O telescópio espacial James Webb vai ser lançado hoje para o espaço a partir da base europeia de Kourou, na Guiana Francesa. O lançamento estava previsto para ontem, mas foi adiado para hoje, entre as 12:20 e as 12:52, devido às “condições meteorológicas adversas” na base de Kourou, indicou em comunicado a Agência Espacial Europeia (ESA).
O telescópio, que resulta de uma colaboração entre a ESA e as congéneres norte-americana (NASA), que lidera o projeto, e canadiana (CSA), começou a ser desenvolvido há mais de 30 anos. Os astrónomos esperam com o telescópio, que deve o seu nome a um antigo dirigente da NASA, obter mais dados sobre os primórdios do Universo, incluindo o nascimento das primeiras galáxias e estrelas.
A astrónoma vianense Catarina Alves de Oliveira, que trabalha no Centro de Operações Científicas da ESA, em Espanha, é responsável pela calibração de um dos instrumentos do James Webb. Engenheiros do ISQ – Instituto de Soldadura e Qualidade acompanham a segurança das operações de lançamento.
O novo telescópio é apontado como o sucessor do Hubble, em órbita há 31 anos.
Ver as primeiras galáxias do universo
“Em astronomia, o tamanho de um telescópio é fundamental. Quanto maior, mais fotões podem ser recolhidos, e por isso podemos ver objetos muito ténues e distantes, como as primeiras galáxias que existiram no Universo”, salientou à Lusa a astrofísica Elisabete da Cunha, do Centro Internacional de Investigação em Radioastronomia da Universidade da Austrália Ocidental.
Depois de uma “viagem” pelo espaço durante um mês, em que vai “desdobrando” os seus componentes para adquirir a sua configuração final, o James Webb ficará posicionado a 1,5 milhões de quilómetros da Terra.
O telescópio irá captar a luz de corpos celestes mais longínquos, de há 13,5 mil milhões de anos, quase a idade do Universo (de acordo com a teoria do Big Bang, o Universo terá 13,8 mil milhões de anos).
O “mais longe” que o Hubble “recuou” foi 12,5 mil milhões de anos, quando as estrelas e galáxias são jovens, registando a luz difundida por corpos celestes no visível, no ultravioleta e parte do infravermelho (invisíveis).
O Webb, além de observar as primeiras estrelas e galáxias, vai permitir “olhar para dentro” de nuvens de gás e poeira onde se estão a formar estrelas, galáxias e sistemas planetários mais “recentes”.
Com o novo telescópio, Elisabete da Cunha espera “conseguir, pela primeira vez, fazer um mapa da distribuição das estrelas” em galáxias distantes que “são verdadeiros monstros cósmicos, que estão a formar centenas e, até, milhares de novas estrelas por ano”.
“Estas galáxias distantes são das galáxias que formam estrelas mais rapidamente no Universo, mas, por terem quantidades enormes de poeira cósmica, até agora nunca foi possível observar diretamente as suas estrelas”, assinalou, acrescentando que vai “desenvolver modelos computacionais que possibilitam medir as propriedades físicas das galáxias” a partir das observações com o Webb, como a massa e a quantidade de poeira.
Os astrónomos vão poder, ainda, descobrir e estudar melhor planetas extrassolares e as suas atmosferas, “chegar” a zonas obscuras do Sistema Solar, compreender de forma mais afinada as origens da vida e procurar sinais de vida extraterrestre.
Tudo porque o James Webb está capacitado para registar a luz infravermelha (luz invisível) emitida por corpos celestes com uma sensibilidade sem precedentes.
Os seus instrumentos científicos, quatro ao todo, decompõem a luz nos seus diferentes comprimentos de onda e focalizam-na num detetor para formar um espetro.
As propriedades de átomos e moléculas deixam assinaturas no espetro, que revela características dos corpos celestes, como temperatura, composição química, idade, densidade e movimento.
O novo telescópio resulta de uma parceria entre a NASA e as congéneres europeia (ESA) e canadiana (CSA).
Todos os Estados-Membros da ESA, incluindo Portugal, contribuem para o James Webb através do Programa Científico.
Os cientistas europeus terão direito a 15 por cento do tempo de observação do telescópio assim que estiver operacional, o que se espera que aconteça seis meses após o seu lançamento. Os primeiros dados científicos são aguardados ainda em meados de 2022.
Apesar de ser o maior e mais potente telescópio espacial, o James Webb tem uma limitação: não pode ser reparado em órbita, ao contrário do Hubble, devido à sua distância da Terra, pelo que a sua “esperança de vida” é curta, de cinco a dez anos.
Contudo, foram precisos mais de 30 anos para o desenvolver e construir.
As expectativas da astrofísica portuguesa Elisabete da Cunha são muitas. Para ela, “quase de certeza” que o novo telescópio “vai trazer surpresas e descobertas inesperadas sobre o Universo primordial”.
Descobridor de galáxia CR7 espera “revolução atrás de revolução” com novo telescópio
David Sobral descobriu a CR7, a galáxia mais brilhante dos primórdios do Universo, e com o telescópio espacial James Webb espera assistir a uma “revolução atrás de revolução” e ver as galáxias “mais distantes de sempre”.
“Se tudo correr bem, vamos ter revolução atrás de revolução. Vamos descobrir as galáxias mais distantes de sempre”, afirmou à Lusa o astrofísico português, a trabalhar no Reino Unido, acrescentando que o novo telescópio, com lançamento previsto para sexta-feira, “vai mostrar detalhes que até hoje apenas eram possíveis em simulações de computadores ou em obras artísticas”.
David Sobral esteve à frente da equipa internacional que em 2015 anunciou ao mundo a descoberta da galáxia mais brilhante dos primórdios do Universo, a CR7, e de sinais das primeiras estrelas, quando o Universo tinha 800 milhões de anos (a idade do Universo estimada pela teoria do Big Bang é 13,8 mil milhões de anos).
A descoberta foi feita graças a vários telescópios no solo e ao telescópio espacial Hubble, na órbita terrestre há 31 anos.
Agora, o astrofísico português, que leciona na universidade britânica de Lancaster, integra duas equipas que pretendem com o James Webb “obter alguns dos dados mais profundos”, e também os primeiros, para “medir a taxa de formação estelar no Universo primordial da forma mais completa até hoje”, incluindo o que chama de “PIB cósmico”.
“Com o Webb vamos finalmente ter a melhor medição da quantidade de estrelas que se formavam no Universo numa altura de grande ‘crescimento económico’ no Universo”, disse, assinalando que “nos primeiros dois mil milhões de anos de vida do Universo a atividade de formação estelar devia ser cada vez mais alta à medida que o tempo passava, até a um pico há 11 mil milhões de anos”.
Para cumprir o que se propõem fazer, David Sobral e os colegas vão utilizar o James Webb durante mais de 40 horas no primeiro ano de observações científicas do telescópio, que deverão iniciar-se seis meses após o seu envio para o espaço.
O Webb há de revelar as primeiras galáxias e estrelas, mas também planetas extrassolares e buracos negros tanto distantes como próximos.
“É o telescópio mais caro e ambicioso de sempre, que vai abrir janelas completamente novas” sobre o Universo, acentuou o investigador, acrescentando que o James Webb vai permitir “saber mais sobre que tipo de estrelas ou buracos negros existiam em galáxias quando eram incrivelmente jovens”.
A “grande limitação” do novo telescópio, ressalva, é que foi concebido para funcionar durante cinco a dez anos, menos de metade da longevidade do Hubble.
Dada a distância a que o James Webb estará da Terra não será possível aos astronautas fazerem a sua manutenção ou quaisquer melhoramentos, ao contrário do que sucedeu com o “velhinho” telescópio.