Morreu Ricardo Sant’Anna, um dos últimos guardiões da memória do castelo de Braga

Foi historiador, antiquário, mestre de carpintaria e marcenaria e técnico de emergência médica

Morreu esta sexta-feira Ricardo Luis Martin Sant’Anna, historiador, antiquário, mestre de carpintaria e marcenaria, técnico de emergência médica e um dos grandes defensores da memória do castelo de Braga, edifício que encheu o centro da cidade ao longo de séculos que muitos bracarenses desconhecem alguma vez ter existido.

Preocupado com o património de Braga, sobretudo com o castelo cujas únicas memórias hoje em dia passam pela torre de menagem e por algumas paredes amuralhadas nos edifícios da Arcada, em pleno coração do centro histórico, Ricardo Sant’Anna recolheu informação sobre o castelo como nenhum outro, criando um blogue (O HOMEM DO CASTELO) e um grupo de Facebook (entretanto desativado) dedicados ao tema.

Com o seu amigo Manuel Morais Pinho, sociólogo que se embrenhou de corpo e alma no projeto de Ricardo em recuperar a memória perdida sobre o antigo castelo de Braga, ambos guiaram muitos curiosos para que conhecessem todos os pormenores ainda existentes no centro da cidade que comprovam a existência do antigo castelo.

Nas redes sociais, Manuel Pinho deixou a lembrança do amigo, lamentando que muitos dos seus projetos não tenham sido aproveitados pelos diferentes serviços públicos ou instituições privadas: “Hoje a cidade de Braga perdeu um dos seus mais apaixonados. Simples, amigo e inteligente. Ninguém o ajudou. Mais um caso. Ricardo Luiz Sant’Anna, estas palavras são para as pessoas responsáveis de Braga. Até já Ricardo”.

Ricardo, que exerceu funções de técnico de emergência médica em Lisboa, Braga e Póvoa de Lanhoso durante mais de 20 anos, nunca cavalgou ondas políticas, sabe quem o conheceu. Aliás, temendo que a fábrica Confiança conhecesse o mesmo desfecho do castelo, que foi parcialmente destruído no início do século passado, dizia-se “politicamente neutro” na sua defesa.

“Não tenho partido, não me vejo representado por nenhum tipo de ideal defendido pelos mesmos. Concordo com alguns, discordo de todos… Vejo a política como apenas uma continuação de um jogo de interesses que dura há milénios por todos os campos do globo”, confidenciava aos mais próximos.

Numa fase mais adiantada da sua vida dedicou-se ao estudo de vários temas históricos relacionados com a cidade de Braga elaborando, também, trabalhos de madeira, bem como na divulgação cultural dos temas estudados através de sessões de esclarecimento, conversas e tertúlias.

Fez, também, divulgação cultural dos temas estudados através da publicação de breves escritos e blogue pessoal e participou por diversas ocasiões no evento “Braga Romana”, na área educativa da Câmara de Braga, como carpinteiro romano, fazendo demonstrações ao vivo, respondendo a perguntas e com uma exposição de ferramentas antigas e réplicas construídas para a ocasião.

Por entre os seus projetos contam-se o estudo sobre a construção e evolução da fortaleza medieval de Braga, através da sua reconstituição através de maquetas em escala reduzida e ao uso de visualização virtual em quatro dimensões, dando especial atenção ao estudo das técnicas de estaleiro e ao uso da madeira como material de construção.

Apresentou outro estudo, intitulado “Os Judeus na história de Braga – Percurso histórico desde a época romana até à expulsão”, uma obra aprofundada sobre a presença judaica na cidade de Braga desde a sua fundação romana até ao édito de expulsão. A sua presença após a expulsão como Cristãos Novos ou Cripto Judeus e a sua importância para o desenvolvimento económico e cultural da cidade.

Elaborou as Rotas de Sefarad Bracarense – um percurso turístico na zona histórica da cidade de Braga pelos antigos bairros Judeus (Judiaria velha e Judiaria nova) com recurso ao uso das novas tecnologias.

O seu corpo será cremado este sábado no Tanatório de Braga a partir das 14:30.

 
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