Criança de oito anos não vai regressar ao Luxemburgo. Fica com a mãe em Barcelos. O Tribunal da Relação de Guimarães rejeitou um pedido nesse sentido do Ministério Público, em representação do Estado Português, peticionando a realização das diligências tidas por adequadas, de forma a decidir-se sobre o regresso da criança ao Luxemburgo, nos termos da Convenção de Haia sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças e de um Regulamento da União Europeia.
O pedido apresentado funda-se, essencialmente, no facto de o menor ter sido, em 2020, ilicitamente deslocado para Portugal pela mãe, que, unilateralmente e sem o acordo do pai, decidiu fixar residência ao menor em Portugal.
A DGRSP, na qualidade de autoridade central portuguesa para efeitos da Convenção de Haia e do Regulamento Bruxelas II Bis, tentou, sem sucesso, o regresso voluntário do menor ao Luxemburgo, invocando a mãe episódios de violência doméstica perpetrados pelo pai da criança.
Como não foi possível alcançar-se uma solução consensual sobre o regresso do menor, pedido pelo Tribunal do Luxemburgo, o Tribunal de Família e Menores de Barcelos recusou o regresso do rapaz.
O pai recorreu, agora, para a Relação, tendo os juízes que analisaram o processo concluído que, e tal como foi dito na sentença sob recurso, “o superior interesse da criança passa por não ser sujeito a uma decisão de regresso que frontalmente contrarie a sua vontade”, sendo certo que o seu regresso ao Luxemburgo poderia implicar a sujeição a maus tratos idênticos aos já ocorridos no passado, atentatórios da sua integridade física e psíquica”.
“Por tudo o exposto, improcede a apelação, sendo de manter a sentença recorrida”, diz a Relação.
Separação dos pais
O acórdão conta que o casal se separou, em maio de 2020 e a progenitora foi viver com o filho para casa de uma prima, igualmente residente no Luxemburgo.
No dia 2 de Junho de 2020, a mãe veio com o filho passar férias a Portugal e não regressou ao Luxemburgo. A seguir, o pai instaurou um pedido de regresso da criança junto da Autoridade Central do Luxemburgo, ao abrigo da Convenção de Haia de 1980.
A Autoridade Central, em cumprimento da Convenção da Haia de 1980, enviou um ofício à mãe do menor, visando a sua colaboração no regresso voluntário da criança ao Luxemburgo, mas sem sucesso, invocando a progenitora episódios de violência doméstica perpetrados pelo pai da criança, pelo que não foi possível obter uma solução consensual.
O menor, quando ouvido, referiu que “o pai lhe batia e que lhe tinha apertado o pescoço”.
Sobre a ocorrência de contactos com o pai, relatou “manter contactos muito regulares, praticamente diários com o pai, através de videochamada, mas diz não pretender manter convívios presenciais ou pernoitar em casa do pai”.
O menor frequenta o primeiro ano de escolaridade num Centro Escolar de Barcelos, sendo um aluno assíduo.
Beneficia de acompanhamento psicológico regular, cuja intervenção é centrada na melhoria da capacidade de gestão emocional e na sua alteração comportamental, bem como no trabalho com a progenitora no sentido de potenciação de estratégias e de práticas educativas adequadas ao comportamento do menor.
Criança não quer voltar
Os juízes dão, ainda, como assente que, “do relatório de perícia psicológica decorre que o menor nutre sentimentos positivos pelo pai, no entanto, é perentório em afirmar que não quer ir para o Luxemburgo.
Verbaliza que quer manter contacto com o pai mas apenas por telefone, por se sentir mais seguro e protegido dessa forma.
Relatou que “ele (pai) bateu-me e ameaçou a minha mãe. Ele estava sempre a bater-me e eu fico triste. Ele uma vez deixou-me sozinho no terraço, porque eu não queria comer, deixou-me lá sozinho para aí 5 horas com a porta fechada e eu fiquei sozinho sem comer e chorei muito. Eu quando comi pude sair, mas eu não queria, era massa com salsichas… eu só gostava com molho de tomate”.
O menor refere, ainda, acerca do pai: “Uma vez apertou-me o pescoço! Deu-me pontapés”. Gosta da escola que frequenta e identifica amigos com que interage e verbaliza gostar mais de Portugal do que do Luxemburgo, associando sentimentos mais positivos em relação à família do lado materno do que paterno.
Rejeita ir para o Luxemburgo e estar perto do pai referindo que “ele ao telemóvel não ameaça, mas no Luxemburgo ameaça e bate-me”; “ele é querido, gosta de mim e quer que eu vá para o Luxemburgo”, “eu acho mal, porque quando vou para o Luxemburgo ele já fica mau”.
A progenitora apresenta-se como a figura de referência do filho e os dois evidenciam integração social e familiar no nosso país.
Ação de responsabilidade em curso
Refira-se, ainda, que o Ministério Público intentou no Juízo de Família e Menores de Barcelos, ação que corre termos, para regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor, a qual estava suspensa, a aguardar a decisão a proferir pelo Tribunal da Relação.