Na Serra Amarela “ardeu tudo”, há vacas perdidas e muitas críticas ao combate às chamas

Na serra amarela "ardeu tudo", há vacas perdidas e muitas críticas ao combate às chamas
Foto: Ivo Borges / O MINHO

Carlos tem os braços arranhados, foi de “entrar no mato”, ele e outros, para impedir o fogo da Peneda-Gerês de entrar na aldeia, mas na serra Amarela “ardeu tudo”, há vacas perdidas e críticas ao combate às chamas.

“Em certos sítios, a população esteve mais perto do fogo do que os bombeiros. Não foi o combate mais adequado. Dá impressão que ninguém se entende. Veem o fogo ali em frente [os bombeiros] e têm de esperar por autorização do comando para apagar? De que vale a pena ter meios se não houver quem atue?”, questiona Carlos Monteiro, o “tio” Carlos do café Lourido, na aldeia com o mesmo nome, no Parque Nacional da Peneda-Gerês (PNPG), no concelho de Ponte da Barca.

Os civis, garante Carlos, “estiveram no terreno, conhecem o terreno” e sabem “por onde fugir” do fogo, para além de que ainda foram ajudar em Ermida, outra das aldeias ameaçadas pelas chamas, agora rodeada por uma serra Amarela onde “ardeu tudo”, apenas restam umas pequenas manchas verdes.

Manuel nunca viu um “fogo assim descontrolado”

“Se o objetivo era queimar, está tudo queimado”, resume Manuel Lopes, emigrante de 50 anos, que chegou de França no dia em que o incêndio começou, em 26 de julho.

Natural de Lourido, Manuel tem 50 anos e diz que nunca antes viu um “fogo assim descontrolado”.

“Estou aborrecido porque, com os meios que tínhamos, não percebo como ardeu tanta área. Das outras vezes apagava-se quase só com a população. Desta vez, com tantos meios aéreos e meios no terreno, como é que ardeu a totalidade do PNPG [no concelho de Ponte da Barca]?”, pergunta.

Manuel viu bombeiros “ver o fogo sem atuar, a dizer que esperavam a ordem do comando”.

“Esperam pelo fogo mesmo dentro da localidade. É deixar [a floresta] arder, mas o povo opõe-se”, explica.

O morador diz ter visto “litros de água despejados em sítios onde já tinha ardido”, ao passo que “o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas [ICNF] só se interessa do Cabril e da [mata da] Albergaria [situados noutra zona do PNPG]”.

“A casa pode arder, mas no lobo não se pode tocar”, observou.

“Nós, os civis, estivemos lá, no terreno”

Carlos Monteiro acrescenta que, “se o helicóptero descarregar água numa linha de fogo e não houver gente no terreno para abafar o fogo, não serve de nada”.

“Nós, os civis, estivemos lá, no terreno”, assegura o dono do café, de 50 anos, agora preocupado com os clientes que não chegam na época alta.

De acordo com Carlos, estiveram a combater as chamas “meios que não conhecem o terreno, não sabem por onde escapar e ficam com medo”.

“Os nossos sapadores florestais foram incansáveis, sem o esforço deles as dimensões iam ser piores. Era preciso mais meios de ação”, sustenta.

Questionado sobre o papel do ICNF, que gere o PNPG e hoje tinha vários jipes a circular naquela zona, Carlos diz que ainda não percebeu “o que eles fazem”.

“A empresa Tobogã [de turismo e animação de aventura e natureza], além de vigiar, limpa. No fim de cada temporada vão por aí apanhar o lixo – garrafas, sacos, plásticos. Eles são os maiores vigilantes”, sublinha.

No café Lourido, todas as conversas desta manhã iam dar ao fogo que foi dominado no domingo, cerca de uma semana depois de ter começado, e hoje está “em conclusão”, mobilizando 107 homens apoiados por 40 viaturas, de acordo com a página da Proteção Civil pelas 15:30.

“Só tenho quatro vacas, mas falta-me uma. Está perdida desde domingo. Estava no monte. Mas não é só a minha. Faltam muitas”, lamenta Jorge Lopes, natural de Lourido a viver na vizinha aldeia de Ermida.

“Graças a Deus” por não haver “casas em brasa”

Em Ermida, ficaram também queimados campos de cultivo de milho e fenos, para alimentar os animais.

“O que ainda não estava recolhido, desapareceu”, relatam os residentes, explicando que Lourido tem cinco vacarias e Ermida tem oito.

Numa das primeiras casas da aldeia de Ermida, Maria Paula, de 84 anos, dá “graças a Deus” por não haver “casas em brasa”.

“Mas a serra está toda queimada. Ainda ontem [segunda-feira] pegou ali à beira da santa [na entrada da aldeia], mas chegou gente e apagaram. Só temos aqui esta beira sem queimar. Se voltar o fogo, é para levar o resto”, afirma.

Mais à frente, Ana Assunção, de 84 anos, admite o receio de que o fogo entrasse na aldeia e tem “tanta pena do gado como da gente”.

“Agora onde vão eles comer?”, aflige-se.

População está “a tentar voltar à normalidade”

Residente em Paradela, outra zona também afetada pelas chamas, Marta Lobo, de 37 anos, tem a cargo um alojamento em Ermida e diz que a população está “a tentar voltar à normalidade”.

“Era tudo verde, os animais tinham sempre pasto. Agora, não sei. Olharmos para as montanhas e ver tudo negro não é bonito. Está aqui a imagem gravada”, assegura.

O PNPG foi criado em 1971, é gerido pelo ICNF e ocupa uma área de 69.596 hectares. Abrange os distritos de Braga (concelho de Terras de Bouro), de Viana do Castelo (concelhos de Melgaço, Arcos de Valdevez e Ponte da Barca) e de Vila Real (concelho de Montalegre).

Dados provisórios do ICNF indicam que o incêndio no PNPG consumiu 5.786 hectares daquela zona natural protegida.

 
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