Memórias da Estação dos Caminhos de Ferro de Valença do Minho (1898)

Algumas notas sobre carris e um desabafo do historiador Rui Maia
Estação de Valença

Rui Manuel Marinho Rodrigues Maia

Licenciado em História, Mestre em Património e Turismo Cultural pela UMinho – Investigador em Património Industrial

A presente imagem, respeitante ao último quartel de Oitocentos, revela de forma perentória a influência que a ferrovia teve no desenvolvimento social, económico e territorial do Alto Minho. Valença do Minho, por essa época e, por analogia com a hodiernidade, revelava-se bastante mais despida em termos urbanísticos, particularmente no que diz respeito à envolvente da sua Estação dos Caminhos de Ferro.

Não obstante, lembremos que a Ponte Internacional – que liga Valença do Minho a Tui – foi inaugurada uma dúzia de anos antes (1886), o que, em certa medida, nos leva a crer que ao longo do traçado ferroviário e de forma paulatina se foram instalando novas casas, novos mesteres, novas fábricas, novos negócios. Ora, não admira, a proximidade com um dos maiores símbolos do progresso tornara-se um fator determinante e desafiador.

Ao observarmos à luz deste século a malha urbana de Valença, percebemos sem qualquer parcimónia que a ferrovia desempenhou um papel fundamental no modo como a urbe se organizou. A fábrica Pinta Amarela (desativada há anos) é um exemplo de proximidade com a Linha do Minho, em simultâneo, (apesar da sua antiguidade secular) também o próprio complexo fortificado ladeia com a Linha do Minho. A ferrovia coloca-se à mercê de quem dela queira fruir, seja através da Estação, seja através dos diversos apeadeiros pulverizados aqui e ali. Naquela época percebemos que Valença do Minho se afigurava como uma importante interface ferroviária (tal como hodiernamente), uma plataforma de intermodalidade, proporcionando acesso não só às vias rodoviárias, mas, também, ao próprio rio Minho, autoestrada ancestral pela qual durante tempos que se perdem nas brumas da memória proporcionou o trânsito de pessoas e bens.

Em 1879, surge a primeira interface ferroviária a servir Valença do Minho, tratando-se de uma gare ferroviária de natureza provisória, denominada de “Segadães”; em 10 de agosto de 1881, é publicada a Portaria que determina a conclusão das obras entre a gare provisória e a Estação que conhecemos, obra essa entregue a Gabriel Beitia. Esse lanço abriu à exploração em 6 de agosto de 1882, de forma transitória, até que, em 15 de abril de 1883, inicia-se o serviço de pequena velocidade e, em 8 de dezembro de 1884, a Estação dos Caminhos de Ferro de Valença do Minho é inaugurada de forma definitiva. Hodiernamente, a lindíssima Estação de Valença do Minho, de estilo revivalista neoclássico, conta com 140 anos de prestimoso serviço.

A Estação propriamente dita, é composta pelo edifício de passageiros, bem como alguns anexos de apoio técnico, as instalações sanitárias, o cais coberto e a cocheira de locomotivas.

(1885 – Casa Biel & C.ª, do Porto)

Além disso, a Estação dos Caminhos de Ferro contempla um dos núcleos do Museu Nacional Ferroviário, instituído na cocheira de locomotivas, onde se podem vislumbrar em exposição um comboio do século XIX, construído em 1886, com uma carruagem de 1.ª classe (posterior); uma locomotiva CP 23, de 1875, com um salão SF. n.º 1, construído em 1888, em França, destinado a cinco passageiros; um Salão SF 5004, construído em 1885, com nove lugares sentados, uma carruagem, um furgão e um quadriciclo a pedal.

A Linha do Minho não se cingia a Valença do Minho, onde tem o seu términos, bifurcava em direção a Monção, tendo chegado a Lapela em 1913 e, em 1915, à vila Monçanense. No último quartel do século XX essa ligação foi desativada e desafetada do domínio ferroviário (1989), ficando, por essa via, reduzida à realidade hodierna.

Apesar de todos sabermos a realidade da nossa economia, dos nossos cidadãos, das assimetrias territoriais que existem num país tão pequeno e, ao mesmo tempo, desigual, continuamos a ver passar os comboios, quando o Governo alude o “passe ferroviário”; questões de natureza ambiental, tão prementes e tão em voga, parecem não fazer estremecer a ilusão quotidiana em que o Homem vive, embebido nos seus auspiciosos desejos materialistas. A natureza fustiga a cada dia que passa as hostes distraídas, sem que, todavia, avós, pais, filhos e netos deem a devida atenção à hecatombe que se avizinha. Tudo e todos vivem nas nuvens brancas de cetim, nas belezas plastificadas, nas cantigas desgastadas e, seguem caminho num contentamento descontente. Porém, torna-se cada vez mais premente resgatar a mobilidade coletiva, resgatar os abates criminosos de ferrovias, descartar os automóveis o mais rápido possível, apostando na mobilidade limpa e coletiva. No século XIX preconizava-se o chamado “novelo” (1900), plano ferroviário que previa desenvolver linhas ferroviárias a norte do Mondego, mas que, grosso modo, pouco se desenvolveu. Urge resgatar esse novelo, estendendo a ferrovia a todos os recantos de Portugal, aproximando os cidadãos das instituições, implantando novas instituições onde elas não existem, criar e fomentar a indústria, o desenvolvimento integrado deste pequeno país – jardim da Europa – entorpecido pelo Turismo.

Não consigo alcançar um futuro próspero com os líderes políticos que tivemos e continuamos a ter, porque em boa verdade somos latinos, passíveis de sermos facilmente subornados e pervertidos. Sabemos receber, sabemos dar, mas não temos a garra suficiente para nos unirmos e erguer este país, estamos condenados à pequenez, de tal modo que, nestes últimos anos, nada se faz sem a subsidiodependência da União Europeia, ora o PO2020, ora o PO2030, ora o PRR…pensemos seriamente se queremos continuar a ser um país parasita, com elevada dívida pública, com serviços públicos falidos, sem expressão no universo industrial europeu, enfim, em quase tudo menos gastronomia, vinho, romarias e o tão idolatrado futebol.

Assim, chegados à Estação términos do pensamento, fixemos a mente no silvo das locomotivas a vapor, sentir e saber de profícuo tempo que se foi e não volta, como não volta o comboio que nunca partiu.

 
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