Nos anos 80 do século passado, brilhavam nos troços do Mundial de Ralis os carros mais apaixonantes que já se construíram para esta categoria, os Grupo B. Os Audi Quattro, os Lancia Delta S4 ou os Peugeot 205 Turbo 16, marcaram a época de ouro da modalidade. O Citroën BX 4TC também tinha homologação para Grupo B e chegou a correr três provas do mundial, mas ficou para a história como o patinho feio.
A Citroën esforçou-se tanto por apagar este carro dos registos, tentando recuperar as unidades vendidas para serem destruídas, o que fez dele um carro raro. A versão de estrada está avaliada acima dos 70 mil euros e um dos carros de competição foi leiloado, em outubro de 2021, por 412 mil euros.
Um português, apaixonado por automóveis, com uma queda pelos Citroen, é uma das poucas pessoas que se pode gabar de possuir um BX 4TC. Quando o Museu do Rali abriu portas, em Fafe, em junho de 2021, este colecionador de carros foi um dos primeiros visitantes. “Veio no Citroen BX 4TC e o carro avariou na autoestrada, provando que merece a fama que tem”, conta José Pereira, presidente do Automóvel Clube de Fafe. “Foi o carro melhor mal feito da história”, acrescenta a rir. Por tudo o que o envolve, mas também porque, na verdade, é um carro bonito, desenhado pelo conhecido Marcello Gandini (criador dos Lamborghini Miura e Countach), ficou acordado, logo naquela primeira visita, que o BX 4TC haveria de passar pela exposição do Museu do Rali. Agora, é possível vê-lo ao lado do seu compatriota Peugeot 205 Turbo 16, outro Grupo B francês, este com um palmarés completamente diferente: dois títulos de construtores e de pilotos em 1985 e 1986, com Timo Solonen e Juha Kankkunen.
Uma aposta falhada
Os carros de Grupo B, com potências bem acima dos 500 CV, eram tão espetaculares que fizeram do Mundial de Ralis um campeonato extremamente popular. As marcas, naturalmente, queriam aproveitar a visibilidade gerada por esta competição desportiva. A Citroën decidiu apostar contra Lancia, Audi, Peugeot e MG que, em 1986, dominavam a categoria.
O modelo escolhido como base para o Grupo B da Citroen foi o BX. Este carro tinha o motor montado na frente, transversalmente, por cima do eixo. Contudo, para ser competitivo no Grupo B, há muito que era absolutamente indispensável ter tração integral. Para acomodar a caixa de velocidades e a transmissão, a frente foi alongada e o motor montado em posição longitudinal, na frente do eixo frontal. Começavam aqui os problemas deste carro, com uma distribuição de massas desequilibrada. Nem a instalação dos radiadores de água e óleo na traseira resolveram este problema.
Além disso, com um orçamento baixo relativamente à concorrência, a Citroen acabou por construir um carro pesado e pouco potente. Na versão Evolution, a de competição, o motor 2.2 litros, sobrealimentado, de origem Simca-Chrysler, debitava 380 CV, muito abaixo dos quase 600 anunciados para o Audi Quattro ou para o Lancia Delta S4.
A utilização da suspensão hidropneumática – uma imagem de marca da Citroën -, embora representasse alguma vantagem nos pisos escorregadios, implicava ter menos curso que todos os outros carros.
Uma humilhação
O BX 4TC acabou por competir apenas em três provas, em 1986, o último ano dos Grupo B. Estreou-se no Rali de Monte Carlo, com um duplo abandono. No Rali da Suécia, o motor partido ditou a desistência de um dos carros, o outro ficou em sexto lugar, a mais de 23 minutos do Peugeot 205 Turbo 16 de Juha Kankkunen. Kenneth Eriksson, com um Golf GTI de tração dianteira ficou em sétimo, a um minuto do BX 4TC. Apesar de sofrível, esta foi a melhor prestação do BX 4TC, pilotado por Jean Claude Andruet. Nesse ano, a Citroen ainda participaria no Rali da Acrópole, na Grécia, apenas para fazer o pleno de desistências com três carros.
O BX 4TC era conhecido entre os fãs de ralis por “Cyrano de Bergerac”, devido à frente sobredimensionada. Humilhada, a Citroen decidiu terminar o programa e fazer tudo para que ninguém, alguma vez, se lembrasse que o BX 4TC existiu. Para conseguir a homologação, a marca tinha construido 200 unidades do BX 4TC (embora se diga que isto pode não ter acontecido). Foram vendidos menos de cem destas versões de estrada e, para o Mundial de Ralis, foram feitos cerca de 20 Evolution.
Dos carros preparados para competição restam menos de 10 e relativamente a versão de estrada, a Citroën, a certa altura, oferecia o dobro do valor aos proprietários para recuperar e destruir os carros. Contas feitas, sobram umas 40 destas máquinas. A Citroen sobreviveu a esta má experiência e, na primeira década do século XXI, tornou-se na marca de referência no Mundial de Ralis, entre 2003 e 2012, venceu oito campeonatos de construtores e outros tantos de pilotos, ajudando a construir a lenda de Sébastien Loeb.
O Museu do Rali, no edifício Nun’Alvares, em Fafe, é visitável de terça-feira a sexta-feira das 15:00 às 18:00 e ao sábado e domingo das 15:00 às 19:00.