“Nem uma vítima mais”. Cerca de uma centena de pessoas juntaram-se, esta quarta-feira à noite, junto ao Tribunal de Braga para uma vigília em memória de Gabriela Monteiro, que perdeu a vida em plena rua, esfaqueada pelo ex-companheiro, a cerca de 20 metros do Palácio da Justiça de Braga.
O evento, organizado por Sandra Ataíde e Anabela Ataíde, teve dois pontos de encontro distintos, a poucos metros um do outro. Enquanto perto de uma centena de pessoas acendia velas em frente ao tribunal, cerca de 50 outras pessoas juntaram-se no local onde Gabriela foi assassinada.
O MINHO falou com Anabela Ataíde, criadora do grupo de Facebook “Mulheres de Braga”, que deu conta de vários testemunhos de mulheres, vítimas de assédio e violência física e psicológica, que se sentem “humilhadas” pelos tribunais.
“O grupo era para ser um cantinho mas já conta com mais de 6 mil mulheres que desabafam e contam um pouco do que sofrem”, explica Anabela, dando exemplo de mulheres que, face a agressões dos maridos, denunciaram o caso e tiveram de partir para uma casa de abrigo com os filhos.
“É inexplicável como é que as mulheres têm de sair da vida normal e os agressores ficam em casa, ou com pulseira eletrónica ou como arguidos”, lamenta, indicando que “há lá [no grupo da rede social] desabafos de mulheres que estão a aguardar decisões do tribunal mas que são perseguidas na rua pelos agressores e os magistrados dizem que não podem fazer nada porque a rua é pública”.
Outra queixa generalizada que Anabela tem assistido é a falta de instituições a quem recorrer durante estas situações. “Vamos fazer uma petição para alterar leis, porque a polícia só pode fazer o que a lei deixa mas se as leis forem alteradas, os polícias podem agir de outra forma, de acordo com a lei”.
Anabela explica que está a ser preparada uma petição para entregar na Assembleia da República para alteração de leis de forma a que “nem mais uma mulher morra às mãos destes assassinos”.
É preciso falar destes casos nas escolas
Sandra Ataíde, outra das organizadoras desta vigília, é presidente da Associação de Pais da EB 1 das Parretas, em Braga, e lamenta que muitas crianças já vejam a violência doméstica como “algo normal”. “Alguns miúdos acham normal porque assistem ao pai a bater na mãe em casa e não há ninguém na escola que lhe diga que isso não é normal”, vinca.
Pena perpétua para os assassinos
Marta Costa e Gabriela Magalhães vieram de Vila Verde propositadamente para manifestar apoio às mulheres que se veem neste tipo de situação. Gabriela crê que as penas são demasiado leves e que isso faz com que estas situações se continuem a repetir. “Eu acredito na reabilitação mas acho que 25 anos é muito pouco para quem tira a vida a alguém neste contexto”, diz, apontando a “pena perpétua” como medida a ser tomada nestes casos.
“Este agressor [de Gabriela Monteiro] é confesso, no entanto, vai ser condenado e há provas evidentes para o condenar, no entanto daqui a uns anos está cá fora e o mal é de quem foi e dos filhos que cá ficam. Estas situações são diárias e isso é uma vergonha”, salienta.
“A Gabriela Monteiro foi assassinada no meio da rua com crianças a assistir, a 100 metros de uma esquadra e a 20 metros de um tribunal. Isto é surreal, mas só é surreal porque é permissivo pela lei”, vinca.
Marta Costa concorda com a amiga e sublinha que é necessário “tomar medidas mais sérias para este tipo de crime”. “Não se admite, neste século, isto ainda acontecer. É preciso tomar medidas drásticas porque senão as pessoas não vão parar e vai chegar ao ponto de se fazer justiça pelas próprias mãos”.
Luís é homem mas sente-se envergonhado
Luís Cardona, de Braga, marcou presença na vigília, não só porque é conhecido da vítima mas porque se sentiu afetado por este crime. “Isto não tem classificação, foi uma situação chocante que me afetou bastante, chegando a envergonhar-me pelos homens que fazem isto, embora seja um crime que acontece também com homens a serem vítimas”, diz.
O morador em Real refere que este tipo de vigílias são importantes para “se pôr um termo a isto”. “Acredito que cada vez mais se dê atenção a estes casos com este tipo de mobilização popular”, finalizou.
20 mulheres mortas em 2019
Gabriela Monteiro foi a vigésima sexta vítima mortal de violência doméstica, este ano, em Portugal. Na lista, de acordo com dados da Procuradoria Geral de República (PGR), constam 20 vítimas do sexo feminino e seis do sexo masculino. 25 adultos e uma criança. Na região do Minho, esta foi a quarta morte registada em 2019, no âmbito deste crime.