O pai era um homem conservador (Salazarista nas palavras de Neno), não gostava que os sete filhos jogassem futebol, as duas meninas nem se falava e a cantoria também não lhe agradava. O professor apreciava o silêncio e dava tostões ao Neno para que se calasse e o deixasse trabalhar. Nada correu como o senhor Augusto Barbosa Barros planeava. Neno deu jogador de futebol e cantor.
Era através de acordos com a mãe, mais tolerante, que Neno e os irmãos conseguiam abertura para jogar. “Tens de estar em casa antes do teu pai chegar”, dizia-lhes.
Jogar à bola “era uma coisa de que gostava muito”, mas cantar encantava-o. O primeiro ídolo foi Roberto Carlos, mais tarde Júlio Iglésias.
Faltar às aulas ou não ter boas notas era coisa impossível, em casa de professor, que, ainda por cima, conhecia os colegas e mantinha-se informado. A vontade de dar uma boa educação aos filhos terá sido o motivo por que, após o 25 de abril, a família se mudou para Portugal. Isso e as simpatias pelo regime do Estado Novo que o pai cultivava e que não lhe garantiam grande futuro em Cabo Verde.
Lembrava sempre o frio que sentiu no primeiro inverno no Barreiro. Impossibilitados de trazerem muitos haveres, a roupa era pouca e adaptada ao clima dos trópicos, também não havia dinheiro para comprar nova. O Barreiro nem é tão frio como o frio que havia de encontrar quando, mais tarde, veio para Guimarães, mas naquela altura parecia-lhe gelado.
O jogo da bola, na rua está claro, era a forma como os rapazes socializavam na década de 1970. Bom de bola e com uma capacidade natural para o relacionamento, o Barreiro tornou-se o seu elemento natural num instante.
Dava nas vistas a jogar na rua, era “elástico” (alcunha) e não demorou a aparecer no Santoantoniense e depois no Barreirene, tinha 13 anos. Do pai recebeu o aviso: “Ao primeiro chumbo acaba-se o futebol”.
“Em Cabo Verde toda a gente é do Benfica, até hoje”, disse uma vez numa entrevista. Pelo Bento e pelo Eusébio, Neno também tinha simpatia pelo clube da Luz. Mas confessou que também simpatizava com o Sporting, por causa do Damas. Os guarda-redes são um mundo à parte.
Aos 15 anos, Benfica, Sporting e Vitória de Setúbal andavam atrás do rapaz que ainda nem jogava com luvas. Quando subiu à equipa principal do Barreirense, na equipa havia dois guarda-redes experientes e chegou o rapaz dos juniores. O certo é que, mesmo a contragosto do treinador, Neno impôs-se, no primeiro jogo que fez até penáltis defendeu.
Naquela altura, o Barreirense era o clube de formação do Benfica. Aos 22 anos, naturalmente, Neno assinou pelo clube da Luz, ganhava 5 contos, estávamos em 1984. O mítico guardião Bento ofereceu-lhe as primeiras luvas. “Era o meu ídolo”, confessava. Continuou a jogar no Barreirense e a treinar na Luz. Quando foi mesmo para o Benfica para jogar, ganhava 100 contos.
Confusão de treinadores, as coisas nos Benfica não correram bem e Neno começou a fazer pressão para sair. Foi assim que chegou a Guimarães a primeira vez. “Quando cheguei senti-me logo em casa”, dizia. Esteve dois jogos no banco, mas rapidamente tomou o lugar de Jesus e fez uma época espetacular. Tão boa que o Benfica o chamou de volta. Mantinha contrato com o Benfica.
Voltou a casa dos pais, no Barreiro. As idas para os treinos eram na carrinha do Bento, a tresandar a peixe, porque este tinha um negócio de peixaria. Contava que aprendeu muito com o antigo guarda-redes da seleção, nesse tempo. Mesmo assim foi para o Vitória de Setúbal, ser suplente do Bento era um estatuto, mas o que queria era jogar à bola.
Pimenta Machado foi buscá-lo a Setúbal. Nessa época, fez todos os jogos e conquistou a Supertaça. As boas exibições em Guimarães fizeram com que o Benfica, com quem mantinha contrato, voltasse a rondar. Por esses dias já tinha envergado a camisola da seleção A, um feito para um jogador do Vitória, numa altura em que o peso dos “grandes” na seleção era ainda maior que hoje.
Era o tempo de Eriksson e de Silvino a guarda-redes. Voltou a deixar Guimarães de coração partido. Mas Guimarães, a ele não lhe sairia do coração nunca mais. Casou no Berço, em 1990. Quando volta à Luz, uma parte de si já fica na Cidade Berço.
Foi dividindo a baliza com Silvino, de tal forma que é difícil dizer quem era o titular. Foi duas vezes campeão pelas Águias. Na seleção havia Victor Baía e Silvino, os tempos não eram fáceis para chegar à baliza.
“O Michel foi o melhor guarda-redes que eu conheci na minha vida. Michel Preud’homme e Bento, não há mais ninguém”, opinião de quem sabe do que fala e Neno sabia.
Com Preud’homme, “o melhor do mundo”, na baliza do Benfica, Pimenta Machado voltou ao ataque e ultrapassou o Sporting na corrida pelo Neno.
Na última época em Guimarães magoou-se num treino, caiu para dentro da baliza e ficou com os dentes presos na rede, deslocou um maxilar e foi operado nessa noite. Voltou como suplente do Pedro Espinha, mas por onde o Vitória andava, a bancada levanta-se para o aplaudir. Amor com amor se paga.
Reações à morte de Neno: “É uma notícia que abala todo o futebol português”
Mas, não era homem de banco de suplentes, por isso, passou para a direção técnica. Em 1998/99, era diretor técnico e terceiro guarda-redes. Foi diretor desportivo, secretário técnico, treinador de guarda-redes, relações-públicas.
Este último cargo assentava-lhe como uma luva. Era naturalmente empático e depois tinha uma vocação para o palco, gostava de cantar, o seu ídolo era Júlio Iglésias que deixou de jogar futebol para se dedicar à música, no ano em que Neno nasceu, 1962.
Gravou CD´s e teve oportunidade de conhecer o seu ídolo musical que lhe ofereceu um fato e uns sapatos. Nada de mais, afinal Neno era um excelente promotor das músicas do Iglésias que cantava com primor. Trinta anos depois, ainda vestia o fato que guardava religiosamente.
Cantava, principalmente para ajudar e se nunca seguiu uma carreira de cantor profissional, não foi por falta de talento, foi porque o futebol continuava a tomar-lhe o tempo todo. Prisões, hospitais, festa de angariação de fundos,
Neno lá estava sempre disponível para ajudar e espalhar alegria.
Partiu na quinta-feira, dia 10 junho, tinha 59 anos.