O Ministério Público de Braga respondeu aos recursos para a segunda instância interpostos pelo ex-presidente da Câmara de Vila Verde, António Vilela, e pelo ex-vereador Rui Silva, condenados no Tribunal Judicial por corrupção passiva, defendendo que as penas devem ser mantidas.
“A produção de prova feita em julgamento permitiu que a convicção do Tribunal atingisse o patamar da certeza (para além de qualquer dúvida) quanto à efetiva realidade dos factos alegados na acusação (e exarados no elenco dos factos provados), comprovados pela conjugação do depoimento das testemunhas inquiridas e ainda pela vasta documentação constante dos autos”, escreve a procuradora.
A posição da magistrada é como que uma resposta à tese dos dois arguidos que dizem que foram condenados sem prova efetiva, apenas com “métodos indiciários”.
Em dezembro, o ex-presidente e o ex-vereador recorreram para a Relação do acórdão que os condenou em novembro, respetivamente a 4 anos e 11 meses e a quatro anos e nove meses de prisão, suspensos, alegando que “os factos provados em julgamento, demonstram a sua inocência”.
No recurso de Vilela, o advogado Artur Marques diz que a fundamentação do acórdão, que condenou, ainda, o diretor da Escola Profissional local João Luís Nogueira (quatro anos e oito meses) – que não recorreu – “estrutura-se a partir das inferências consubstanciais à prova indireta”.
A condenação, por corrupção passiva ou ativa e por prevaricação, prende-se com o concurso de privatização da Escola, em 2013, que o Tribunal concluiu ter sido “um fato à medida”.
Agora, a magistrada vem contrapor, – referindo-se, ainda que indiretamente aquilo que o advogado entende ser prova indiciária e como tal, “perigosa” – , que “provar quer dizer, na linguagem do Direito Processual, criar no tribunal o convencimento da exatidão de uma alegação de factos”.
E argumenta: “Qual o grau de probabilidade necessário e suficiente para a fundamentação de um tal convencimento é algo que não pode ser indicado de modo exato, por exemplo, através de um número percentual. O juiz, que segundo o Direito processual atual tem de apreciar livremente as provas, deve sem dúvida formar o seu convencimento em consciência, com exclusão de tudo o que sabe serem fontes de erro. Tão-pouco se pode renunciar aqui, uma vez mais, à contribuição da personalidade humana, a um modo cuidadoso de julgamento cunhado pelo ethos judicial”.
Dúvida?
E, prosseguindo, afirma: “A dúvida sobre a responsabilidade é a razão de ser do processo. Efetivamente o processo nasce porque uma dúvida está na sua base. No caso concreto, após a realização do julgamento nenhuma dúvida razoável persiste sobre os elementos essenciais do tipo de crimes em análise. Com efeito, dos depoimentos conjugados e da prova documental resultou, no essencial, o apuramento seguro dos factos que constam no elenco dos factos provados (circunstâncias de modo de ocorrência, tempo e lugar e respetivas consequências psicológicas), e a identidade dos agentes dos factos constantes na acusação. O homem médio, colocado na posição do tribunal, chegaria a esta convicção. Pensa-se, igualmente, que um qualquer homem médio compreende e adere ao processo de formação da convicção do tribunal a quo. Nestes termos, julgamos que o presente recurso não merece provimento devendo ser considerado improcedente e mantida na íntegra a decisão recorrida”.
Constitucionalidade em causa
Já na opinião do jurista Artur Marques, que é, em geral, partilhada pelo defensor de Rui Silva, o advogado Reinaldo Veloso Martins, “se os factos comprovados através de prova direta admitirem diferentes conclusões ou explicações num leque de idêntico grau de plausibilidade, não há senão que optar pelas que se mostrem mais favoráveis ao arguido. Outra solução ofenderia princípios constitucionais”.
E acrescenta: “Vem isto ao caso para se dizer – com o maior e mais sincero respeito – que o acórdão não se reconforta nesses atributos e dum modo geral, quase sistemático, optou, na decisão daqueles controvertidos factos, pela inferência mais consentânea com as teses da acusação, menosprezando e preterindo a inferência que, sendo compatível com os factos-base, quando não a mais plausível, contrariava o libelo. E, além do mais, assenta em premissas ou pressupostos incorretos e contrários à prova produzida”.
Depoimentos das testemunhas
Defende, ainda, e recorrendo à transcrição dos depoimentos das testemunhas, que não houve manipulação das regras do concurso, que a garantia bancária pedida é um ato habitual, e que o concurso trouxe vantagens para o Município. E que o ex-Presidente da Câmara em nada beneficiou com o concurso, como se comprovou com a análise feitas às suas contas bancárias e bens por um departamento especializado da Polícia Judiciária.
Rebate a conclusão de que o concurso foi pensado e executado para beneficiar a empresa vencedora, a Vale D’Ensino de João Luís Nogueira, mas também para que Rui Silva, que iria perder o mandato de vereador por decisão administrativa, fosse colocado como diretor dos serviços do Complexo do Lazer na Escola. O advogado assinala que Rui Silva foi nomeado como “segunda escolha” depois de Manuel Barros, gestor público vilaverdense, se ter recusado a aceitar a função.
Gestor da Caixa Agrícola disse e desdisse
Refere, ainda, que os juízes entenderam valorar o testemunho do gestor da Caixa Agrícola de Vila Verde, José Santos Soares, o qual, em testemunho prestado ao Tribunal, a 23 de maio, disse que o ex-autarca não lhe pediu nada no que toca à emissão de uma garantia bancária de 500 mil euros à empresa candidata à privatização da Escola Profissional Amar Terra Verde (EPATV), a Val D’ Ensino, testemunho que desdisse na audiência seguinte, – depois de advertido pelo Ministério Publico e pelo juiz-presidente de que iria ser extraída uma certidão para o processar por “falsas declarações”.
Na segunda audiência de julgamento, afirmou o contrário e repudiou as declarações prestadas, desculpando-se com o facto de, naquele dia, estar perturbado, e ter tido “um dia mau”, devido a doença grave de um familiar. Recorde-se que no final das declarações do dia 23 de maio após ter sido confrontado com a alteração das declarações anteriormente prestadas o mesmo referiu que não tinha nada a acrescentar afirmando que tudo que tinha dito em tribunal correspondia à verdade dos factos.
No acórdão, os juízes valoraram o segundo testemunho, isto apesar de Artur Marques ter dito, nas alegações finais, que não se devia dar crédito a um “troca-tintas”.
Não houve crimes, diz defesa
E, a concluir, argumenta que, “a procederem, as críticas que ficaram expostas e, em concomitância, a julgar-se não provados os factos elencados, não subsistirão dúvidas de que não estão reunidos os requisitos típicos objetivos e subjetivos dos crimes de prevaricação de titulares de cargos políticos e de corrupção passiva agravado, pelo que o recorrente terá de ser absolvido”.
“Todavia, na hipótese de vir a manter-se a decisão da matéria de facto proferida pelo douto acórdão em mérito, sempre terá de ser diferente a decisão proferida no concernente à aplicação do Direito, já que, mesmo aqueles controvertidos factos, não preenchem, em concurso real, os dois crimes de que se trata”, conclui.