é conhecido como a escola do Palhuço”. “As pessoas aqui à volta, se lhes perguntarem qual é a escola do Palhuço todas sabem qual é, nem é preciso dizer mais nada, há muitos anos”.
E acrescenta: “A escola estava fechada há mais de 25 anos, completamente devoluta e abandonada e as pessoas ainda a identificam como escola do Palhuço, não fomos inventar o nome”.
Afinal, o que há num nome? Neste, como se vê, há polémica.
“Tem tido gente todos os dias”
Como O MINHO noticiou, o novo albergue de peregrinos dos Caminhos de Santiago foi inaugurado no passado dia 10 de abril e logo na primeira noite dormiram lá 17 peregrinos. Localiza-se no edifício da antiga escola primária, cujo projeto remonta a 1890, e que deverá ter entrado em funcionamento no início da década de 1900.
As obras de recuperação custaram cerca de 120 mil euros e serviram não apenas para a preservação integral do edifício como para dotá-lo de duas salas/dormitório com camaratas com capacidade para 24 camas.
O albergue tem ainda uma zona reservada a sala de convívio, sanitários completos e lavandaria equipada com máquinas de lavar e secar.
O logradouro, constituído de zona relvada, tem cerca de 800m2.
A pernoita custa 8 euros por pessoa, e o equipamento vai ser gerido inicialmente pela Junta da União de Freguesias de Chorente, Góios, Courel, Pedra Furada e Gueral.
Nuno Oliveira avalia que, desde a abertura, “tem tido gente todos os dias”. “Achamos surpreendente porque ainda não fazemos parte de nenhum roteiro e mesmo assim as pessoas aparecem”.
E conclui: “O sítio é muito bom e o edifício também. Nas redes sociais só temos tido feedback positivo, não vi nenhuma referência a essa questão do nome”.