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Mais de sete mil pessoas já assinaram a petição ‘online’ pelo “Acesso Imediato ao Lynparza® para os doentes elegíveis com cancro da mama em Portugal”, o mesmo pedido que Susana Vilaça, de Braga, efetuou recentemente ao Ministério da Saúde e à Agência Portuguesa do Medicamento (Infarmed).
Atualmente, a terapêutica inovadora com este medicamento, cuja substância ativa é Olaparib, consegue ‘matar’ as células atingidas pelo tumor sem danificar em demasia as células vivas. Ou seja, não faz com que o cancro desapareça, mas impede que o mesmo alastre.
Por ser um medicamento de alto custo, encontra-se ainda em “processo de avaliação para efeitos de financiamento”, segundo disse em primeira mão a O MINHO fonte daquela agência.
De acordo com o Infarmed, “o último estudo necessário à conclusão da avaliação técnica por parte dos peritos”, já foi entregue pela produtora do medicamento, a AstraZeneca.
O instituto afirma estar “a desenvolver todos os esforços para concluir a avaliação e poder disponibilizar mais esta opção terapêutica nas melhores condições para o SNS e seus utentes”, que já o podem encontrar no serviço privado, mas a altos custos.
Pelo que apurou O MINHO, caso o utente tenha um seguro de saúde ou usufrua de ADSE, pode conseguir um desconto muito grande no serviço de saúde privado, mas esse não é o caso da maioria das pessoas que sofrem com o cancro na mama e que precisam deste tratamento.
Atualmente, já é comparticipado pelo Estado em outros tipos de cancro agressivo, como o caso do cancro do ovário, faltando a autorização para que o mesmo seja aplicado pelo SNS no combate ao cancro da mama.
Na petição, assinada por Tatiana Zezola Bond, doente com cancro da mama metastático (HER2-, BRCA2+), e dirigida ao presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, é recordado que, em Portugal, são detetados anualmente cerca de 6.000 novos casos de cancro da mama e 1.500 mulheres morrem com esta doença.
A petição assinala que a substância Olaparib tem ajudado a controlar a progressão da doença em muitos doentes.
“Sendo que os ensaios clínicos demonstram que as doentes tratadas com Olaparib têm uma sobrevivência sem progressão de doença 3 meses mais longa do que os doentes tratados com quimioterapia, torna-se importante considerar este medicamento como uma arma fundamental na luta contra o cancro”, lê-se no documento.
O texto relembra que o tratamento com quimioterapia tem “efeitos secundários que, infelizmente, todos conhecemos bem”. “O Lynparza em monoterapia foi associado a reações adversas de gravidade geralmente ligeira ou moderada e, de um modo geral, sem necessitarem de descontinuação do tratamento”, defende a petição.
Conforme noticiou O MINHO em primeira mão, o Infarmed tem rejeitado os pedidos de autorização excecional para utilização deste medicamento em doentes com cancro da mama, alegando existirem “outras terapêuticas alternativas”, como é o caso da radioterapia e da quimioterapia.
“É quase negligente que as recomendações dos oncologistas e demais elementos dos corpos clínicos dos hospitais portugueses não sejam as principais conducentes das decisões terapêuticas adequadas para cada doente. É também inconcebível que o Infarmed considere que a quimioterapia clássica seja uma alternativa terapêutica realista demonstrando assim completo menosprezo pela qualidade de vida dos doentes”, afirma a petição.
“Todo o tempo de espera burocrático que tem decorrido é sinónimo de progressão da doença oncológica em doentes cuja doença já está em estado avançado”, conclui.
Caso de Susana Vilaça
Uma doente oncológica de Braga está a ter dificuldades em conseguir acesso a um medicamento sob regime especial capaz de lhe prolongar a esperança de vida. Os médicos que a seguem há sete anos afirmam que este é o caminho. Peritos do Infarmed dizem que existem outras terapêuticas e deram ‘nega’ ao pedido de autorização cumprido pelo Hospital de Braga.
O calvário de Susana Vilaça começou pouco antes do Natal de 2013, quando tinha 34 anos. Foi-lhe diagnosticado um cancro com início numa glândula mamária, que conseguiu combater. Em 2018 foi atingida na outra glândula, com duas recidivas em 2019 que a forçaram a várias terapêuticas, incluindo quimioterapia, radioterapia, hormonoterapia e intervenção cirúrgica.
Mas a doença atacou de novo, está ativa a nível peritoneal e parece ser cada vez menos resistente à quimioterapia.
Residente na freguesia de Esporões e mãe de dois filhos, Susana, agora com 42 anos, não desiste, e afirma que o Ministério da Saúde deve pressionar o Infarmed para colocar o medicamento Lynparza no SNS.
Agência Europeia do Medicamento autoriza comercialização
De acordo com um relatório da Agência Europeia do Medicamento consultado por O MINHO, que autoriza a comercialização do Lynparza sob receita médica, este é um medicamento contra o cancro utilizado para tratamento continuado após tratamento inicial de cancros de alto grau.
A substância ativa permite bloquear um tipo de enzimas que ajuda a reparar o ADN das células, incluíndo as cancerosas. Com esse bloqueio, as enzimas que reparam o ADN das células cancerosas deixam de o fazer, reparando com maior intensidade as boas, e as células cancerosas morrem.
A recomendação é que seja tomado de forma continuada, sempre sob supervisão do médico, e desde que demonstre trazer benefícios. O tratamento é interrompido caso o cancro desapareça ou, por outro lado, se estiver a causar demasiados efeitos secundários.
O medicamento, de alto custo, pode ser adquirido no setor privado mas custa mais de uma centena de euros por dia. E o tratamento é de, pelo menos, dois anos.
Quero ver o crescimento dos meus filhos
Rapidamente o acesso ao Lynparza tornou-se para Susana não só um compromisso, mas uma obrigação a conseguir. O medicamento já é aplicado no SNS em alguns tipos de cancro de alto risco, mas não em “doentes multitratadas” (com três linhas de tratamentos prévios), como é o caso de Susana, que passou por quimioterapia, radioterapia e hormonoterapia.
A bracarense diz que o crescimento dos filhos é algo que quer ver, mas para isso precisa que o instituto autorize o tratamento que é o seu “seguro de vida”, como contou a O MINHO.
Depois de, em fevereiro, ter recebido os exames que apontavam a doença como podendo causar lesões no ADN, ou seja, ser genética, foi-lhe dito pelos médicos que a seguem que se poderia submeter ao tratamento com a substância “olaparib”, para melhorar a qualidade e prolongar a vida.
“No hospital [de Braga] disseram-me que este medicamento é o meu seguro de vida e que para administrar seria necessário um pedido de autorização por parte da administração do hospital ao Infarmed”, explica, referindo-se aos pedidos de Autorização de Utilização Excecional para medicamentos que não estão disponíveis de uma forma generalizada no SNS, mas que podem ser requisitados.
A submissão do pedido foi remetido ao Infarmed a 26 de fevereiro e a resposta surgiu no mesmo dia, com parecer negativo.
Administração do hospital chamou Susana para uma reunião
A 11 de março, Susana voltou a contactar um dos médicos do serviço do hospital central, pedindo-lhe para efetuar novo pedido para aceder ao tratamento. A resposta foi que, mais uma vez, não seria possível sem autorização da administração do hospital.
O MINHO questionou a administração do hospital e esta confirmou uma reunião entre Susana e o diretor de serviço de oncologia, indicando que a mesma se tratou apenas para “dar uma palavra e uma explicação à utente de que esta autorização transcende o hospital”.
Já Susana diz que a administração sublinhou que não poderia submeter outro pedido porque o primeiro já tinha sido negado e que a sua autorização transcende aquele hospital.
Infarmed afirma existirem alternativas ao medicamento
Questionado por O MINHO, o Infarmed afirmou este domingo que “no contexto de tratamento com o medicamento Lynparza em doentes multitratadas”, como é o caso de Susana, “foi considerado pelos peritos clínicos das comissões que apoiam o INFARMED, que existem ainda alternativas terapêuticas”.
Sobre o pedido de Autorização de Utilização Excecional do medicamento feito pelo Hospital de Braga, o Infarmed sublinha que todos os pedidos deste medicamento para a situação terapêutica “em apreço”, independentemente do hospital, são “rapidamente respondido(s) de forma a informar o hospital e o médico assistente que devem ser avaliadas outras alternativas para esse doente especifico”.
Revela ainda que o medicamento em questão está em “processo de avaliação para efeitos de financiamento”, e que, “na semana passada”, foi submetido ao Infarmed “o último estudo necessário à conclusão da avaliação técnica por parte dos peritos”.
Principal autoridade nacional em medicamentos e produtos de saúde, o instituto afirma estar “a desenvolver todos os esforços para concluir a avaliação e poder disponibilizar mais esta opção terapêutica nas melhores condições para o SNS e seus utentes”.
Explica ainda que os pedidos de AUE, nos termos da legislação em vigor relativa à proteção de dados, não identificam o doente para o qual o tratamento é solicitado, pelo que não pode esclarecer o caso individual de Susana.
“A vida não deve ter preço, e eu vou lutar pela minha, é o que me resta”
Antes da publicação desta notícia, O MINHO deu a conhecer a Susana a resposta do Infarmed, que a deixou revoltada. Explica que todas as terapêuticas já foram tentadas e que se trata de um problema genético.
No entanto, e depois de aconselhada pela equipa de oncologia do Hospital de Braga, voltou a realizar sessões de quimioterapia, mesmo achando que as mesmas são em vão.
“O cancro consegue recidivar e ficar mais agressivo porque já não é tão afetado pela quimio. Preciso deste medicamento, por isso insisto: Todas as alternativas foram ineficazes e o cancro volta sempre a recidivar, foi sempre assim em sete anos, os médicos que me seguem sabem isso”, vinca.
Desesperada, escreveu ao Presidente da República e à Ministra da Saúde, e obteve resposta de ambos os gabinetes na passada sexta-feira.
Da parte de Marcelo Rebelo de Sousa, foi dito que era um assunto que extravasava as competências da Presidência, e a carta foi reencaminhada para o gabinete do primeiro-ministro António Costa, que ainda não respondeu.
Já da parte do Ministério da Saúde, a resposta foi similar, com a carta a ser reencaminhada para o Infarmed. Que já nos respondeu a confirmar o parecer negativo.
Susana garante que não se irá calar e acha que o medicamento não está a ser disponibilizado no regime excecional por uma questão financeira, “por ser muito caro”.
E nem o facto de o processo de financiamento por parte do Estado estar em vias de conclusão a anima. E relembra: “Cada dia que passa é menos um dia que podia viver”.
“A vida não deve ter preço, e eu vou lutar pela minha, é o que me resta”.